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Opinião – Servidão Moderna: A cosmovisão materialista em prol da servidão voluntária

Um dos grandes mestres da distopia, Aldous Huxley, escreveu acerca dos perigos da possibilidade de uma servidão potencialmente hostil, cuja essência seria a submissão passiva dos oprimidos com a tirania dos líderes. Nesse sentido, o escritor supramencionado escreveu: “Um estado totalitário realmente eficiente seria aquele em que o todo-poderoso executivo de chefes políticos e seu exército de gestores controlam uma população de escravos, os quais não precisam ser coagidos, porque amam sua servidão”. Infelizmente, a contemporaneidade carrega consigo os traços da servidão acima mencionada, uma vez que os indivíduos não se encontram diretamente acorrentados e privados da liberdade civil, mas subservientes a um regime político-econômico opressivo. 

Diante do exposto, apesar das conquistas sociais em prol do princípio da dignidade da pessoa humana e de um ordenamento jurídico pautado em princípios morais de liberdade, a sociedade contemporânea encontra-se doente e presa aos ditames de uma mentalidade totalitária. Portanto, a despeito da vitória sobre os regimes nazifascistas do século XX, a humanidade ainda demonstra uma profunda incapacidade na promoção de um ambiente social justo e livre, pois o totalitarismo adquiriu uma nova face e apresenta como traços distintivos a reificação do homem, ou seja, sua coisificação; o predomínio de uma “razão instrumental”, bem como de um sistema econômico o qual só busca o lucro, a supervalorização do ideal de “produtividade” e, por fim, a impessoalidade. Além disso, o homem se afastou dos valores de independência, moderação, fortaleza, humildade, magnanimidade e caridade, pois almeja tão somente o sucesso próprio e a satisfação de prazeres efêmeros. 

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Entenda a cosmovisão materialista em prol da servidão voluntária. | Foto: Reprodução.

A servidão voluntária e a troca de valores

Nesse sentido, o indivíduo contemporâneo existe em prol de um ideal de primazia de sucesso financeiro, cuja realização depende de um esforço sistemático, sobretudo, de horas desgastantes em um trabalho maçante e repetitivo. Sendo assim, a ideia de produtividade a qualquer custo ganha forças e sufoca o homem, pois o afasta de outros valores, tais como: a amizade, a alegria nas pequenas coisas, a felicidade existente no desapego e a importância do amor genuíno nas relações sociais.

Enquanto os cidadãos se encontram privados de uma existência digna e plena, governos burocráticos se enriquecem com o corporativismo e as grandes empresas ascendem com o seu poderio econômico, resultado da exploração do trabalho alheio. Dessa forma, a instrumentalização do homem acaba por adquirir uma realidade substancial, pois os indivíduos se tornam meras ferramentas para a obtenção de lucro e poder político. 

Ademais, a servidão moderna favorece um individualismo exacerbado, cujo resultado é o contínuo desinteresse dos cidadãos pela esfera pública. Destarte, em meio a um cenário de egoísmo crescente, diversos setores sociais são deixados de lado pela iniciativa voluntária da sociedade e passam a ser ocupados pelo Estado, o qual apresenta uma influência cada vez maior nas instituições civis. Em vista disso, o teólogo Benjamin Wiker afirma: “Nossa preocupação com conforto material leva-nos ao longo de um caminho para a servidão, em que nós voluntariamente abraçaremos um estado servil: segurança e conforto à custa da nossa liberdade”.

Potencializadores dessa realidade

Por certo, a tecnologia e o conhecimento técnico também potencializaram as nuances da servidão moderna, pois contribuíram para a alienação do homem, cujas faculdades encontram-se presas aos ditames de uma ordem impessoal que promete muitas coisas, mas nos tira o que de melhor temos e admiramos. Ansiedade, inquietação, sedentarismo, vícios, padronização social, consumismo exacerbado e a falta de interação física são apenas algumas das inúmeras tragédias provocadas pela expansão da tecnologia e pelo potencial apocalíptico da técnica, conforme diria o filósofo alemão Hans Jonas.

Diante de uma conjuntura marcada pela valorização do aspecto material, a razão passa a ser enxergada e utilizada a partir de mecanismos cientificistas. Sob o mesmo ponto de vista, muitos filósofos da contemporaneidade chamam a nossa atual razão de “instrumental”, pois ela busca subjugar a natureza e a nossa própria interioridade em prol de ideias como progresso tecnológico, produtividade, lucro e realização financeira. Segundo o psiquiatra Carl Jung, “A despeito de nossa orgulhosa pretensão de dominar a natureza, ainda somos suas vítimas, pois não aprendemos nem a nos dominar (…) Nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é nossa ilusão maior e mais trágica”.

Em vista dos fatos mencionados, percebe-se que a servidão moderna contribuiu para um processo de desencantamento do mundo, pois os cidadãos encontram-se mergulhados em uma conjuntura hedonista e materialista, cujos elementos atenuam o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas e a alegria que há na contemplação da beleza da existência.

Portanto, enquanto os indivíduos são vistos como meros consumidores e instrumentos, a burocracia estatal e as grandes corporações crescem em poder e influência. Enfim, é preciso frisar que a realização da natureza humana vai além de sistemas econômicos e de ideologias políticas. Somente através da capacidade de “transcendência” e da valorização das virtudes genuínas, os indivíduos poderão se libertar das amarras da servidão moderna.

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Por Leonardo Leite – Reaviva Mack – Universidade Presbiteriana Mackenzie

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