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A invisibilidade do feminismo negro na sociedade contemporânea

A mulher negra representa a antítese de uma supremacia branca e patriarcal. O movimento feminista teve três ondas.

A primeira delas foi por volta dos anos de 1920, e teve como objetivo a conquista do voto das mulheres e o direito de trabalhar. A segunda, por volta de 1970, foi para a valorização do trabalho da mulher e exaltava a liberdade de seus corpos.

Somente a terceira onda, que ocorreu por volta 1990, enxergou que o feminismo negro era invisibilizado e reconheceu que o discurso universal do feminismo era excludente, pois as mulheres são oprimidas de jeitos diferentes diante de suas especificidade, e mostrou a necessidade de discutir gênero com cortes de classe e raça.

Então, as mulheres negras começaram a se reconhecer no feminismo a partir do lll encontro feminista latino-americano, que ocorreu em 1985, e, desde então, grupos feministas negros como Geledés, Crioulas e Fala Preta foram criados. 

feminismo negro
Primórdios do feminismo negro, nos Estados Unidos. | Foto: Reprodução.

Na série da Netflix, Coisa Mais Linda, retratada na época de 1950, ficam claras as diferentes visões que uma mulher branca e uma mulher negra recebem diante do feminismo da época. A personagem negra, Adélia, é sempre vista como empregada, desumanizada, feita para o serviço pesado. Enquanto a personagem branca, Malu, teve que abandonar os privilégios da sua vida classe média para ter o seu próprio trabalho e sempre ganhou a visão de dama, mulher desejável.

Depois do período da escravidão, os escravos negros foram largados sem nenhum auxílio, o que formou as periferias que, em sua maioria, são habitadas por pessoas negras.

Portanto, o esteriótipo de funcionário negro vem de um histórico racista, que escravizou pessoas de pele preta e não se preocupou com o destino delas, simplesmente as abandonando. As mulheres, por sua vez, adquiriram o perfil de empregadas domésticas, pois elas serviam às pessoas brancas, tal como quando eram escravas, e até hoje existe esse perfil.

O feminismo branco busca a valorização da mulher como mulher, já o feminismo negro busca a valorização da mulher negra como ser humano, pois desde o começo da escravidão, mulheres pretas são desumanizadas, sexualizadas e objetificadas, tratadas como algo que os senhores de engenho poderiam se divertir.

Por mais de três séculos a escravidão foi presente no Brasil e as figuras femininas pretas sempre foram discriminadas e invisíveis, enquanto as brancas, tratadas como algo a ser intocável, protegido. Porém, desde 1851, a ex-escrava que se tornou oradora, Sojourner Truth, denunciava esse fato, com o seu famoso discurso intitulado e “Eu não sou uma mulher?” no qual ela dizia:

Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregá-las quando atravessam um lamaçal, e elas devem sempre ocupar os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E eu não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros, e homem nenhum conseguiu me superar! E eu não sou uma mulher? Consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem – quando tinha o que comer – e aguentei a chicotadas! Não sou eu uma mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E eu não sou uma mulher?

De acordo com o atlas da violência de 2019, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) das mulheres vítimas de violência do último ano, 66% eram negras. Mas por que isso acontece? Desde os primórdios, o branco sempre esteve acima na hierarquia de poder, e o racismo é um sistema de opressão que visa negar direitos a um grupo, e que cria uma ideologia de opressão a ele.

Mulheres são ainda mais oprimidas pelo status social que elas carregam e pela imagem de submissão atribuída a elas. Quando isso se atrela ao racismo, isso gera uma máscara que silencia mulheres negras e as coloca nos lugares subordinadas, põe-nas em um lugar onde elas não têm direito de fala, onde ela não tem voz. Por essas razões, o feminismo negro é tão importante para mostrar que a máscara tem que ser tirada, que corpos negros vão muito além de curvas, carregam história e merecem respeito, merecem humanidade.

Além da desumanização, corpos de mulheres negras são objetificados e sexualizados, como se servissem apenas para satisfazer homens, tratados como mercadorias, atribuídos ao sexo, sendo vistos como patrimônio público para abuso e assédio sexual.

Pensar feminismo negro também é pensar descolonização. Em seu artigo científico, ‘A contribuição do feminismo negro para pensar descolonialidades’, Sian Carlos Alegre, mestre interdisciplinar em ciências humanas, aborda o aspecto em que a universalização do que é ser mulher e exclui as especificidades das mulheres negra, e quando se tem contato com o essas pessoas, é possível identificar a atuação de um sistema moderno-colonial que desumaniza mulheres pretas, portanto, é fundamental que a desenvoltura dessas teorias atuem diretamente na descolonização de um sistema eurocêntrico.

Djamila Ribeiro
Djamila Ribeiro. | Foto: Reprodução.

Por isso, de acordo com a filósofa e jornalista Djamila Ribeiro, pensar feminismos negros é pensar projetos democráticos, pois enquanto as vozes de pessoas que foram caladas durante séculos de uma cultura escravocrata não forem ouvidas, a humanidade não saberá como prosseguir em respeito e cooperação com o outro.

Em seu livro Quem tem medo do feminismo negro? ela cita o seguinte: “Pensar a interssecionalidade é perceber que não pode haver primazia de uma pressão sobre as outras e que é preciso romper com a estrutura é pensar que raça classe e gênero não podem ser categorias pensadas de forma isolada porque são indissociáveis”. Em seu artigo científico ‘Feminismo negro para um novo marco civilizatório’, ela afirma: 

O artigo discute a importância do feminismo negro para o debate político atual. Mostra como a ausência de um olhar étnico-racial no movimento feminista tem invisibilizado as mulheres negras e suas lutas, obstaculizando assim o caminho de se tornarem sujeitos políticos. Desta maneira, destaca a contribuição teórico-analítica de feministas negras, que coloca em evidência a combinação das opressões – de raça, classe e outras formas de discriminação – e seu funcionamento concreto na vida das mulheres negras. Para a autora, um olhar crítico e interseccional poderá apontar para novas formas de compreensão e existência política que rompa com a invisibilidade da realidade das mulheres negra

“A mulher branca é a cavalaria do patriarcado”, segundo Mona Eltahawy.

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Por Camile Barros – Fala! UFPE

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