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Laranja Mecânica: As diferenças entre livro e filme

Como Stanley Kubrick transformou o livro de Anthony Burgess em algo brilhante, mas completamente diferente

A briga entre livro e filme já está – há muito tempo – ultrapassada. Isso porque a visão que o diretor tem e quer passar é diferente do que o autor pensou ao escrever o livro. Dizer que um é melhor que o outro é não considerar todas as etapas envolvidas no processo de concessão da obra e a singularidade de interpretação do artista e do espectador. Dessa forma, a proposta da minha análise não é eleger um ou outro como mais genial, mas sim, entender como as diferenças fazem de ambas as obras muito bem pensadas e executadas. 

Stanley Kubrick criou sua própria versão de Laranja Mecânica, de Anthony Burgess.
Stanley Kubrick criou sua própria versão de Laranja Mecânica, de Anthony Burgess. | Foto: Reprodução.

Laranja Mecânica e a visão de Stanley Kubrick e Anthony Burgess

Acredito que, como eu, muitos de vocês também viram o filme antes de ler o livro. Para ser sincera, em um primeiro momento eu nem sabia da existência do livro. Só isso evidencia como Stanley Kubrick fez um trabalho tão único e inovador que se “apossou” da obra, e, ao se ouvir falar de Laranja Mecânica, nossa mente quase que imediatamente nos leva ao filme de 72 e, somente em um segundo momento, lembramos do livro.

A popularização do longa se dá, além do fato de ser brilhante, pela escolha de Kubrick de construir uma história mais fácil de entender do que o livro. Isso, principalmente, devido ao idioma nadsat, uma mistura de russo com inglês inventado por Anthony Burgess, que apesar de ter rastros dele no filme, o livro o traz de uma forma bem mais carregada e é incomum encontrar uma palavra que não seja nesse idioma, mesmo que dê para entender uma coisa ou outra graças ao contexto. No filme, por ter menos e pelo contexto ser construído por imagens, fica bem mais fácil de entender. Claro que essa dificuldade foi proposital, Burgess queria causar esse estranhamento ao leitor para que ele se sentisse como um viajante no tempo que chegou do nada naquele lugar, naquela época.

Outra coisa que pode parecer bobagem para alguns, mas que pra mim é um dos pontos chaves que diferenciam as duas obras é a idade do Alex ,o protagonista. No Laranja Mecânica, o livro, ele e sua gangue tem por volta dos quatorze anos, sabemos que a adolescência é um período de aprendizagem, mesmo com a personalidade formada, é na adolescência que aprendemos a interpretar o mundo e nos formamos como indivíduos.

Nesse sentido, ler sobre uma turma de adolescentes praticando crimes extremamente violentos me deixou indignada, dá uma vontade de entrar e, de alguma forma, educar esses meninos e os tirar daquele ambiente em que eles estão inseridos. Já no filme, Alex e sua gangue tem por volta dos vinte e cinco anos, o que leva o espectador a sentir mais raiva do Alex e de seus atos violentos, uma vez que ele já não está em processo de formação, não se tem a discussão a respeito de seu processo de formação, pois ele já é um adulto pronto, ele é mal e ponto. Na minha concepção, Kubrick faz isso para ter um foco maior no protagonista e não no ambiente, já que o filme traz uma visão que explora a mente, o corpo e o ser de Alex.

Pensando nesse sentido, podemos pontuar mais uma diferença entre as duas obras: a ambientação. Burgess traz uma visão muito mais detalhada do ambiente, enquanto que Kubrick, apesar de não transformar o cenário e os outros personagens em “normais”, dá mais foco ao Alex. A visão do autor segue na linha de trazer um debate a respeito de como o meio influencia Alex e sua gangue a fazer o que eles fazem, tratando eles como parte de um problema estrutural e fazendo o leitor pensar nos personagens como frutos de um cenário maior e mais controlador do que simplesmente futurístico.

Já, na visão do diretor, percebemos que ele mergulha de cabeça no Alex, trazendo ele por ele, Kubrick com seus brilhantes jogos de câmeras, cortes perfeitos e montagens inovadoras, consegue construir o Alex e levar ao espectador o protagonista destrinchado, mostrando toda sua violência e, em escala bem menor do que a do livro, mostrar como e porquê ele é tão violento e sádico. Principalmente, por isso que o final do livro é bem mais esperançoso que a do filme. Na obra escrita, o ambiente pode mudar, assim como Alex (por ser adolescente), assim aquela realidade não sendo igual para sempre faz com que suponhamos e esperamos que possa mudar, já no filme, o protagonista já é um homem formado e não se tem muita expectativa de mudança. 

No mais, aproveito para indicar a edição do livro Laranja Mecânica feita pela editora Aleph e traduzido por Fábio Fernandes. Além de ser linda, a edição traz um prefácio incrível, escrito pelo próprio Fábio, que nos ajuda a entender a obra e a razão dela, com curiosidades muito legais.

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Por Amanda Chaves – Fala! UFG

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