Contrariando os mais tradicionais, a denominada Meryl Streep do Mumblecore foi rejeitada pela educação formal, e fez do mundo sua verdadeira escola de cinema. A observação atenta de Greta Gerwig possibilitou um conhecimento prático acerca deste universo, tanto no ramo da atuação quanto da direção, e através disso, ela tornou-se a figura modelar que é hoje.
Filmes de Greta Gerwig
1. Lady Bird
O nicho de conteúdo voltado para o público adolescente se manteve estável desde os anos 80, as chamadas produções teens tornaram-se uma febre mundial. A tentativa de representar a adolescência vem sendo executada diversas vezes desde então. Contudo, muitas valham no quesito realístico, caindo nas amaras genéricas presentes em muitos coming of age.
Na contracultura dessa problemática, com um roteiro autêntico, Greta Gerwig consegue modernizar uma trama já saturada. A comédia dramática Lady Bird (2017) entrega com veracidade um retrato do início da vida adulta, traduzindo muitos dos sentimentos complexos que perpassam a juventude.
Christine, ou Lady Bird, está no último ano do ensino médio e sente-se deslocada vivendo na capital da Califórnia, fato esse que já é transmitido ao espectador pela citação de Joan Didion que dá início ao filme:
Quem fala do hedonismo californiano nunca passou o Natal em Sacramento.
O filme acompanha jornada da protagonista em busca de empolgação e novidade. O longa apresenta raízes autobiográficas por traçar paralelos claros com a vida da diretora, já que ela nasceu e cresceu na cidade retratada.
A história consegue transcender identidades e tornar-se universal. A protagonista não cabe em nenhuma forma ou definição, e é isso que a aproxima de tantas outras que vivenciam o amadurecimento feminino. Nesse movimento de aproveitar o melhor da realidade, Gerwig torna extraordinário o ordinário do cotidiano.
Além disso, a cineasta pretende realizar um quarteto de filmes em sua cidade natal, inspirada na série literária de Elena Ferrante que se passa em Nápoles.
2. Adoráveis Mulheres
A história clássica da literatura norte-americana, escrita por Louisa May Alcott e publicada em 1868, Little Women continua mobilizando o público por sua atemporalidade. Além disso, a eterna popularidade também é decorrente da safra de adaptações cinematográficas da obra, como a série de mesmo nome da BBC britânica, lançada em 2017, e o filme As Quatro Irmãs (1933).
O último filme a contribuir para a manutenção de seu legado foi a produção homônima de 2019, dirigido por Greta Gerwig.
Alcott vivenciou a mesma situação experienciada por Jane Austen, pela crítica da época, a obra foi classificada, equivocamente, como tratando-se somente de ser uma literatura comercial. Mas, na verdade, ao centralizar a vida familiar, a história conta uma narrativa maior sobre as consequências da guerra por quem não está no fronte, semelhante ao que foi feito por Virginia Woolf. É com caráter provocativo que se questiona o cânone feminino pela representação do quarteto de irmãs March.
No longa, o novo Adoráveis mulheres inova em relação às produções anteriores. Ainda que a personagem mais lembrada e abraçada no imaginário popular seja Josephine March, interpretada brilhantemente por Saiorse Ronan, todos os outros personagens tornam-se memoráveis devido à construção deles, possibilitada por um tempo de tela justo e arcos dramáticos bem desenvolvidos.
Com acuidade contemporânea, brinca-se com a estrutura narrativa, seguindo duas linhas temporais, caminhando para um cruzamento.
Em uma delas, a cineasta explora o lúdico da infância. Já no outro lado, Gerwig aborda o lado sombrio da vida adulta, aqui permeado por sonhos frustrados e dificuldades financeiras. Por meio de tamanha a sensibilidade no retrato das singularidades humanas, essa distinção temporal se dá pela diferença na paleta de cores, antes vibrante e, posteriormente, com tons mais azuis e escuros, o que corrobora para o entendimento da semiótica das cenas.
3. Mulheres do Século 20
Feminismo. Movimento punk. Maternidade. Sexualidade juvenil. Conflitos geracionais. Personagens cativantes. Família disfuncional. Essa é a definição central do drama familiar, Mulheres do Século 20 (2016). Dentro da bolha social progressista californiana dos anos 70, Dorothea é uma mãe de meia idade que sente dificuldades em criar Jamie, seu filho adolescente. Para ajudá-la nessa função, ela clama por Julie, a melhor amiga de seu filho, e Abbie, a jovem que aluga um quarto em sua casa, interpretada por Greta Gerwig.
O longa põe em xeque as muitas formas de ser mulher ao representar três gerações distintas que convivem de maneira próxima. Observamos a formação e o despertar ideológico e cultural desse grupo particular composto por pessoas pelas quais poderíamos cruzar na rua em um dia qualquer, o que auxilia na proximidade com o espectador decorrente da fácil identificação. Essa característica, inclusive, é uma estratégia que migra para todos os outros trabalhos de Gerwig. Na obra cinematográfica em questão, é possível relacionar todos os personagens com a frase de Janis Joplin:
Sou uma daquelas pessoas estranhas e comuns.
4. Frances Ha
Seria engano resumir a participação de Greta Gerwig em Frances Ha (2012) somente à sua atuação. Ela não só atuou, como também o co-roteirizou, a partir de sua participação ativa no filme, conseguimos inferir algumas partes de seu estilo como cineasta.
A solidão é uma característica que parece perseguir as produções que retratam os grandes centros urbanos, e o filme em questão alimenta-se desse panorama comum. Com uma fotografia em preto e branco, compõem-se esse cenário desesperador do amadurecimento ao trazer ao público uma personagem-título comicamente atrapalhada e produz um olhar empático sobre seus personagens e dilemas.
Discute sobre o que é crescer e o quanto isso pode ser doloroso. Mas também sobre como as feridas abertas são internalizadas como lições de crescimento pessoal. O ponto que liga essa narrativa é a amizade da protagonista com Sophie, o pontapé inicial da narrativa vem a ser o distanciamento das duas, através dessa história, leva o espectador a refletir sobre o valor da amizade ao representar uma honesta, divertida e emocionante irmandade entre mulheres.
5. Ilha dos Cachorros
Ilha dos Cachorros (2018) é uma carta aberta de homenagem do diretor Wes Anderson ao Japão e a suas referências da animação japonesa. Com um cenário distópico e em stop motion, a cidade de Megasaki é transformada quando aprova-se uma nova lei que proíbe os cachorros de morarem no local, fazendo com que todos os animais sejam enviados a uma ilha vizinha repleta de lixo. Mas o jovem Atari não aceita se separar do cachorro Spots.
Com sua voz, Greta Gerwig dá vida à personagem Tracy Walker, uma estudante de intercâmbio, engajada no movimento em defesa dos cachorros. Agora, também trabalhando com a dublagem, Gerwig só fortalece ainda mais sua versatilidade como artista e enche de ansiedade o público com o que pode estar por vir.
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Por Vitória Prates – Fala! Cásper