A recorrente aversão ao cinema brasileiro nos leva a discutir o quanto traçamos de forma negativa o caminho da produção cinematográfica em nosso próprio país. A prioridade na produção de filmes passou a ser de consumo e os brasileiros mostram a sua submissão às influências de Hollywood.
Não há como negar que o cenário é este. Inicialmente pela mentalidade exigida com a revolução industrial e o reinado capitalista em que a cultura é mercadoria.
Assim, o autor intelectual não tem direito sobre sua obra, o filme é mercadoria e essa será mutilada em sua distribuição e o cineasta sem opção cede. Orson Welles, autor da produção mais aclamada, “Cidadão Kane”, se queixa dessa cultura de consumo sobre a arte, de como o nome do artista está tão associado ao dinheiro e até que ponto pode-se viver do ofício de fazer cinema com o olhar puro e crítico do cineasta.
Além disso, em comunhão com essa visão consumista da modernidade há os países desenvolvidos, que ditam um método de expressão, como os EUA e a imitação das técnicas europeias.
Assim, a valorização da forma hollywoodiana de produzir filmes despertou o irreal do espectador e, consequentemente, ocupa a distribuição em massa desse cinema estrangeiro no mercado brasileiro, não havendo sequer um espaço para as produções nacionais terem financiamento, visibilidade e aceitação.
Ao longo de sua história, o cinema nacional passou por diversas dificuldades, como o alto custo de produção e o pouco interesse de patrocinadores, porém, seu maior inimigo surgiu na década de 60 junto a ditadura militar do país. Em 1968, quando o Ato Institucional Número 5 entra em vigor, o Congresso Nacional é fechado e a mídia sofre grande censura.
Neste contexto, surge o movimento Tropicalismo, que faz uso da licença poética e metáforas para fazer críticas sobre a situação política do Brasil. Tendo em vista a crise econômica que abalou o país na década de 70, as produções cinematográficas nacionais careciam de apoio financeiro, sobrevivendo apenas por conta de festivais.
Cinema brasileiro: processo de distribuição
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, é criada a Lei do Audiovisual, fazendo com que o cinema nacional ganhasse mais visibilidade na sociedade. Em 1997, as Organizações Globo criaram o seu braço cinematográfico, a Globo Filmes.
A partir de então, as produções brasileiras ganharam espaço nacional e internacional. Fora das grandes produtoras, as peças audiovisuais no Brasil se sustentam apenas através das leis de incentivo, por isso é muito importante apoiar o cinema nacional e independente.
Embora esta desilusão cinematográfica prejudicasse o Brasil, ainda resistiam as produções de obras ligadas à realidade sócio cultural e econômica do país e que o representavam fielmente confrontando o cinema americano. Como por exemplo o filme “Macunaíma: Herói sem nenhum caráter”, que foi um filme com herói típico que elege drama somente com a “liberdade dialética” com desenvolvimento de estilos cinematográficos no “terceiro mundo”.
Assim como em “Vida Secas” (1963), de Graciliano Ramos e dirigido por Nelson Pereira dos Santos, que foi diretamente transmitido na televisão brasileira. Ou seja, o intuito foi fazer com que filmes que não haviam sido vistos pudessem ser televisionados, resolvendo os problemas de distribuição da informação, tirando proveito da pouca tecnologia que o país tinha acesso e dando foco aos produtos nacionais pouco procurados pelos próprios brasileiros.
E era complexo saber como os cineastas brasileiros conseguiram que seus filmes fossem aceitos por uma população, em sua maioria, de classes econômicas baixas, maior parte sem estudo e quando eram de classes favorecidas tinham vergonha de suas raízes.
Assim, poucos cineastas arriscaram produções sobre as raízes brasileiras, pois não interessavam o público. Dessa forma, uma sociedade condicionada à inferioridade precisa de ação política como prática, como a proteção e contribuição do governo com o cinema, na isenção de impostos, favorecendo sua produção, distribuição e exibição dos filmes em todo o mundo, como no governo norte-americano e seu financiamento existir apenas devido a atuação do cinema no mercado.
À vista disso, verificamos que as mudanças na exibição dos filmes traçam um caminho guiado ao consumo, mas o cinema nacional homenageou o Brasil de diversas formas mesmo não sendo uma tarefa fácil e que requer muita sensibilidade para dizer tudo do cenário em que vivemos e com tanta influência externa.
Entretanto, a arte está diretamente ligada às crises e aos abalos de movimentos contrários a fim de que ela esteja em constante reafirmação e se necessário uma reinvenção.
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Filme B.O. e sua representatividade brasileira
Um país com influências estrangeiras e pouco investimento enfrenta os obstáculos para a produção de patrimônios culturais
Entre críticas e polêmicas do cinema brasileiro, hoje, deve-se ter um olhar perspicaz e realista no intuito de verdadeiramente conseguir uma demarcação no cinema.
Uma posição confiável e de credibilidade no país, para que se tenha visibilidade e a afeição da nação brasileira. Assim, são convocados os cineastas para um engajamento político e uma produção de baixo orçamento, com a verdade do artista e o envolvimento real do espectador, diante das possibilidades ofertadas no próprio país.
Diante dessa forma de se fazer cinema, utilizamos como objeto de estudo o filme “B.O.”, lançado este ano no dia 9 de maio. O filme relata a história de dois cineastas, Pedro (Daniel Belmonte) e Fabrício (André Pellegrino). Jovens que amam o cinema e desejam a produção e o sucesso total de sua comédia.
Porém, quase como uma utopia diante de todos os impasses encontrados na produção cinematográfica brasileira, eles optam por fazer um filme de baixo orçamento e do gênero dramático. Os personagens passam por dificuldades inimagináveis para realizar os seus sonhos e finalmente ganhar visibilidade exibindo o filme em um festival.
Entrevistamos o protagonista Fabrício, interpretado por André Pellegrino que nos contou que o filme surgiu da “necessidade de criar e empreender cultura no Brasil” e que “o B.O. encarou as dificuldade que muitos filmes encaram, (como ficar “12 noturnas seguidas, dentro de um apartamento com umas 30/40 pessoas focadas fazendo aquilo acontecer”, conta André) mas tivemos a sorte de sermos abraçados pela Raccord, pelo Canal Brasil e pela Cavi que possibilitaram que o filme saísse do circuito de festivais” e entrasse em cartaz nos cinemas do Rio de Janeiro, São Paulo, Aracaju, Maceió, Palmas, Porto Alegre e Salvador.
Pelo fato do filme está em cartaz e estendendo cada vez mais a semana da sua transmissão já é uma vitória e segundo Pellegrino, “a realidade do audiovisual médio brasileiro é a guerrilha”.
E se identificando com o personagem do qual interpreta ele se diz considerar um “empreendedor de cultura”, pois vive se “desdobrando para continuar criando obras interessantes e relevantes, sendo que este é o “negócio” menos lucrativo possível e o mais necessário do nosso povo”. Sinal de que há artistas comprometidos e que querem construir um patrimônio cultural no Brasil.
Sendo classificado por Pellegrino como “uma crônica muito bem-sucedida do fazer cinema no país”, o filme buscou passar algo que prendesse a atenção do espectador, trabalhando imagens e dando-lhes significados.
E mesmo sabendo que “tudo poderia ser uma barreira, eles transformaram em narrativa, em humor, sem ter os meios ideais de produção, o público escasso, é difícil manter essa roda girando, mas B.O. mostra uma geração de artistas tentando manter os pratos no alto sem que eles caiam”, afirma André Pellegrino.
Em tempos de crise, principalmente nesta nova esfera política do Brasil, em que a cultura não é considerada prioridade, colocar um filme em cartaz não é uma tarefa fácil. Sabendo disso, os diretores do longa (Daniel Belmonte e Pedro Cadore) não pensaram duas vezes em desenvolver um projeto que exigisse um baixo custo de produção; “O filme custou muito pouco porque não pagamos ninguém, nem ao elenco nem a equipe”.
“Eu e Pedro estudamos cinema na faculdade e somos ex-alunos do Tablado. Isso nos aproximou de muitas pessoas bacanas que toparam fazer por acreditarem na gente e no projeto” diz Daniel.
A obra cinematográfica utiliza de uma estratégia de filmagem muito inovadora, uma vez que utilizam apenas uma câmera para filmar vários momentos, dando ao espectador a sensação de um filme caseiro, tanto o filme produzido pelos personagens como o próprio filme que se está assistindo.
Belmonte nos conta que esse foi justamente o intuito, essa ideia de “trabalhar uma estética que transformasse os muitos defeitos em linguagem”. Enfrentando assim, desafios devido ao baixo orçamento e fazendo da falta de dinheiro uma “adversidade divertida a ser contornada” e não algo excludente para se fazer um bom cinema.
Apesar de ser um filme com pouco financiamento, a obra, e a história em geral, não deixa nada a desejar. O roteiro é composto por um humor sarcástico e inteligente, apostando em situações cômicas que acontecem no cenário de produção de um filme independente.
O Cinema Brasileiro nos Anos de Ditadura Militar
Conseguimos conversar um pouco com Belmonte e tentar entender sua paixão cinematográfica e o quanto foi difícil fazer com que o filme chegasse às telonas.
Ele nos conta que a foi prazeroso ter uma parceria e uma equipe dedicada ao processo, mas que tudo levou tempo e cuidado, e que agora com a estreia vivencia uma espécie de “luto”; “É claro que a felicidade de furar a bolha da distribuição é gigantesca, mas é esquisito não ter mais obrigações diárias com esse projeto que ocupou grande parte do meu tempo nos últimos anos”, conta Daniel.
Sendo assim, mesmo com a competição desleal com os grandes filmes de Hollywood, a falta de incentivo social e econômico nas produções e o desinteresse/falta de formação cinematográfica das pessoas, os cineastas, atores, produtores e toda a equipe por de trás de uma produção, faz seu trabalho porque acredita na sua arte.
Na arte de se produzir cultura e poder transpassar pelo audiovisual emoções que os espectadores jamais sentiram. André Pellegrino e Daniel Belmonte foram os “protagonistas” de B.O., mas junto deles possui toda uma parceria tão importante quanto.
Dessa forma, ambos deram dicas a todos aqueles que querem imergir nesse universo cultural ou desejam produzir cinema, afirmando Belmonte que “o filme diz tudo. Principalmente a ideia de que é possível realizar. Afinal, cá estamos nós, com um filme independente e de baixo-orçamento em cartaz nos cinemas”.
Já Pellegrino diz diretamente aos artistas, “façam, só tem esse jeito! Fazer. Curtas Médias, Longas, Peças, Video-Arte. Se é uma necessidade, faça, custe o que custar”.
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Curiosidades
Segundo o ator e diretor, Daniel Belmonte, o filme demorou seis anos para ser planejado e realizado; “No longo e lento processo de um filme independente, cada etapa é feita de forma artesanal e cuidadosa. Desde o roteiro, passando pela filmagem e finalização, tudo leva tempo e é feito em cada detalhe”.
Criar um filme independente exige muita persistência e dedicação, sem o apoio financeiro de grandes estúdios é necessário que os produtores inovam na maneira de elaborar e dirigir o longa-metragem; “Depois de ter muitas ideias rejeitadas, eu e meus parceiros, Pedro e Bruno, chegamos à conclusão de que a única forma de conseguir produzir um filme seria criando algo que nós mesmos pudéssemos produzir. Diante disso, todo o roteiro foi pensado para custar pouco e para estar ao nosso alcance de realização” afirma Daniel.
A obra, apesar do baixo custo, fui muito bem pensada ao todo, principalmente no seu título, visto que “B.O”, nesse contexto, possui o significado de “Baixo Orçamento”; A ideia o tempo todo foi trabalhar uma estética que transformasse nossos (muitos) defeitos em linguagem. O nome BAIXO-ORÇAMENTO se tornou uma estratégia para escancarar os desafios de produzir sem dinheiro.
A experiência na filmagem foi ótima, porque a falta de grana propicia adversidades divertidas de serem contornadas. Além disso o ambiente era caseiro como um todo. Apesar do profissionalismo de todos os envolvidos, éramos um grupo de amigos com um objetivo em comum. Isso nos deixava focados, mas também abria espaço para que pudéssemos nos divertir.” diz Belmonte.
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Júlia Pestana e Vittória Burattini