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Isaiete Augusto Jabula: Um olhar reflexivo sobre a sociedade guineense

Em tempos, antes da chegada dos colonos portugueses à Guiné-Bissau, como narra a história, as mulheres guineenses detinham importantes responsabilidades sociais, políticas e religiosas, e um forte poderio econômico. Elas eram empresárias, gestoras de casas de comércio, proprietárias de terras de cultivo, etc. Eram consideradas “embaixadoras de paz”, mediadoras de conflitos políticos na região. Elas começaram a perder, paulatinamente, esse poder e essa capacidade de afirmação sociopolítica a partir do final do séc. XIX, aquando da ruptura definitiva com as sociedades africanas pelas autoridades coloniais.  

Mais tarde, as mulheres participaram, ao lado dos homens, na luta pela independência do país contra o jugo colonial e na edificação do estado de direito democrático, como combatentes e ativistas políticas, candidatas às eleições gerais, ocupando posições de destaque.

Com este breve contexto, quero relembrar que a situação da mulher guineense não foi sempre assim, como hoje. Os direitos hoje chamados a favor delas, outrora eram naturais, já passaram por fase de empoderamento. 

Hoje, vivemos numa sociedade em que a mulher é relegada para o segundo plano, as suas competências não são respeitadas e nem valorizadas, o suficiente. As barreiras socioculturais, acrescidas ao modo educacional, incentivam a desigualdade de gênero, causando baixa autoestima nas mulheres, impedindo-as de assumirem papéis de liderança a nível comunitário e político. Esta posição de subalternidade traduz-se no conceito de resignação – mindjer ta sufri ou casamento i sufrimentu –, ou seja, a mulher que adota a resignação como comportamento tende a usufruir de “um bom casamento” e a ter filhos abençoados e prodígios.  Isto porque a sociedade tradicional determina o casamento como o “lugar que leva a mulher ao sucesso”, por isso as meninas precisam adquirir serventias domésticas para administrarem melhor o “seu lar”, quando forem adultas e os meninos trabalhos remuneratórios sustentáveis para assumirem papel de provedor quando forem adultos.  

Conheça Isaiete Augusto e confira uma breve reflexão sobre a sociedade guineense.

Isaiete Augusto
Isaiete Augusto Jabula. | Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal

A importância de falarmos sobre empoderamento

O empoderamento, tal como a igualdade de gnero, é uma questão de justiça social, política e econômica, uma questão do desenvolvimento. O empoderamento, tanto de homem como de mulher, beneficia a sociedade no seu todo. Falar da importância e da necessidade do empoderamento da mulher, caso concreto, é despertar a consciência social sobre as potencialidades humanas e/ou técnicas da mulher, as conquistas e os ganhos que possam advir da sua liderança. Conquistas e ganhos esses que beneficiem toda a sociedade. Falar do empoderamento feminino é também uma forma de elevar a autoestima da mulher, de incentivá-la a participar nas tomadas de decisões e a assumir a liderança. 

Empoderamento feminino é um conceito que surgiu por volta do século XIX e mais tarde tornou-se num movimento político, social e filosófico, que promove os valores e as capacidades técnicas e humanas da mulher. Como porção do feminismo, o empoderamento feminino defende direitos iguais entre pessoas de sexo opostos e acredita na contribuição da mulher para o desenvolvimento socioeconómico e político de qualquer sociedade. 

Entrevista com Isaiete Augusto Jabula 

1. Será que todo mundo sabe do que se trata o Empoderamento Feminino?

Eu acho que não. No meu entender, pouca gente sabe a essência do empoderamento feminino. Em várias discussões tidas, com diferentes pessoas, já ouvi inúmeras vezes pessoas estudadas a fazerem confusões entre o empoderamento feminino, igualdade de género e igualdade entre homens e mulheres.  Muita gente ainda continua a crer que quando falamos da igualdade de género, estamos a querer dizer que as mulheres têm de passar a realizar as mesmas atividades que homens, e vice-versa. Quando alguém vem com estes argumentos, a minha pergunta para a pessoa logo é: “tu, ser do sexo masculino como o fulano X, acha capaz de exercer as mesmas atividades fisicamente que ele? Consegue lavrar manualmente a terra da mesma forma que o camponês X? Consegue levantar o mesmo peso que o bicampeão mundial Lasha Talakhadze?” A partir daí a pessoa começa a justificar os porquês. Eu concluo, argumentando que mesmo os homens em si não têm a mesma habilidade ou força física para realizarem as mesmas tarefas. Por que tem de ser as mulheres a fazerem isso? Ainda, procuro pedagogicamente explicar que a igualdade de gênero requer a igualdade de oportunidades entre meninos e meninas ou homens e mulheres, e é uma questão que beneficia ambos os sexos, não apenas mulheres, como geralmente se julga.  Que independentemente de sexo, permitamos os indivíduos seguirem suas vocações sem limitações.    

2. O que pensa quando falamos em “Empoderamento Feminino”?

Na minha perceção, quando falamos do empoderamento feminino, estamos falando da capacidade que a mulher tem de fazer escolhas, tomar decisões conscientes sobre problemas sociais, culturais, políticos ou económicos, que lhe afetam. Porém, para que ganhe essa consciência e capacidade, ela precisa ser apetrechada de ferramentas capazes de oferecê-la uma visão geral sobre a sociedade em que se insere e o mundo, e do seu papel enquanto ser social e, o mais importante agente, de socialização.

Isaiete Augusto
Isaiete Augusto Jabula fala sobre empoderamento feminino. | Foto: Reprodução/ Acervo Pessoal

3. Na sua trajetória até aqui, alcançou conquistas que antes nem faziam parte dos seus planos? Foi preciso se reinventar?

Foi preciso um diagnóstico mais profundo sobre mim, para melhor me compreender. Uma espécie de autoavaliação, procurando compreender os meus pontos fortes e fracos, as oportunidades e os riscos que me rodeiam. Eu sou uma pessoa de fixar objetivos e metas, mesmo que não venha a atingi-los, rigorosamente. Gosto de sublinhar que quando os nossos objetivos são tão claros para nós quanto para os outros, atingi-los nunca se torna uma tarefa difícil. Eu, mesmo que não estejam escritos em lugar nenhum, tenho planos sempre bem claros e definidos, para cada passo que eu vou dando ou cada etapa da minha vida.  

4. Quais são as principais dificuldades enfrentadas no dia a dia, sejam no campo pessoal ou no profissional?

Como qualquer ser humano, deparo-me com inúmeras dificuldades. Aliás, dificuldades nunca deixam de existir nas nossas vidas. Estando ciente disso, para não estar a me chatear sempre, procuro conviver saudavelmente com elas, as dificuldades que vão surgindo ao longo do meu percurso. No campo pessoal, as barreiras impostas às mulheres em nome da tradição ou cultura sempre limitou e ainda limita, mesmo que seja em menor proporção, o meu crescimento como ser humano e como mulher profissional ambiciosa. Tal como em muitas sociedades, a sociedade guineense limita papéis e espaços para homens e para mulheres. Atrever ultrapassar essas barreiras ou desafiar esses padrões definidos, custa sempre um preço muito elevado. Estas mesmas barreiras, associadas às outras, encontram-se no campo profissional. Enquanto mulher no meio profissional, continuo a ser vista, aos olhos, sobretudo de gente da minha comunidade sociocultural, como mulher: o ser frágil, mas ao mesmo tempo forte, resistente e resiliente; como cuidadora do lar e dos seres que lá habitam, etc. Enfim, toda a construção social à volta dos papéis de gênero, quais fomos/somos incutidos na família, é transferida para a esfera profissional. Conseguindo chegar onde cheguei, a minha sociedade espera de mim uma excelente profissional e uma ótima mãe, que nunca falha, enquanto profissional e enquanto dona do lar. Dos seres do sexo masculino, espera-se o quê? As mesmas exigências? Claro que não!

Para estar onde estou hoje e chegar onde almejo um dia chegar, passei e ainda vou passar por muitas provas, muitas dificuldades e algumas superações, estou bem ciente disso. Porém este processo e caminhada que estou a fazer não é apenas por mim. É também para centenas de mulheres que passam pelas mesmas situações que eu: vindas de sociedade patriarcal e machista; de família com fracos recursos financeiros e econômicos; mães casadas ou solteiras, etc. Mulheres com imensos sonhos, mas inseguras e com medos de falhar ou de ir contra os padrões sociais. Eu sei que muitas jovens veem em mim a força e a determinação que precisam. Eu sei disso, pelos feedbacks que venho recebendo há anos. Por este grupo, vou fazendo, mesmo que não sejam grandes feitos; vou desconstruindo estereótipos e discursos de gênero que dificultam efetivamente o empoderamento de mulheres. 

Voltando aos desafios no campo profissional, atualmente deparo-me com inúmeras dificuldades e obstáculos, desde a questão financeira, que me limita a prosseguir, como gostava, a carreira acadêmica. O mais gritante dos desafios é a maternidade, a responsabilidade social que me cabe de ser uma boa mãe (tenho dois filhos menores de idade: uma menina e um menino). Quero poder acompanhar de perto a educação e o crescimento dos meus filhos, ao mesmo tempo, e sonho com uma carreira profissional de sucesso. Doravante, implicará abrir a mão de um desses sonhos ou procurar equilibrá-los, fazendo tudo pela metade. 

5. Você, Isaiete Augusto, acredita que um dia teremos a igualdade de gêneros em todos os aspectos sociais e econômicos?

O relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD 2019 sublinha que seriam necessários 202 anos para corrigir as disparidades de gênero ao nível das oportunidades econômicas. Eu acredito que seja a verdade. Acredito que um dia, uma década, umas centenas de anos, teremos a igualdade em quase todas as áreas sociais. É um processo. Um processo moroso que implica grande investimento na educação, tanto informal como formal, e sensibilização.

Todos os atores sociais devem ser incluídos e devem participar neste processo. As mulheres, enquanto principais agentes de reprodução e de socialização na família, nas creches ou jardins de infância, lugares onde a personalidade e o caráter de crianças são construídos e moldados, nas escolas, rituais de iniciação, etc, têm um papel fundamental na (des)construção de narrativas sobre gênero.  No entanto, como eu dizia, a mudança exige tempo e investimento. Se nos países mais desenvolvidos do mundo, com elevado nível de ensino/educação, que trabalham na educação, sensibilização e consciencialização da população há centenas de anos, sobre a importância da igualdade de gênero, verificam-se ainda, em grande escala, as desigualdades de gênero, então imagine países com nível baixo de escolarização da população, que introduziram esta temática na sua agenda há menos de 3 décadas!  Infelizmente, temos ainda muito caminho a percorrer para chegarmos a uma sociedade em que homens e mulheres possam usufruir dos mesmos direitos.

Isaiete Augusto
Isaiete Augusto Jabula fala sobre a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. | Foto: Reprodução/ Acervo Pessoal

6. O que é preciso para as mulheres ingressarem em maior volume no mercado de trabalho para ocupar mais cargos de poder?

Maior e melhor investimento na educação e formação de pessoas. Uma educação que ofereça ferramentas para a reflexão.  Digo que não basta sabermos ler e escrever bem, sem termos uma capacidade analítica, de interpretação dos fatos. Na Guiné-Bissau, infelizmente, o nosso sistema educativo não treina as pessoas a pensar, a refletir e a fundamentar. É preciso uma educação capaz de formar mentalidades. 

7. Por que ainda temos tanta desigualdade de gênero em Guiné-Bissau e no mundo?

Continuamos a viver numa sociedade patriarcal, em que indivíduos de sexo masculino exercem um forte poder, em todos os níveis e domínios suportados pelas instituições como: Estado, religiões e cultura/tradição. Esta sociedade é uma construção de milhares de anos, na qual se reina o machismo, comportamento de quem recusa igualdade de direitos e deveres entre ser do sexo masculino e do sexo feminino, que acredita na supremacia de homens sobre as mulheres. Sendo o machismo uma prática secular, continua ainda difícil a sua desconstrução. No caso da Guiné-Bissau, a situação parece pior, comparado com outras comunidades, por exemplo ocidentais, quais não têm grande variedade cultural. Na Guiné-Bissau, além das limitações 

8. Quais são suas maiores inspirações nesse universo feminino, Isaiete Augusto?

As minhas maiores inspirações são e continuam a ser a minha avó materna (falecida), a minha mãe, minhas tias, muita gente do meu círculo familiar. Também são muitas outras mulheres feministas, destaco: a Chimamanda Ngozi Adichie, a Joacine Katar Moreira, a Nelvina Barreto, a Filomena Mascarenhas Tipote, a nossa fantástica artista e empreendedora Dina Adão, etc. Tenho uma lista infindável de mulheres que me inspiram e muitas delas jovens que eu admiro pelo caráter, pela convicção, garra e determinação.

9. O que você pode fazer no dia a dia para contribuir com uma sociedade mais igualitária?

Consciencializar, pedagogicamente, sobre a importância da promoção da igualdade de gênero, educar para a igualdade de gênero. Para mim, falar disso todos os dias é uma forma de desconstruir, mesmo que paulatinamente, os estereótipos de gênero e de normalizar que homens e mulheres têm direitos iguais, por isso merecem oportunidades iguais.

10. Ações para incentivar o empoderamento feminino ao seu redor?

Promoções de ações contínuas de diálogos e debates nas comunidades, por meio de seminários, palestras, tertúlias, djumbais, nas escolas e igrejas, nos órgãos de comunicação, nas redes sociais, associações de base, nos mercados ou feiras populares, etc., em todos os locais onde indivíduos se encontram / aglomeram para evento ou atividade.

Empoderamento Feminino
Isaiete Augusto acredita na importância de falarmos sobre o empoderamento femino. | Foto: Reprodução/ Acervo Pessoal

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Por Benazira Djoco – Fala! UNIESP PB 

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