quarta-feira, 24 abril, 24
HomePolíticaQueimadas na Amazônia: entenda o posicionamento do governo

Queimadas na Amazônia: entenda o posicionamento do governo

De acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), divulgados pelo UOL, este ano, o estado do Amazonas alcançou um número recorde de focos de incêndios, com 15.701 registrados, de janeiro até outubro. E, enquanto isso, as lideranças brasileiras optam por minimizar as queimadas.

Queimadas
Queimada em Rondônia/agosto de 2020. | Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real.

Isso ficou claro quando, em julho de 2018, o Inpe divulgou uma pesquisa, onde mostrava que mais de 1.000 km² da floresta amazônica tinham sido derrubados na primeira quinzena do mês, 68% a mais do que em julho de 2018. Bolsonaro acusou o instituto de divulgar informações mentirosas. Em seguida, Ricardo Galvão, presidente do Inpe, foi exonerado do cargo.

Afinal, por que o governo não dá prioridade em reforçar a fiscalização, coibir incêndios criminosos, reduzir o desmatamento e incentivar a preservação dos recursos no país? Para entender, primeiro é preciso conhecer um pouco da história.

Você conhece a relação histórica latifundiários x governo?

O estado brasileiro é historicamente influenciado de forma política pelos grandes proprietários de terras. Por isso, para compreender melhor o que está acontecendo, é necessário voltar alguns anos, ainda na época das capitanias hereditárias, quando as chamadas capitanias (grandes porções de terras) foram doadas a “capitães donatários”, que cuidavam de sua administração.

Porém, foi com a Lei de terras, em 1850, que os grandes latifúndios foram estabelecidos. A lei determinou que, a partir dali, terras só poderiam ser adquiridas por meio de compra, fossem elas de propriedade do estado, ou privadas. Então, apenas grandes proprietários e comerciantes tiveram condições de negociar.

Além do que, o Brasil, por muito tempo, foi um país predominantemente agrário. Então, o poder se concentrava nas mãos dos poucos latifundiários. Por isso, entre 1898 e 1930, durante quase toda a República Velha, aconteceu a chamada “política do café com leite”, quando latifundiários mineiros e paulistas revezaram na presidência do país.

política do café com leite
Ilustração da “política do café com leite”. | Foto: História de tudo.

Isso só teve fim com o início do governo de Getúlio Vargas, que promoveu o processo de industrialização brasileiro em seu mandato. E, como parte desse processo, em 1943, Vargas estabeleceu as leis trabalhistas. A questão é que essas leis foram aplicadas apenas para a população urbana, em uma época que a maior parte dos brasileiros trabalhavam no campo. De acordo com o IBGE, em 1940, aproximadamente 70% dos brasileiros viviam nas fazendas.

Mas essa atitude foi justificada por uma declaração do próprio Getúlio Vargas, em um discurso retratado por Boris Fausto no livro A Revolução de 1930: Historiografia e História, onde ele comentou sobre a “intocabilidade sagrada das relações sociais no campo”. Portanto, sempre ouve certa resistência para tratar de assuntos agrários no país, a questão, a todo momento, envolveu interesses políticos.

E, ainda hoje, existe uma forte influência desse grupo na política. Inclusive, a bancada ruralista, uma das mais influentes do Congresso Nacional, com 247 deputados e 40 senadores, declarou apoio ao atual Presidente da República durante as eleições.

Mas o que isso tem a ver com as queimadas na Amazônia? Para entender, é preciso conhecer as causas dos incêndios florestais.

Por que a Amazônia queima?

Existem três explicações para isso. A primeira se trata dos incêndios acidentais, que acontecem em decorrência do tempo extremamente seco, e são mais comuns em florestas menos úmidas. Já a segunda, é referente às queimadas permitidas pelo governo. Enquanto a terceira, às ações criminosas, ou seja, quando as queimadas são feitas sem o aval dos órgãos reguladores. 

É interessante ressaltar que o governo autoriza que os proprietários rurais realizem queimadas nas florestas, desde que as mesmas ocorram com avisos prévios, e tenham autorizações para isso. Essas queimadas são feitas por dois motivos, um deles é preparar a terra para novas plantações, o outro, plantar pasto para o gado comer.

queimadas na Amazônia
Área desmatada e queimada na Amazônia. | Foto: Daniel Beltra/Greenpeace.

Elas acontecem da seguinte maneira, os latifundiários desmatam a área e, em seguida, esperam secar o bastante, para que o fogo pegue de fato, o que costuma acontecer em tempos mais secos, onde não só aquela área, mas toda floresta se encontra menos úmida. Depois, ateiam fogo no local desejado.

Porém, pode acontecer de o fogo pegar também nas áreas não desmatadas e se espalhar pela floresta. Então, quando o fogo perde o controle é quase impossível detê-lo, mesmo com a ajuda de bombeiros e aparatos técnicos, que só retardam sua ação. Quando isso ocorre, a única opção é esperar pela chuva, para que ela apague as chamas por completo.

E os incêndios criminosos?

Em agosto do ano passado, após incêndios no Mato Grosso do Sul, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, sobrevoou a área e afirmou que os incêndios foram criminosos. Segundo declaração de Salles, “Existem atividades criminosas que precisam ser duramente punidas. Aqui próximo da cidade [Cuiabá] muitos focos eram claramente propositais”.

incêndios
Bombeiros controlando incêndio em Mato Grosso/26 de agosto de 2019. | Foto: Departamento de Comunicação do Governo de Mato Grosso/AFP.

No dia 10 de agosto, completou um ano do chamado “dia do fogo”. Dia que foi marcado por conta do aumento considerável dos focos de incêndios na Amazônia. O ato foi promovido por fazendeiros paraenses, com o objetivo de gerar queimadas ilegais em diferentes pontos da região. Porém, apenas 5% dos responsáveis foram punidos até hoje.

O problema é que, de acordo com dados divulgados pelo Greenpeace, essas pessoas poderiam ser facilmente rastreadas. Segundo a organização, 49,9% dos focos de calor registrados nesse dia foram em propriedades rurais cadastradas, e dos 478 imóveis identificados, pelo menos 66 tinham algum embargo prévio por crime ambiental.

Tudo se resume a dinheiro e política então?

Em 2019, durante um café da manhã, o presidente Jair Bolsonaro reforçou sua lealdade à bancada ruralista. Em suas palavras, ele e o presidente da Comissão Especial da reforma da Previdência, Marcelo Ramos, deviam lealdade a eles, que os colocaram no planalto.

Inclusive, afirmou que continuariam juntos e destacou sua indicação para ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que é fortemente ligado ao agronegócio, como uma demonstração de sua lealdade. Além disso, nomeou Tereza Cristina, líder da bancada ruralista, como ministra da Agricultura.

Recentemente, Salles se envolveu em uma polêmica ao sugerir, durante uma reunião ministerial, que o governo deveria aproveitar a atenção da imprensa voltada à pandemia do novo coronavírus para aprovar a simplificação de reformas na área do meio ambiente.

A bancada ruralista tem muita influência no congresso e ganhou ainda mais força depois do impeachment de Dilma Rousseff. Inclusive, a bancada BBB (boi, bíblia e bala), como são chamadas as bancadas ruralista, evangélica e da bala, respectivamente, foi fundamental na votação do impeachment na Câmara. Ainda, durante o governo atual, o grupo ganhou apoio e recebeu diversas concessões favoráveis.

Floresta Amazônica
Degradação da Floresta Amazônica. | Foto: Conexão Planeta.

Posicionamento do governo perante as queimadas

Os grandes proprietários de terras querem lucrar, enquanto o governo está em busca de seus interesses políticos. Então, sua aliança com os ruralistas alimenta, e muito, seu poder no congresso. Enquanto isso, mesmo com o aumento de focos de incêndio, o governo insiste em dizer que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente.

E os muitos que apoiam as propostas do governo argumentam que a economia do nosso país depende da aliança com grandes latifundiários, da exploração de terras e do agronegócio como um todo. Realmente, não seria honesto dizer que a exportação agrícola é inútil para a economia brasileira. O ponto é, será tão difícil encontrar o equilíbrio entre continuar produzindo e preservar os recursos naturais?

O Brasil é o 7º país mais desigual do mundo, de acordo com um estudo divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Destruímos a natureza para enriquecer, mas enriquecer quem? Enriquecer do que?

“Quando o último rio secar, a última árvore for cortada, e o último peixe pescado, eles vão entender, que dinheiro não se come”, a frase dita por um índio norte-americano, e utilizada pelo Greenpeace, nunca fez tanto sentido.

_________________________________
Por Bianca Sousa – Fala! Faculdade Paulista de Comunicação

ARTIGOS RECOMENDADOS