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A Representatividade Feminina no Cinema

A sociedade humana tem sido, desde o princípio, machista e patriarcal. A representação feminina nas artes não fugiria desse padrão. Vista como complemento dos personagens masculinos nas obras cinematográficas, as mulheres tentam conquistar espaço no cinema e fugir da forte sexualização feita pelos homens.

Até meados do século XX, a mulher desempenhava apenas as funções de dona de casa, esposa e mãe, e tinha sua representação como sensível e frágil. Em 1960, o movimento feminista começou a se expandir e questionar o lugar da mulher na sociedade, em âmbito sociais, econômicos e políticos, dando cada vez mais voz a essa minoria.

A teórica feminista e britânica Laura Mulvey entendia a mulher como um objeto de uma ordem falocêntrica. Os filmes do cinema Hollywoodiano influenciaram tremendamente a visão da mulher na sociedade, que inconscientemente as veem, até os dias atuais, como apenas um ser que tem a capacidade de manipulação através do visual e da sexualidade.

Theda Bara foi um nome de destaque no começo da história desta arte. Ela é tida como a primeira “mulher fatal” ainda no cinema mudo, e ficou conhecida por suas personagens sensuais com olhos pintados de preto e os seios com pequenas peças.

Entre 1930 e 1960, foram vários os filmes produzidos na cidade da fama que mostraram a mulher de uma maneira que satisfazia os olhos masculinos. Mulvey diz que o cinema é como um modo de satisfação visual. Ela explica que as produções focam em mostrar dramas e o corpo humano, o que incita os telespectadores a olharem para a tela fixamente e a reconhecerem como uma representação da realidade.

Começa-se a ser construída a relação entre a imagem que mostra a verdadeira realidade e a fictícia, inventada pelos diretores, tornando a mulher como um objeto que é apenas observado pelos homens. Ela tem funcionado basicamente de duas maneiras: como objeto erótico no filme e como objeto de contemplação fora dele.

 Marilyn Monroe é um ótimo exemplo desse papel sexual da mulher no cinema. Já em sua primeira aparição, em The River of No Return, a imagem erótica dela funciona como elemento de conexão entre o olhar da personagem masculina e do espectador, colocando-os dentro do mesmo sistema de espetáculo erótico.

A imagem feminina exibida é destacada e isolada, glamorosa e sensual/sexual. Contudo, à medida que a narrativa se desenrola, a personagem feminina se apaixona pelo protagonista, torna-se propriedade sua e consequentemente perde suas principais qualidades: a elegância e o glamour.

Nos dias atuais, um padrão de personagem que tem essa visão de uma forma diferente é a Manic Pixie Dream Girl (MPDG), que seria um perfil de uma personagem feminina meiga, com ótimo gosto musical, atrapalhada e com pequenos defeitos que a deixam mais adorável. Tudo isso por idealizações masculinas.

O termo foi criado pelo crítico de cinema Nathan Rabin após analisar a personagem de Kirsten Dunst em Elizabethtown e é descrito como: “aquela efervescente e rasa criatura cinematográfica que existe unicamente nas imaginações febris de escritores/diretores sensíveis a fim de ensinar jovens homens sentimentais depressivos a abraçar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras.” As MPDG existem, mas não tem sua própria história: estão nas obras apenas para o desenvolvimento emocional do personagem principal (masculino).

Em suas obras, Ann Kaplan, uma autora e professora que investigou a relação entre mulher e cinema, destaca mudanças no comportamento feminino e em sua representação nos filmes, principalmente os hollywoodianos contemporâneos. Ela caracteriza três tipos de mulher construídos pelo parâmetro Hollywoodiano desde os anos 1930 até a atualidade:

(1) A mulher cúmplice, que assume uma postura frágil; (2) a mulher resistente, de caráter feminista, que luta por seus direitos e realizações; (3) e a mulher pós-moderna que, tendo encontrado seu espaço no mundo, conquista a liberdade desejada e está preparada para enfrentar as questões que porventura se originem a partir de sua nova situação.

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Representatividade e o teste de Bechdel

Alice Guy foi a primeira mulher a escrever e dirigir filmes e em 1896 começou a produzi-los por conta própria. A pioneira foi inovadora na utilização de cor, sons e efeitos especiais no primeiro filme narrativo da história do cinema: La Fée Aux Choux (1896). Mesmo com uma mulher entrando tão cedo na sétima arte, a representatividade feminina, até os dias de hoje, ainda não é relevante.

Uma publicação feita pelo Geena Davis Institute on Gender in Media, a Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres e a Fundação Rockefeller demonstrou que embora as mulheres sejam metade da população do mundo, dos 5.799 personagens falantes ou nomeados na tela, 30,9% são do sexo feminino. No caso dos filmes de ação ou aventura, essa participação é ainda menor: elas são 23% dos personagens com falas. Já em relação aos protagonistas, apenas 23,3% das tramas tinham uma menina ou uma mulher no papel principal.

A San Diego State University divulgou em fevereiro de 2016 que as mulheres representaram apenas 22% dos protagonistas dos 100 filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos em 2015. A análise avaliou cerca de 2,5 mil personagens e nele os homens representaram 52% dos protagonistas, enquanto 26% dos filmes tinham elenco com vários personagens com a mesma importância.

Alison Bechdel, cartunista norte-americana, percebeu desde 1864 a participação secundária de mulheres nos filmes e então criou o Teste Bechdel para saber como as mulheres estavam sendo colocadas nas produções. O teste contém 3 avaliações:

-é necessário que o filme tenha no mínimo duas mulheres, com nomes;

-é necessário que elas conversem uma com a outra;

-é necessário que elas conversem sobre algo que não esteja relacionado a um homem.

O número de filmes aprovado nesse teste costuma ser muito pequeno. Parece uma coisa muito simples, mas que provou que as mulheres praticamente só existem no filme para complemento do protagonista masculino, e não são de relevância e muito menos personagens de vida independente.

Born Sexy Yesterday – uma má representação feminina no cinema

A pesquisadora Stacy L. Smith é coordenadora de um grupo da Universidade do Sul da Califórnia que avalia a caracterização dos personagens com fala ou nome nos 100 filmes de maior bilheteria nos EUA. No dia 5 de agosto de 2015, a eles divulgaram o “Inequality in 700 Popular Films”, um estudo que abrangeu um total de 700 filmes e 30.835 personagens.

Os dados comprovam que a representatividade feminina ainda é pequena: só 11% dos filmes analisados têm elenco equilibrado ou mulheres interpretando cerca da metade dos personagens com falas. Nos filmes lançados em 2014, só 21 dos 100 filmes avaliados têm uma mulher protagonista ou em papel equivalente ao do co-star.

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A mulher no cinema atual

Mas o cenário é promissor. Filmes como Jogos Vorazes (2013), Divergente (2014), Mad Max: Estrada da Fúria (2015), Caça-fantasmas (2016) e Mulher-Maravilha (2017) trazem uma personagem feminina que não está focada na sexualidade, mas apresentam força e coragem, características que  normalmente são atribuídas aos homens.

Até mesmo as animações estão tomando esse caráter: Frozen (2013) contém a primeira princesa da Disney que não tem príncipe e Zootopia (2016) foca a história inteira em sua protagonista superando barreiras, entre elas o machismo.

Moana (2017) é a filha do chefe de uma tribo na Oceania, onde desbrava mares e enfrenta monstros para salvar sua ilha – uma heroína, literalmente falando. Com luta, a representação feminina vem, mesmo que lentamente, ganhando seu espaço no cinema.

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Por Carol Huertas –  Fala Mack

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