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Símbolo de força: relembre o pódio olímpico mais icônico da história

O palco era a Cidade do México. Após a prova de atletismo de 200 metros rasos nos Jogos Olímpicos de 1968, a música estadunidense que ecoava pelo grandioso Estádio Olímpico Universitário era um mero detalhe diante da atitude dos medalhistas. O protesto silencioso do primeiro colocado, Tommie Smith, e do terceiro, John Carlos, falou mais alto do que muitos discursos.

pódio olímpico mais icônico da história
Momento em que os atletas protestaram durante o hino nacional estadunidense. | Foto: Rich Clarkson & Associates.

A icônica manifestação em silêncio dos norte-americanos foi meticulosamente pensada e possui vários detalhes que carregam alguma simbologia consigo. Os punhos cerrados, gesto característico dos panteras negras, grupo que lutava contra a segregação racial nos Estados Unidos, representam o poder negro e se tornaram atemporais. A utilização proposital de calças mais curtas e a retirada dos calçados simbolizam a pobreza da população negra, além das cabeças cabisbaixas, representando a fé.

Iniciais do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos eram estampados em um adesivo branco no peito dos atletas, até mesmo no australiano e segundo colocado, Peter Norman, que apoiou o protesto, idealizou o uso dos adesivos e auxiliou na ideia de que ambos os americanos dividissem o par de luvas pretas, visto que John Carlos esquecera as suas.

O medalhista de ouro alegou ao canal de televisão CBS, em 2019, que o objetivo era fazer uma afirmação, sem usar uma única palavra. A partir de então, uma ambiguidade na interpretação do manifesto foi instaurada.

O grito silencioso de um povo 

Para entender um pouco mais da motivação e da importância do posicionamento dos atletas, é necessário compreender o contexto do momento ali vivido.

A década de 60 foi um momento de efervescência dos movimentos sociais, principalmente em 1968, ano marcado pelas Olimpíadas e por reinvindicações ao redor do mundo, como As Revoltas de Maio, na França, a Passeata dos 100 mil contra a Ditadura Militar, no Brasil, e os protestos contra a Guerra do Vietnã, nos EUA, que, por sua vez, teve maior comoção e alvoroço com uma tragédia: o assassinato de Martin Luther King Jr.

Martin Luther King
Martin Luther King Jr. tinha o sonho de ver seus filhos sendo julgados pelo caráter, e não pela cor da pele. | Foto: Reprodução.

O ex-pastor e ativista negro foi assassinado após fazer um discurso em 4 de abril daquele ano. Ele lutava pela igualdade racial, e sempre pregou a manifestação pacífica contra as injustiças, não à toa recebeu o prêmio Nobel da Paz, em 1964.

Anos antes, mais precisamente em 1965, Malcom X, outro ativista negro, também havia sido assassinado. A perda de referências como essas, somada ao preconceito exponencial e constante brutalidade policial, fez com que a comunidade negra, representada pelos Panteras Negras, esfervilhasse ainda mais na busca por seus direitos civis e, a partir de então, o Black Power foi ganhando notoriedade e força.  

Aos olhos do povo negro, os corajosos medalhistas eram heróis, fato que não se pode dizer o mesmo no que se refere à opinião das autoridades que regem os eventos esportivos.

A represália das entidades esportivas 

O COI (Comitê Olímpico Internacional) proíbe manifestações políticas nos jogos, o que culminou na expulsão da Vila Olímpica de ambos os atletas naquela ocasião. Além dos difíceis momentos financeiros subsequentes ao voltar para sua terra natal, as alegações de que os homens eram “radicais e perigosos” foi uma das mais ouvidas por Smith e Carlos ao procurar emprego, ocasionando em um enorme ostracismo vivenciado pelos medalhistas. Em depoimento à CBS, Smith alega que recorreu à lavagem de carros para conseguir sobreviver e chegou a morar na rua por determinado período. Os estadunidenses tentaram uma reviravolta no futebol americano, mas sem muito sucesso.

Tal represália sofrida pela dupla foi semelhante a que Peter Norman sofreu ao voltar para Austrália. O vice-campeão também não conseguiu ser empregado e foi esquecido pela seleção olímpica. Sua única chance de salvação ocorreu anos depois. Para que ele tivesse a oportunidade de participar da organização dos Jogos Olímpicos de 2000, em Sydney, o ex-velocista deveria condenar a atitude dos velozes americanos. Norman se recusou e continuou sendo esquecido pelas organizações esportivas. Ele faleceu em 2006, após um ataque cardíaco, e os atletas dos EUA, protagonistas no protesto, fizeram questão de carregar o caixão do segundo colocado.

Anos mais tarde, o ostracismo transformou-se em reconhecimento. Além dos títulos de PhD honorários pela luta humanitária em 2005, a Universidade de São José, local onde Smith e Carlos estudaram, homenageou os ex-alunos com uma estátua no campus da Faculdade. O museu Nacional da História e Cultura Afro-americana fez o mesmo naquele ano, com outra estátua, mas, desta vez, com os três medalhistas. A dupla também foi integrada ao Hall da Fama do Atletismo Nacional, juntamente ao reconhecimento na Casa Branca em 2016, após discurso do então presidente Barack Obama.

Hoje, Smith ensina atletismo e é professor de sociologia em uma Universidade, enquanto Carlos é conselheiro e técnico de atletismo em uma escola na Califórnia.

pódio olímpico icônico
John Carlos e Tommie Smith respectivamente em frente à homenagem. | Foto: Tony Avelar, AP.

Atitudes semelhantes a essa da década de 60 ocorrem hoje com os atletas nas mais diversas modalidades. De Lewis Hamilton a Lebron James, o posicionamento contra a constante e incessante discriminação racial é presente nas falas poderosas dos esportistas.

Outro que sofreu com isso há algum tempo foi Colin Kaepernick, no futebol americano. Ele se ajoelhou durante o hino nacional dos EUA em protesto à violência da abordagem policial aos negros. Por fim, o quarterback também foi boicotado pela Liga Americana e atualmente está sem clube.

antirracista
Eric Reid, à esquerda, e Colin Kaepernick, à direita, protestando durante o hino dos EUA em 2016. | Foto: Mike McCarn, AP.

O espaço que Smith e Carlos abriu para outros atletas se posicionarem foi único. Sua manifestação pacífica e silenciosa, assim como Martin Luther King Jr. queria, incomodou mais do que qualquer grito por justiça. 

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Por Matheus Ribeiro de Souza e Silva – Fala! Cásper

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