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Entretenimento, publicidade e moda: A mitologia grega nos dias atuais

A mitologia grega teve seu início, de fato, com um viés religioso e sua existência serve, até hoje, para explicar algumas características da essência humana.

As preces e oferendas feitas aos deuses do Olimpo muito se assemelham a práticas de religiões atuais e, muitas vezes, serviam para explicar o inexplicável da época e até mesmo reconfortar as pessoas em tempos ruins.

Essa mitologia se tornou muito popular ao redor do mundo e se manteve de pé por séculos e séculos, mas como ela é representada hoje?

mitologia grega no cotidiano
A mitologia grega é tão presente no cotidiano que acaba sendo esquecida por muitos. | Foto: Reprodução.

A Mitologia Grega

A mitologia grega tem suas raízes na Grécia Antiga politeísta. Adoradores de diversos deuses, eles não possuíam escrituras sagradas e as principais fontes de sua existência partem do século VIII a.C., e foram escritas por Hesíodo e Homero. O primeiro narra a origem e a história dos deuses gregos e, o segundo, os grandes acontecimentos que envolvem deuses e heróis.

Uma das características mais notáveis nos deuses gregos é que eles possuem muitos aspectos humanos, que os tornavam tão imperfeitos quanto. Sentimentos como amor, ira e inveja eram comuns entre eles e já foram o pontapé inicial de vários contos que compõem a sua mitologia.

A lista de deuses é extensa, mas os principais, deuses do Olimpo, eram compostos por Zeus (o rei dos deuses), Hera (protetora dos casamentos), Apolo (deus da luz, da poesia e da música), Atena (deusa da sabedoria), Afrodite (deusa do amor e da beleza), Ares (deus da guerra), Poseidon (deus do mar), Hefesto (deus do fogo), Ártemis (deusa da caça), Héstia (deusa do coração e da chama sagrada), Deméter (deusa da agricultura) e Hermes (mensageiro). Além deles, recebem destaque também Hades (deus dos infernos) e Dionísio (deus do vinho).

deuses gregos
Representação de três deuses gregos. | Foto: Reprodução.

Descendentes desses deuses com humanos mortais, ainda há diversos heróis que integram a mitologia grega. Chamados de semideuses, os destaques são Heracles (chamado de Hércules na mitologia romana), Aquiles, Édipo, Agamenon, Menelau e Ulisses.

Muitas vezes, a mitologia grega ainda se funde com a romana, alterando apenas alguns nomes, mas contando as mesmas histórias e, por isso, essa categoria pode ser chamada de mitologia greco-romana.

Contudo, com o passar do tempo, a mitologia grega foi perdendo seu valor religioso e adquirindo grande significação artística. Sandro Botticelli, por exemplo, quando pintou O Nascimento de Vênus (equivalente a Afrodite) no século XV, não o fez encarando a deusa como uma entidade divina, mas sim, como um ideal estético de beleza.

Esse ideal de beleza se perpetuou até os dias atuais como um objetivo das artes tradicionais a ser alcançado, uma grande pureza estética, com vários detalhes e baseado em muitos estudos de anatomia.

Dessa forma, as representações dos deuses ao longo dos anos, muitas vezes musculosas e com postura poderosa e firme, logo se consolidaram no imaginário coletivo como uma maneira de se representar a força e a grandeza de algo ou alguém.

Design e publicidade

A Nike é um exemplo perfeito de como a mitologia grega pode ser inserida em nossos dias. O próprio nome da marca é inspirada na deusa Niké, que personifica a vitória, a força e a velocidade. A definição dessa deusa já explica, basicamente, o que é a marca e fortalece sua posição no mercado e no imaginário de seu público-alvo. O símbolo da Nike é inspirado tanto no movimento, um dos conceitos da empresa, quanto nas asas da deusa Niké.

Além disso, em diversas campanhas publicitárias, não apenas da Nike, mas de várias empresas de artigos esportivos, e até mesmo de perfumes e de alimentos, utilizam o ideal estético grego para exaltar a força e a potência de determinado produto ou da própria marca e a elevação — e até mesmo a transcendência — de quem o consome.

Seguindo essa linha, há alguns anos, a Pepsi fez uma propaganda com a Beyoncé, a Britney Spears e a P!NK cantando We Will Rock You, da banda Queen, em que as cantoras se encontram numa arena e estão sendo assistidas por um governante que tem em sua posse várias latinhas do refrigerante. A luta deveria ser feita entre elas, mas logo que os portões são abertos, as mulheres largam as armas e começam a performance.

Ao final da música, as latinhas do governante caem no meio da arena e todas bebem, mostrando que o poder está nas mãos de quem possui o refrigerante. Apesar de ser inspirada na cultura romana, a propaganda está repleta de referências à mitologia grega, como a vestimenta das lutadoras e suas armas.

Moda

A presença da mitologia grega ainda é muito forte na esfera da moda. Coleções inteiras e até mesmo marcas de estilistas famosos são inspirados em personagens e contos.

O maior exemplo da mitologia grega na moda ainda é a Versace, cujo próprio logo é a cabeça de Medusa — figura famosa pelas cobras que substituem seu cabelo — com adornos da Arte Clássica. Assim sendo, faria sentido que muitos dos produtos da marca — acessórios, perfumes, maquiagem, acessórios de decoração e roupas — fossem inspirados justamente na mitologia grega, com muitos detalhes que fazem referência às representações de personagens e às obras da época.

versace medusa
O logo da marca Versace é a cabeça de Medusa. | Foto: Reprodução.

Uma figura famosa que utilizava inspiração no ideal grego de beleza era Madame Grés, famosa por seus drapeados, cujos vestidos eram comparados a esculturas gregas. Ela serve de inspiração para grandes marcas da moda até hoje, a exemplo da Prada, que se utiliza de drapeados para compor visuais influenciados pela estética criada pela mitologia grega.

Quem recebeu destaque nos últimos meses por se vestir seguindo esse estilo foi Marcela McGowan, do BBB20, tanto no programa quanto em seu ensaio posterior à sua saída do reality show.

Entretenimento

Agora a lista é longa: não faltam elementos na cultura pop que têm como inspiração a mitologia grega.

Começando pelas HQs, das quais as mais populares são algumas da DC Comics, como Mulher Maravilha que, em algumas edições, é considerada filha de Zeus, e Aquaman, cuja história mescla a mitologia greco-romana com a lenda de Atlantis. Além deles, há a Fênix Negra, da Marvel, inspirada no mito da fênix, um pássaro de fogo que tem a capacidade de renascer das cinzas. A Vertigo também investiu em personagens com referências ao tema: Sandman, ou Sonho, é baseado em um típico herói das tragédias gregas.

No plano literário, quem se destaca é Rick Riordan com sua série de livros de Percy Jackson, personagem inspirado no semideus Perseu. Com adaptação feita para o público infantojuvenil, a saga conta a história do jovem Percy que se descobre um semideus e vai para um acampamento a fim de treinar suas habilidades. Como toda trama de ação, há vários momentos de tensão, mas com vários alívios cômicos. Rick Riordan ainda lançou, futuramente, outra série de livros no mesmo universo de Percy Jackson, mas dando enfoque em outros personagens.

Com o sucesso da saga, foram filmados dois filmes, baseados no primeiro (Percy Jackson e o Ladrão de Raios) e no segundo livro (Percy Jackson e o Mar de Monstros), mas no meio cinematográfico não vingou.

Mas, além desses dois filmes, ainda há uma grande seleção de obras cinematográficas inspiradas na mitologia grega. Fúria de Titãs, por exemplo, foi lançado pela primeira vez em 1981, com vários efeitos em stop motion, e foi regravado em 2010, com maiores recursos tecnológicos.

Um longa muito apreciado que conta a história de semideus ainda foi lançado pela Disney: Hércules (Heracles, como citado anteriormente). Com algumas alterações na história, a empresa introduziu e popularizou o tema em diversas faixas etárias.

Fora das telonas, a Netflix anunciou que, em 2020, lançará a série britânica Kaos, que traz um olhar contemporâneo à mitologia grega, com temas que abrangem política de gênero, poder e a vida no submundo. O projeto está sendo descrito pelo criador como grandioso, na mesma escala que Game of Thrones.

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Série Game of Thrones. | Foto: Reprodução.

Ainda no audiovisual, temos o universo dos games, que deu abertura à uma das séries de jogos mais populares dos últimos anos: God of War. A trama é inteiramente baseada na mitologia grega (e, mais tarde passa pela mitologia nórdica), inclusive em seu logo, no qual a letra grega “Ômega” está em evidência. Assim como outras obras do entretenimento, o jogo foi porta de entrada para o interesse nessa cultura para muitos dos usuários que resolveram se aventurar.

Já no contexto musical, a mitologia grega é citada tanto nas letras das composições quanto em clipes delas. ABBA é uma das bandas que já compôs uma música com referência direta à uma das narrativas da mitologia grega, que conta a história de Cassandra e seu irmão gêmeo Heleno que, depois de terem seus ouvidos sensibilizados por serpentes, conseguiam ouvir as vozes dos deuses. Cassandra recebe o dom da profecia, mas é, futuramente, amaldiçoada para que ninguém acredite em suas previsões e ela se passe por louca.

Iron Maiden também está nessa lista, com Fight of Icarus, contando a história de Ícaro e Dédalo. Ambos se encontram num labirinto construído por Dédalo e Ícaro resolve construir um par de asas para sair de lá. Contrariando a história original, a música segue uma narrativa na qual Ícaro é incentivado por Dédalo a voar mais próximo do sol até perceber que foi traído e cai rumo à morte.

Mais recentemente, o movimento que tem feito muitas referências à mitologia grega é o k-pop. O SF9 é um grupo sul-coreano que lançou, em 2019, um álbum denominado Narcissus. Na faixa principal Enough, há uma reinterpretação contemporânea do conto de Narciso, trocando a lagoa por uma piscina.

Outro grupo que faz referência clara aos contos gregos é A-JAX, cujo próprio nome é inspirado no guerreiro Ajax, primo de Aquiles. Canalizando este antigo herói, os A-JAX se utilizaram dos conceitos de forte e temível na música de estreia, One 4 U, cujo clipe é ambientado num cenário semelhante a um templo grego.

Psicologia

Muitos contos da mitologia grega ainda inspiraram análises da psicologia. Sigmund Freud utilizou o conto de Édipo, que após matar seu pai, casa-se com sua mãe para formular o que chamou de Complexo de Édipo, que se caracteriza, ao longo do crescimento de uma criança do sexo masculino, pela forte atração pela figura materna e aversão à figura paterna. Além dele, Carl Jung explica a importância psicológica dos mitos para a interpretação do mundo

Dessa forma, quando esses dois pensadores se voltaram para a investigação moderna da alma e se aproximaram da mitologia clássica para explicar suas teorias, deram uma nova interpretação aos velhos mitos, possibilitando inúmeras interpretações e dando ainda mais significado ao que foi criado há milênios, assim como todas as áreas pelas quais esse texto passeou, absorvendo e acrescentando conteúdo sobre a mitologia grega.

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Por Fernanda Tiemi Tubamoto – Fala! UFMG

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