Personagens LGBTQIA+, PCD e não brancos: em uma sociedade onde a inclusão das minorias ainda é um tabu, as animações desempenham um papel importante no processo de identificação individual e representatividade
Os desenhos animados fazem parte do cotidiano de milhares de crianças. Desde gerações mais antigas para a Alpha, as animações desempenham um papel importante na expansão do imaginário infantojuvenil. Aconselhado por psicopedagogos, os desenhos dialogam com o universo infantil através da interação entre o telespectador e a história, liberando, assim, a imaginação e a sensação de identificação.
Nos últimos anos, as produtoras de desenhos animados passaram a criticar cada vez mais os padrões normativos da sociedade, através da representação de grupos que, há muitos séculos, são marginalizados. Nesse contexto, o universo fictício dos desenhos está sendo utilizado como ferramenta de diálogo e representatividade. Com o intuito de quebrar preconceitos e naturalizar o que deveria ser recebido como natural pela sociedade contemporânea, histórias inteiras com personagens LGBTQIA+, não brancos, PCD e outros grupos minoritários estão ganhando as telas e a atenção dos telespectadores.
É nesse universo que estes grupos minoritários têm se identificado, encontrado apoio, inspiração e força. A representatividade existente dentro dos desenhos animados evidencia a realidade do processo de definição de identidade. Entretanto, embora importante, ainda há discussões sobre a inserção destes personagens, pois tal representação não agrada o público adulto conservador. Por isso, nessa matéria, iremos discutir a importância da inclusão de tais histórias infantis na vida de crianças e adolescentes e os impactos positivos que essa representatividade pode causar.
Muito mais presente do que se imagina
Em outubro de 2017, a revista The Hollywood Reporter anunciou que os estúdios Disney Channel, através do seriado Andi Mack, exibiriam a primeira história de um personagem gay em uma série infantojuvenil. Tal notícia não agradou os assinantes mais conservadores. Estes que, em sua maioria, são os pais de grande parte do público do canal, anunciaram que iriam iniciar um boicote à emissora, alegando que a série poderia influenciar negativamente no crescimento dos(as) filhos(as).
No entanto, a verdade é que Andi Mack não é a primeira atração infantil a abordar a temática. Desde animações mais antigas, como Pica Pau e Bob Esponja, para animações mais recentes, como Steven Universe e Hora de Aventura, pautas como identidade de gênero, orientação sexual, questões de etnia e famílias não tradicionais são tratadas em cada episódio; às vezes de forma sútil, e em outras nem tanto.
No desenho Bob Esponja Calça Quadrada, por exemplo, a emissora Nickelodeon, confirmou, em junho do ano passado, que a famosa esponja amarela pertence à comunidade LGBTQIA+. Em 2005, o animador e criador da série, Stephen Hillenburg, já havia afirmado que Bob Esponja é assexuado. A notícia animou os fãs, que há muitos anos especularam que o protagonista e seu melhor amigo, Patrick Estrela, eram, na verdade, um casal.
Ainda, podemos observar pequenos detalhes em alguns episódios de Bob Esponja, que nos faz refletir acerca da sutil representatividade tratada no desenho. Em um episódio de 2002, por exemplo, Bob Esponja e Patrick resolvem adotar uma ostra e começam a agir como pais dela. Ao longo do episódio, notamos que alguns personagens secundários chegam a questionar como a união de uma esponja e uma estrela do mar poderia resultar em uma ostra.
A questão é que Bob Esponja não é a única animação da década de 90 que sutilmente aborda o tema. A personagem Velma, de Scooby-Doo, é lésbica. Em Os Simpsons, a Lisa é polissexual. Em Pica-Pau, a ave adorava usar vestidos e maquiagem em diversos episódios, o que gerou uma discussão na internet sobre a possibilidade de ser Drag Queen.
Representatividade em animações atuais
Em animações mais recentes, a representatividade tem se tornado menos sutil e cada vez mais visível, juntamente com a sua importância. Em The Owl House (A Casa da Coruja), animação da Disney, a protagonista possui relações tanto com personagens masculinos quanto femininos, sendo abertamente bissexual. Já em Steven Universe, as guardiãs do garoto de 12 anos, Garnet, Ametista e Pérola, foram desenhadas para representar diferentes padrões de corpo, gênero e sexualidade.
Por sua vez, em Hora de Aventura, Marceline e Princesa Jujuba são um casal de lésbicas, e também há personagens transsexuais. Em Apenas um Show, em vários capítulos, Mordecai e Rigby demonstram sensibilidade e um sentimento de inferioridade em relação às suas esposas que, em contrapartida, são retratadas como estudiosas, poderosas e maduras. Já em Doutora Brinquedos, a personagem principal é uma menina negra que sonha em ser médica, espelhando-se na profissão da mãe.
Não há dúvidas de que a inclusão de grupos minoritários faz-se presente no universo animado há décadas. Contudo, somente nos últimos anos está sendo amplamente retratado. A sociedade moderna possui o compromisso de discutir essa temática, uma vez que tais assuntos devem, cada vez mais, serem recebidos com menos tabu pela família e ciclos sociais.
A representatividade pode gerar autoestima, empoderamento, aceitação e felicidade. Não apenas desenvolve o senso crítico, as expressões comportamentais, a percepção de mundo adjunto com o respeito e a sensibilidade. Para finalizar, o famoso psicanalista alemão-americano Erik Erikson, em suas inúmeras pesquisas sobre o desenvolvimento humano como Infância e Sociedade e Identidade, Adolescência e Crise, explica que é importante para o amadurecimento psicossexual do ser humano, a possibilidade de se espelhar em vivências semelhantes ainda na infância e, assim, construir o processo de identificação com o intuito de diminuir crises de identidade que poderão ser engatilhadas na fase adulta.
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Por Milene Maeda – Colaborador Fala!