O machismo pode influenciar inclusive no trabalho
Foi na primeira onda do Feminismo que as mulheres começaram a lutar pela inserção na vida pública e no mercado de trabalho – mulheres brancas e de classe média alta, claro, pois as mulheres negras e pobres já trabalhavam com trabalhos oriundos da época da escravidão. Já com a primeira e a segunda guerra, as mulheres substituíram os seus maridos em ambientes insalubres de trabalho para sustentar a casa e os filhos.
Nas décadas de 60 e 70 as mulheres reivindicaram, entre outras coisas, o poder de seus próprios corpos, a maior inserção no mercado de trabalho e a equidade salarial.
Em 2021, século 21, vemos mulheres em diversas áreas, porém, na maioria das vezes, em setores mais baixos ou ganhando menos que os seus colegas (homens) de função. O que é estranho, pois, hoje, muitas mulheres estudam: só no Brasil, as mulheres têm mais estudos do que os homens, segundo o Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDG). Mas então, o que está por trás disso?
O que está por trás do machismo
Entre outros fatores, o machismo estrutural, presente no mercado de trabalho e no ambiente profissional, impede que as mulheres avancem profissionalmente, pois, por mais estudos que tenham, seu intelecto é questionado e é silenciada, roubada e, por vezes, direcionada a incumbências que não fazem parte da sua função, mas que são vistas como mais “femininas” . Ou seja, elas estão lá, mas o patriarcado as coloca em condições desfavoráveis.
Nesse artigo, veja algumas situações que, infelizmente, ainda ocorrem em ambiente profissional e, logo abaixo, de que forma a empresa ou você mesma podem lidar com essas situações.
Como o machismo afeta o ambiente profissional
Dificuldade de ascensão
Como dito anteriormente, mesmo com um currículo melhor, mulheres precisam provar com mais frequência que são merecedoras de seu cargo, recebem menos promoções e costumam receber salários desiguais mesmo ocupando a mesma função (cerca de 77% do valor do montante recebido por um homem, segundo o IBGE).
E essas barreiras na evolução da equidade salarial já começam nas grandes esferas de poder. Em abril deste ano, correu no Senado um projeto de lei que altera a CLT e obriga os empregadores a indenizarem suas funcionárias em até cinco vezes o valor previsto em contrato, caso este esteja pagando salário desigual. A PL ficou parada na Casa por dez anos antes que chegasse nas mãos do atual presidente e ser devolvida.
Mas, antes, Jair Bolsonaro alegou que o projeto de lei seria inviável pois tornaria “quase impossível” para as mulheres conseguirem emprego.
Insegurança durante a maternidade
Perguntas como “você tem filhos?”, “você pretende ter filhos?” não são feitas a homens. Isso porque ter ou não filhos não é posto em xeque na contratação de um homem. É cultural que os filhos sejam vistos como responsabilidade primordial da mãe. Dar um emprego para uma mãe é visto como inviável, pois presume-se que ela não dará conta do trabalho por conta de suas responsabilidades maternas.
De acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas, apesar do período licença-maternidade ser garantido por lei, metade das mulheres são demitidas em até dois anos após o período, justamente por reflexo dessas concepções. Por outro lado, uma licença-paternidade é algo que não costuma ser cogitado pela maioria das empresas.
Assédio Moral
Defini-se como assédio moral no trabalho qualquer situação constrangedora e humilhante imposta ao trabalhador e que atente contra a sua saúde e dignidade. Abusar da autoridade, causar constrangimento, desqualificar, agredir física ou verbalmente, discriminar, intimidar são alguns exemplos de atitudes repetitivas e prolongadas de um assediador.
Em pesquisa recente do Instituto Patrícia Galvão, 40% das mulheres disseram que já foram xingadas ou já ouviram gritos no trabalho, no entanto, apenas 18% dos homens passaram por situações assim.
Gaslighting
Considerado uma forma de assédio moral, Gaslight é um termo originado de uma peça e que se popularizou após a adaptação cinematográfica de 1944. No filme, o marido da protagonista faz de tudo para que ela duvide de sua própria sanidade e que as outras pessoas também acreditem nisso.
E é esse tipo de manipulação psicológica que pode acontecer não só em um relacionamento amoroso mas em qualquer ambiente em que reflita uma hierarquia de poder, no caso do ambiente de trabalho a hierarquia de função patrão-trabalhador soma-se à hierarquia vista no ambiente privado – as mulheres são as mais afetadas por esse fenômeno.
Colocar a culpa na funcionária, acusá-la de ter esquecido tarefas que não foram pedidas, omitir e distorcer situações são alguns exemplos de gaslighting e podem causar danos emocionais, baixa autoestima e esgotamento psicológico.
Assédio Sexual
A diferença entre assédio moral e sexual é que, na segunda, constrange-se na intenção de obter algum benefício sexual. Gestos, toques, propostas inconvenientes, chantagem de cunho sexual, forçar contato físico, mostrar fotos de nudez e fazer piadas pejorativas são alguns exemplos de situações que acontecem.
No entanto, segundo um levantamento feito pelo LinkedIn e a consultoria de inovação social Think Eva, somente 5% das mulheres recorrem ao RH das empresas em casos de assédio, enquanto quase 15% pedem demissão e 33% não fazem nada.
Isso acontece porque, muitas vezes, esses casos são negligenciados. Um exemplo são os comentários inoportunos e desrespeitosos que são aceitos socialmente apenas como “piadinhas” inocentes. Quem faz pode nem se tocar do incômodo que causa e ver como nada demais, o mesmo acontece com as “investidas” insistentes.
Interrupção – manterrupting
Mulheres são constantemente interrompidas por homens no dia a dia, seja em reuniões, avaliações de desempenho, apresentações ou palestras. Em uma pesquisa feita pela Universidade George Washington, 20 mulheres e 20 homens foram estimulados a conversar. O resultado mostrou que as mulheres são duas vezes mais interrompidas do que homens em conversas neutras, por homens e por mulheres também, que se interrompiam muito mais do que interrompiam a eles.
Explicações óbvias – Mansplaining
É o ato de explicar a fala de uma mulher para ela mesma ou para um grupo de colegas de forma mais didática, mesmo que se trate de uma área que ela domine. Esse comportamento subestima a capacidade intelectual da mulher e a infantiliza. Além disso, o mansplaining pode gerar uma apropriação de ideias.
Roubo de ideias – Bropriating
Assim como Hedy Lamarr, Rosalind Franklin e Mary Shelley, ao longo da história, muitas ideias e obras completas foram patenteadas ou noticiadas como feitos masculinos. No ambiente de trabalho, repetir a ideia com uma melhor escolha de palavras, mudar a postura e usar um tom de voz que remete à autoridade são algumas das estratégias tomadas para convencer quem ouve de sua suposta autoria.
Pressão estética por conta do machismo
Apesar de não ser considerada crime, a pressão estética direcionada à mulher também se reflete no ambiente corporativo. Por mais que cada ambiente possui um dress-code, é inegável que as exigências são maiores com as mulheres, assim como um reflexo da sociedade.
Homens gordos, mais velhos e de cabelo branco são mais bem vistos do que mulheres nesse mesmo padrão. Ainda que os ambientes de trabalho tenham se tornado mais abertos, esse ainda é considerado um requisito na contratação e permanência no trabalho.
Ser direcionada a tarefas que não fazem parte da sua função
É comum que mulheres sejam vistas como assistentes e subalternas, e então direcionadas a atividades que homens não se comprometem a fazer como “servir um cafezinho”. Geralmente, essas atividades são consideradas como mais “femininas”.
Fomos ensinadas que os homens lideram e as mulheres nutrem. Então, quando as mulheres exibem traços masculinos – você sabe, tomada de decisão, autoridade, liderança – muitas vezes não gostamos delas, enquanto homens que possuem essas mesmas características são considerados fortes, masculinos e competentes.
Jessica Bennett.
O papel da empresa com relação ao machismo
Para lidar com esses fatores, é necessário, primeiramente, que a empresa tenha uma boa cultura organizacional ou seja, tenha um conjunto de valores e crenças que promovam um ambiente seguro e agradável aos funcionários. Promover um espaço aberto ao diálogo com debates e palestras, além de um canal livre para denúncias, é essencial. A funcionária precisa sentir confiança na empresa e na sua intenção de evitar, fiscalizar e punir em situações de machismo.
Laura Guedes, profissional de talent acquisition e representante da equipe de diversidade da Skore, startup que desenvolve uma plataforma de aprendizagem focada em empresas, conta como a própria empresa promove a equidade de gênero no ambiente profissional:
A academia segue uma metodologia onde a gente primeiramente faz uma avaliação de nivelamento aonde os skoreans [funcionários da Skore] estão dentro de determinado tópico e, depois disso, fazemos uma capacitação, essa capacitação não necessariamente precisa ser um treinamento, ela pode ser uma curadoria de conteúdo que a gente bota para os skoreans consumirem, para a partir daí eles colocarem em prática. E então nós fazemos workshops, momentos de debate, todo mundo chega com as mesmas informações, a mesma fonte de conhecimento para que a gente consiga debater sobre o assunto independente de que pauta seja e então posteriormente vemos quão efetivo foi isso, fazendo aí mais uma rodada de avaliação para depois entender a próxima estratégia da academia de diversidade dentro dos próximos temas.
Laura conta que, apesar das iniciativas, a Skore ainda tem um quadro de funcionários majoritariamente masculino, somando 68% da equipe contra 32% de mulheres. A empresa tenta contornar o impasse promovendo vagas focadas exclusivamente em mulheres.
O time de engenharia é majoritariamente composto por homens e dentro das práticas de como estamos tentando reverter esse quadro inclui abrir vagas focadas em mulheres: a gente só fecha a vaga se for mulher. A gente inclusive ‘rodou’ essa tentativa na vaga de product owner. A vaga teve que ser congelada por outros motivos, mas a gente só tinha mulheres no pipe. Isso foi uma tentativa muito legal para trazer mais diversidade no time de tecnologia.
Além disso, o RH da empresa possui um canal para denúncias de assédio moral e sexual que fica aberto para denúncias públicas ou anônimas. Embora esse movimento ainda seja tímido, muitas empresas estão começando a pensar em uma cultura de RH Humanizado além da Skore, como a PepsiCo e a Sodexo, que promovem iniciativas voltadas à diversidade e à equidade de gênero.
O que fazer diante de machismo?
Em casos em que o ambiente da empresa não é seguro e acolhedor, uma alternativa é procurar ajuda jurídica. Segundo Emilleny Lázaro, advogada em Direito das Famílias e Sucessões e especialista em Direito das Mulheres, as penitências em casos de machismo dependerão da situação e da presença de provas concretas como gravações, imagens e testemunhas.
É importante entender que o machismo exterioriza práticas proibidas na legislação brasileira, mas, ele mesmo não é punível. Neste sentido, a mulher que é vítima de qualquer ato de preconceito no trabalho, baseado em concepções e ideias machistas, deve procurar produzir prova do que está acontecendo e com este conteúdo procurar orientação jurídica.
É uma advogada ou defensora pública quem poderá ajudar a enquadrar a situação da melhor forma: às vezes poderá constituir crime, noutras poderá ser uma conduta geradora de indenização por danos morais ou talvez gerar ações trabalhistas. É possível ainda que uma mesma conduta desencadeie consequências nas três esferas.
Mas como provar? Mensagens de WhatsApp, filmando, fotografando, ou gravando o áudio da conversa, sempre que possível com datas e locais; também é importante, se possível, ter testemunhas do ocorrido.
Emilleny explica que no caso do assédio sexual, por exemplo, para ser constatado como crime, é preciso que haja uma hierarquia de poder como consta no Art. 216-A do Código Penal. Em casos de assédio horizontal (de funcionário para funcionária), cabe um processo por danos morais, assim como qualquer atitude que fira a dignidade humana.
Uma mulher que toda semana é constrangida por causa das roupas que utiliza (o colega ‘elogia’ as pernas, os seios, diz que é gostosa), por exemplo, pode pedir indenização, comprovando quanto isso a constrange, a impede de trabalhar sossegada e até mesmo prejudica o rendimento.
A condenação depende sempre da análise conjunta de fatores: a conduta (se explicita, se reiterada, se agressiva), o dano (como isso repercutiu na vida profissional da mulher) e o nexo de causalidade (mostrar que existe uma ligação entre a conduta e o dano). Não existe fórmula. Cada caso é individualizado.
Explica.
Dependendo da situação de machismo, não só o agressor, mas a empresa também pode ser punida.
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Por Loara Tomaz – Fala! Universidade Federal do Tocantins