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Há vida além da política

No período das eleições, é nítida a preocupação constante da população com assuntos concernentes aos aspectos estruturais da política. Em conversas banais e cotidianas, debates e discussões sobre os candidatos vêm à tona. Até certo ponto, é legítima a preocupação dos cidadãos com a esfera política, contudo o perigo reside na identificação do espaço político como a única forma de realização das potencialidades humanas.

As pessoas ocupam grande parte do tempo discutindo acerca das eleições americanas, dos governos europeus e das disputas eleitorais em outras regiões do Brasil. É como se a política fosse o único assunto a ser discorrido com os amigos e familiares. Trata-se de uma realidade deplorável. 

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Há vida além da política. | Foto: Reprodução.

 De certa forma, esse cenário apenas reforça e demonstra a existência da interferência ostensiva e extensiva do Estado na realidade cotidiana e na vida comum do brasileiro. Diante dessa conjuntura, se faz necessário frisar as lições de Joseph Ratzinger (Bento XVI) sobre o assunto: “O Estado não é a totalidade da existência humana e não abarca toda a esperança humana. O homem e a sua esperança vão além da realidade do Estado e além da esfera da ação política”.

Portanto, existem temas mais sublimes, nobres e virtuosos que merecem nossa atenção, tais como: a amizade, literatura, filosofia, cultura, educação, família, dentre outros. A política não deve ser o cerne de nossas conversas, pois o homem não se resume ao aspecto da esfera política, da realidade do Estado. 

Ademais, a preocupação com os problemas estruturais, sejam eles políticos, macroeconômicos, nacionais e internacionais acaba por sufocar o espírito comunal, como diria Alexis de Tocqueville. A preocupação primordial do cidadão deve recair sobre o bem comum de seu município. É nevrálgico que os indivíduos procurem a promoção dos valores morais nos relacionamentos com as pessoas de seu bairro, condomínio, escola e trabalho.

Enfim, o espírito comunal sustenta o associativismo e promove uma preocupação maior com as questões locais. Simples gestos de bondade e amor com o próximo são muito mais importantes para a dimensão axiológica do bem comum do que lutas políticas nacionais, estruturais. Eis a grande lição de Tocqueville. 

Para finalizar, de nada adianta a luta política se nosso próprio caráter estiver mergulhado na imoralidade, na falta de compaixão. A vida ética é o pilar de uma nação estável. “Nós criamos ordem na sociedade começando por criar ordem na nossa consciência” (Eric Voegelin). Enfim, há vida além da política. Outras questões merecem nossa atenção e não é necessário muito esforço para localizá-las. Basta um bom exame de consciência para averiguar os rumos de nossa vida pessoal e das pessoas que necessitam de nosso apoio. 

Há pessoas, por exemplo, que não suportam pensamento, que não suportam uma hora de reflexão silenciosa. Seria um grande castigo para muitos, um homem ser obrigado a pensar em si mesmo. Muitos homens gostam de viver no turbilhão, em uma ou outra excitação que mantenha suas mentes ocupadas e os impede de pensarem em si mesmos. Quantos homens, por exemplo, empregam todo o seu tempo livre meramente sabendo as notícias do dia. Eles gostam de ler publicações periódicas, eles gostam de saber o que acontece nos quatro cantos da terra. Eles enchem suas mentes com assuntos que não lhes dizem respeito ou dizem respeito ao seu bem-estar temporal; com o que está acontecendo nas várias partes da Inglaterra, o que o parlamento está fazendo, o que aconteceu na Irlanda, o que está acontecendo no continente (…) Eles falam, escrevem, trabalham por um objeto que perecerá com este mundo, que não passará com eles para o sepulcro. O Santo Apóstolo diz: “Felizes os mortos que doravante morrem no Senhor, pois as suas obras os seguem” (Ap 14, 13).

John Henry Newman, Fé e preconceito.

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Por Leonardo Leite – Reaviva Mack – Universidade Presbiteriana Mackenzie

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