sexta-feira, 22 novembro, 24
HomePolíticaQuais as consequências da volta do Talibã no Afeganistão?

Quais as consequências da volta do Talibã no Afeganistão?

Grupo extremista, derrubado pelas tropas americanas em decorrência do atentado de 11 de setembro, retoma poder no Afeganistão após 20 anos

O grupo extremista Talibã retoma o poder do Afeganistão após 20 anos.
O grupo extremista Talibã retoma o poder do Afeganistão após 20 anos. | Foto: Reprodução/CNN Brasil.

Para abordar as consequências do Talibã assumindo o poder, é essencial entendermos o surgimento do grupo fundamentalista, seus ideais e como é financiado. Contudo, elaboramos uma linha do tempo desde os fatos históricos, diferenças entre o grupos extremistas, até conflitos, envolvimento dos EUA, países apoiadores e política local. Confira!

O que é o Talibã e sua ascensão?

O termo talibã vem do afegão, que significa “estudante buscador de conhecimento”. É um movimento fundamentalista e nacionalista islâmico, difundido no Paquistão e, sobretudo, no Afeganistão a partir de 1994 e que anos mais tarde viria governar três quartos do país, entre 1996 e 2001, cuja liderança foi reconhecida por apenas três países: Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Paquistão.

O movimento é descendente do grupo Mujahideen, combatentes islâmicos que enfrentavam a invasão da União Soviética ao Afeganistão, de 1979 à 1989. 

Veja linha do tempo dos conflitos do Afeganistão:

  • 1979 – 1989: Forças soviéticas combatem militantes unidos em aliança informal. Nesse período, o grupo Mujahideen recebe apoio financeiro e logístico dos EUA. O Afeganistão entra em uma guerra civil.
  • 1994: Surgimento do grupo fundamentalista Talibã durante a guerra civil afegã.
  • 1989 – 1996: Disputa entre grupos inimigos afegãos se torna mais grave, o que resulta na destruição da capital, Cabul, e o grupo Talibã assume o poder do país, se tornando a facção mais poderosa da época. Nesse mesmo período, Osama Bin Laden se transferiu do Sudão ao Afeganistão.
  • 11 Setembro 2001: Atentado terrorista contra o World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington, utilizando aeronaves comerciais. Ato foi confirmado pela rede terrorista Al-Qaeda, até então liderada por Osama Bin Laden. Ao todo, foram 2997 mortos e a história da segurança da aviação comercial foi completamente reformulada.
  • 07 de Outubro de 2001: O Presidente dos EUA, George W. Bush, anuncia invasão e envio das tropas americanas ao Afeganistão. Após ocorrido, o poder do Talibã é derrubado. É dada a posse ao então presidente Hamid Karzai.
  • 2003: Forças do Talibã se reagrupam no Paquistão.
  • 2004: Governo afegão, com apoio dos EUA, aprova nova constituição.
  • Janeiro 2006: De acordo com informações do serviço secreto dos EUA, Osama Bin Laden realizou transferência ao Paquistão.
  • Fevereiro 2006: Talibã ataca distritos e cerca capitais de províncias e regiões fronteiriças. A partir desse ataque, é instalado um regime rival no Afeganistão.
  • 2009: O então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, enviou 21 mil militares em março, devido ao exército Talibã ter dominado a maior parte do sul e leste do país.
  • 2011: O presidente Barack Obama anuncia a morte do líder Osama Bin Laden, por uma operação das forças americanas na região do Abbottabad, no Paquistão.
  • 2015: Talibã executa ataque decisivo nas províncias de Kunduz e Helmand. 
  • 2016: O exército do Talibã havia conquistado boa parte do território afegão, com isso, gerou impacto aos aliados do então presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani.
  • 2017: Donald Trump assume a presidência dos EUA.
  • 2020: As tropas internacionais concordam em se retirar do Afeganistão. É criado o Acordo de Doha, assinado por ambas as partes e a partir deste acordo, o Talibã se auto intitula vencedor da guerra da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). 
  • Julho 2021: O atual presidente dos EUA, Joe Biden, autoriza a partida das tropas americanas da base aérea de Bagram e entregam a base ao governo afegão.
  • Agosto de 2021: Em resposta à saída das tropas americanas, o Talibã começa a tomar distritos, capitais e províncias do Afeganistão.
  • 15 de Agosto de 2021: O Talibã toma o controle da capital Cabul, dissolvendo o governo eleito mediante eleições diretas. O presidente Ashraf Ghani renuncia ao poder e foge do país. Hoje, o grupo extremista detém todo o controle do território afegão.

​Diferenças entre grupos islâmicos

Talibã: Movimento fundamentalista islâmico que interpreta de forma conservadora e radical o sistema de leis islâmicas (Sharia) que os levaram a acusações de diversos abusos contra os direitos humanos, como, execuções públicas, proibição de TV, música, cinema e meninas maiores de dez anos, não podem frequentar a escola.

Al-Qaeda: Se inspira nos escritos de Sayyid Qutb, um pensador proveniente da Irmandade Muçulmana. O autor defendia uma revolução islâmica armada para a sobreposição de regimes não guiados pelas leis islâmicas. O grupo se apoia no Jihad (conhecida como guerra santa) para protagonizar diversos ataques terroristas contra civis, militares e instituições de diversas nações do mundo.

Estado Islâmico: Grupo que auto afirma a autoridade religiosa sobre todos os muçulmanos do mundo. Vive de acordo com a interpretação sunita da religião e sob a Sharia. Com ideologia baseada no Wahabismo, doutrina de Al-Wahhab que defendia uma interpretação do Alcorão. O EI também é acusado de abusos contra os direitos humanos. Usa a tortura, mutilações, condenações a morte e execuções públicas em pessoas que não concordam com a interpretação sunita das leis islâmicas.

Como o Talibã é financiado?

A forma na qual o Talibã conquistou domínio em território afegão foi avassaladora, porém, como e quem financia o grupo, no que diz respeito a verbas, armamentos e logística? Não há documentos ou dados comprobatórios da receita bruta do Talibã, entretanto, existem estimativas que variam de U$S 400 milhões (cerca de R$2,4 milhões) e U$S 1,6 bilhão (cerca de R$10 bilhões).

De acordo com a investigação da Rede BBC, foram analisadas possíveis fontes econômicas.

1 – Doações Internacionais

Autoridades dos Estados Unidos acusam países como Paquistão, Rússia, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar em prestar ajuda financeira ao Talibã. Os países mencionados negaram envio de recursos financeiros ao grupo.

2 – Tráfico de drogas

O Talibã também é conhecido por coordenar um esquema ilegal de tráfico de drogas. O Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo, principal substância usada para fazer heroína. Uma taxa de 10% sobre o cultivo de ópio é coletada de fazendeiros, segundo integrantes do governo afegão. Esses mesmos impostos são cobrados de laboratórios que realizam a conversão do ópio para a heroína, intensificando o contrabando de drogas ilegais.

3 – Expansão de áreas controladas

Numa carta aberta em 2018, o Talibã determinou que comerciantes pagassem taxas sobre vários bens, incluindo combustíveis e materiais de construção. Após domínio do Talibã, o grupo passou a controlar todas as principais rotas do país, controle de fronteiras e fontes de recursos em importação e exportação.

4 – Mineração

Além do ópio, o Afeganistão é rico em minerais e pedras preciosas, onde boa parte é inexplorada devido aos fortes conflitos armados. O Talibã assumiu o controle de áreas da mineração e extorquiu dinheiro de operações de mineração legais e ilegais. A indústria mineradora do Afeganistão registrou uma produção aproximada de U$S 1 bilhão por ano.

Consequências do retorno do Talibã aos Direitos das Mulheres

Entre 1996 e 2001, o exército Talibã tomou o primeiro poder do Afeganistão em decorrência da Guerra Civil que culminou na expulsão dos soviéticos em todo o território afegão. As consequências após o controle do grupo extremista gerou os conceitos mais radicais do Islã. Mulheres eram obrigadas a usar burca (com apenas os olhos à mostra), impedidas de trabalhar, estudar e apenas poderiam transitar pelas ruas acompanhadas por um homem da família. Atividades como assistir televisão, escutar músicas, acesso à arte, cultura e cinemas também eram proibidas.

Um dos exemplos mais marcantes foi o ataque terrorista contra a ativista Malala Yousafzai, que foi baleada na cabeça enquanto retornava da escola em 2012. Membros do grupo Talibã atacaram a tiros um ônibus que levava meninas para casa, em Swat, região ultraconservadora do Paquistão. Malala tinha quinze anos na época e era o alvo principal do grupo fundamentalista.

A ativista sobreviveu ao atentado, foi retirada do país, assim como sua família, e levada ao Reino Unido. Conseguiu finalizar o ensino médio em 2014 e, aos 17 anos, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Atualmente, possui diploma universitário em filosofia, política e economia pela Universidade de Oxford.

Violação contra os Direitos Humanos

O Talibã defende a implementação de leis embasadas na Sharia, que proíbe a participação de mulheres na política. Antes da invasão, considerando o início de 2021, 27% das cadeiras parlamentares nacionais eram representadas por mulheres. Meninas foram forçadas a se casar e casas de ativistas foram invadidas, o que resultou na restrição da liberdade feminina.

O porta-voz do Talibã, Suhali Shaheen, relatou em conferência no dia 16 de abril, um dia após controle do grupo em Cabul, que sob seu governo as meninas poderão estudar. “ As escolas serão abertas e as meninas e as mulheres irão para as escolas como professoras e alunas”, afirma.

Entretanto, o cenário apresentado por moradores é bem diferente. Afegãos suspeitam que o drama vivido entre 1996 e 2001 possa se repetir. Instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiram um alerta quanto à atual condição do país.

De acordo com a alta comissária da ONU, Michelle Bachelet, “há relatos de execuções sumárias e graves violações aos direitos humanos”. Após alerta, Bachelet solicitou ao Conselho de Direitos Humanos a estabelecer um mecanismo para monitorar as ações do grupo fundamentalista islâmico.

Atentado ao Aeroporto de Cabul

O atentado ocorreu no último dia 26 de agosto, no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, na capital Cabul. As explosões ocorreram perto do portão Abadia, onde a segurança é feita pelos EUA. O ataque foi assumido pelo braço afegão do Estado Islâmico, grupo extremista rival ao Talibã.

As hipóteses levam a crer que dois homens-bomba e homens armados atacaram os afegãos que se aglomeravam na entrada do aeroporto. Soldados americanos faziam a triagem aos vôos de repatriação

Em contrapartida, o porta-voz Suhali Shaheen, líder do Talibã, condenou o ato terrorista e afirmou que o grupo está “prestando atenção à segurança e proteção de seu povo”. Estima-se até o momento 180 vítimas fatais e de acordo com o Pentágono, trata-se de um atentado suicida, havendo uma explosão. O prazo para retirada total das tropas americanas expira em 31 de agosto, mas permanecem em alerta para possíveis novos ataques.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) solicitou a abertura de uma ponte aérea para viabilizar o envio de suprimentos médicos, remédios e assistência, pois o país está com baixos estoques destes suprimentos, além da crise humanitária.

________________________________________________

Por Érica Silva – Fala! Anhembi

ARTIGOS RECOMENDADOS