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Vida e obra de Joaquim Nabuco, líder abolicionista

Joaquim Nabuco (1849-1910) era filho de um aristocrata eminente na conjuntura da política imperial do Segundo Reinado. Obviamente, ele percorreu o caminho clássico e tradicional dos filhos da elite de seu tempo. Estudou Direito na cidade de São Paulo. Com apenas 18 anos, fundou “A Tribuna Liberal”. Em 1869, acabou migrando para a Faculdade de Direito de Recife. Posteriormente, trabalhou como diplomata em Washington e Londres. Com a morte de seu pai, Nabuco de Araújo, Joaquim Nabuco retornou para o Brasil e ingressou definitivamente na carreira política. 

Ademais, passou a atuar como advogado. Em sua carreira como político, ficou famoso pela luta contra a escravidão e pelo seu envolvimento com o movimento abolicionista. “Sua passagem pelo parlamento foi de curta duração, mas seus escritos, palestras e discursos públicos tornaram-se referências na história intelectual brasileira” (BIGNOTTO, 2020, p. 34). As obras clássicas de Nabuco são Minha formação, A abolição (1883) e Um estadista do Império (1899). O último livro, cujo conteúdo primordial consiste na biografia de Nabuco de Araújo,  é tido como uma importante fonte de informações históricas e explicações acerca da dinâmica governamental do Segundo Reinado.

Em termos sintéticos, o pensamento de Nabuco pode ser inserido na categoria do chamado “conservadorismo liberal”, descrito propriamente na obra de José Guilherme Merquior. Segundo muitos pensadores e historiadores, as teses centrais de Joaquim Nabuco consistem na defesa da monarquia constitucional federativa, na luta contra a escravidão e na afeição ao constitucionalismo liberal. Importante ressaltar que o pensador abolicionista foi um crítico ferrenho do regime republicano brasileiro instaurado com a queda do Império. 

Para Nabuco, a Proclamação da República representou um grave empecilho para o desenvolvimento do Brasil , não pelo regime em si, mas porque tal regime não nasceu de um projeto sólido, genuíno, fundamentado em princípios, mas de uma mera reação, ou melhor, retaliação da elite agrária contra a monarquia em razão da vitória da campanha abolicionista. Nesse sentido, a nação não estava preparada para a República. Nas palavras do próprio autor:

De fato a República, moralmente falando, só tem perdido terreno desde 15 de novembro. Não se verificou somente que o país não estava preparado para ela, mas também, o que é talvez pior, que ela não estava preparada para o governo. Diz-se que ela não tinha homens, é um perfeito engano; ela tinha a seu serviço, além de uma brilhante mocidade para secundá-los, dez vezes mais homens de alto mérito do que era preciso para organizar-se democraticamente em todo o país. O que ela não tinha era princípios.

Destarte, Joaquim Nabuco compreendia que a nação não estava apta para um regime republicano, sobretudo pelas limitações da realidade social vigente no Brasil. Por certo, as reflexões por ele estabelecidas contribuem para um esclarecimento acerca das contingências e fragilidades da democracia republicana contemporânea, caracterizada pelas desigualdades sociais e pela precariedade na busca por uma igualdade material.

Joaquim Nabuco, grande líder abolicionista brasileiro.
Joaquim Nabuco, grande líder abolicionista brasileiro. | Foto: Reprodução.

Joaquim Nabuco: lembranças e lições do abolicionismo

“Acabar com a escravidão não nos basta. É preciso acabar com a obra da escravidão”, disse Joaquim Nabuco, um dos maiores nomes da história do pensamento social brasileiro, bem como um dos representantes mais célebres do movimento abolicionista do século XIX. Nesse sentido, a escravidão, para Nabuco, não era tão somente um sistema econômico, isto é, uma forma de organização da produção, mas o “próprio sangue do Brasil”, um fato determinante na estruturação holística da sociedade, a sistematização da imoralidade. 

Desse modo, a abolição da escravatura não era suficiente para eliminar totalmente os vestígios, ou melhor, a herança deixada por ela. Infelizmente, a sociedade brasileira convive com os resquícios nefastos da barbárie do passado escravocrata, os quais se manifestam primordialmente no racismo e nas desigualdades raciais. Além disso, a desvalorização do trabalho manual e a ausência de uma ética social do trabalho também encontram suas origens na história escravagista.

Numa primeira análise, é preciso frisar a compreensão da escravidão enquanto uma “instituição total”. Nas palavras do próprio Joaquim Nabuco: “a escravidão seria uma herança colonial que adquiriu o caráter de sistema social, estruturadora de todas as instituições, costumes e práticas (…) presente em todas as esferas da vida pública e capaz de resistir à sua extinção por meio da promulgação de uma lei”. Sendo assim, a luta contra os vestígios da barbárie dessa “instituição social holística” exigiria uma luta árdua, que perduraria por anos. 

Diante disso, muitos abolicionistas eram categóricos na afirmação segundo a qual o exercício público da moralidade e das virtudes cívicas era impossível num ambiente de dominação arbitrária e ilegítima de um homem sobre outro. Ademais, numa sociedade escravista, a violência física representava o cotidiano, o padrão da vida em sociedade.

Portanto, o racismo, o qual se manifesta, sobretudo, nas desigualdades raciais nas regiões urbanas e nas práticas discriminatórias, deve ser enxergado como herança imoral da obra da escravidão. Importante ressaltar que a campanha abolicionista, no contexto do século XIX, era liderada, primordialmente, por pensadores liberais, conservadores e cristãos. Nesse sentido, as crescentes demandas pela igualdade estiveram no seio dos desejos de muitos grupos e partidos políticos associados à tradição de defesa das liberdades individuais e dos direitos fundamentais relacionados à propriedade privada e à liberdade econômica. 

Ademais, autores liberais da época, como o famigerado André Rebouças, compreendiam a reforma agrária enquanto um mecanismo poderoso no processo de superação da herança da obra escravocrata. Desse modo, o próprio Rebouças enxergava na “democracia rural” um instrumento de modernização econômica. Em vista disso, é importante ressaltar que, para muitos filósofos associados ao liberalismo, a reforma agrária representa um arranjo racional de base capitalista, visando a promoção da universalização do direito da propriedade particular.

Em virtude do que foi apresentado, é preciso frisar, de forma categórica, que o racismo é um mal a ser combatido. Por certo, a herança da escravidão ainda não foi superada, pois seus vestígios permeiam a realidade social, sufocando, assim, os princípios elementares da justiça e da dignidade humana. Nesse sentido, a luta contra as desigualdades raciais não deve ser compreendida como uma pauta exclusiva de uma ideologia política, mas sim um objetivo comunitário em prol do bem comum, lembrando que,  no século XIX, as demandas abolicionistas eram, em sua maioria, oriundas de pensadores associados ao conservadorismo e ao liberalismo.

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Por Leonardo Leite – Reaviva Mack – Universidade Presbiteriana Mackenzie

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