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Entenda como o machismo afeta o mundo da moda

Antes de refletir sobre a influência do machismo na moda é importante esclarecermos qual é a definição desse termo – a palavra moda vem do francês mode; modo ou costume e, sendo assim, quando falamos de moda não estamos falando só da vestimenta (apesar de ser essa a sua associação mais comum), mas sim, tudo que está em voga em um determinado espaço-tempo. 

A moda reflete a sociedade, seus desejos (sejam eles de expressar individualidade ou pertencimento), seus costumes e valores (sejam eles progressistas ou conservadores).  

E é aqui que chegamos ao “q” da questão: a moda ao longo da história foi muitas vezes reflexo de uma sociedade patriarcal. Neste artigo iremos refletir sobre alguns aspectos machistas da moda ao longo da história até os dias de hoje.

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Mulheres são mais cobradas em relação a sua aparência física e forma de se vestir, seja no ambiente de trabalho ou nos momentos de lazer. | Foto: Reprodução.

Como o machismo afeta o mundo da moda?

Pressão Estética e Dress Code

No que conhecemos como Dress Code (código de vestimenta), fica nítida a diferenciação em questão de importância entre os códigos de adequação corporativa das vestimentas masculinas e das femininas, além de uma certa pressão estética, onde as mulheres são mais cobradas em relação à adequação do vestuário, “manutenção da aparência” e jovialidade.

É notável que a mesma cobrança não acontece no caso dos homens, que têm passe livre para mostrarem suas rugas, engordar ou emagrecer, enquanto uma mulher que deixa aparente as marcas do tempo é vista como descuidada.

Essa desproporcionalidade também acontece no dia a dia, talvez não de forma tão marcante, mas ainda sim bem perceptível. Se vestir adequadamente ou “se cuidar” parece estar muito relacionado à percepção e aprovação do homem, afinal, podemos ver um homem de fios brancos e de pernas não depiladas e sua credibilidade não é posta à prova. 

Apesar de a questão da pressão estética no trabalho ainda não ser muito abordada, no âmbito geral vimos o crescimento de movimentos como o skin e body positive, que questionam esse olhar idealizado da beleza e principalmente da beleza da mulher, ditada pela mídia e indústria que comumente estão inseridas nesse modelo patriarcal em sua predominância masculina.

Naomi Campbell e Kate Moss com Kim Jones em desfile para Louis Vuitton, inverno masculino 2019.
Naomi Campbell e Kate Moss com Kim Jones em desfile para Louis Vuitton, inverno masculino 2019. | Foto: Reprodução.

Após várias discussões abertas, vimos o crescimento de influencers fora dos padrões, bem como a presença de um casting mais amplo que incluem o comeback de modelos mais velhas nas passarelas, como Kate Moss e Naomi Campbell, além de uma maior diversidade de corpos, embora mulheres brancas e magras ainda representem a maioria.

"Retrato de Alessandro Farnese", por Alonso Sánchez Coello (1531). O codpiece, peça inicialmente construída para proteger o falo começava a ser usada como adereço estético demonstrando virilidade.
“Retrato de Alessandro Farnese”, por Alonso Sánchez Coello (1531). O codpiece, peça inicialmente construída para proteger o falo começava a ser usada como adereço estético demonstrando virilidade. | Foto: Reprodução.

Sexualização Feminina

“Tomara que caia”, pernas de fora e roupas sensuais são vistas em revistas e o feminismo vem questionando se o vestir sexy empodera ou objetifica.

Mas de certa forma o corpo masculino também já foi sexualizado, seja nas antigas esculturas gregas e romanas, ou na Era Tudor, em que se destacava o falo como algo másculo através dos codpieces e enchimentos no abdômen, juntamente ao hábito de posar para retratos mostrando as pernas.

Expressões assim não eram um tabu, muito pelo contrário, o sexy masculino tem muito mais conotação de virilidade, força e poder. Enquanto isso, o corpo da mulher tem sido colocado em uma dicotomia entre a pureza e a vulgaridade desde a Idade Média.

Ao longo da história, o corpo feminino foi retratado como objeto de desejo masculino em pinturas, na TV, no cinema e na publicidade, ao mesmo tempo em que o corpo da mulher foi usado como justificativa para assédios por si só.

Segundo o Datafolha, um a cada três brasileiros acreditam que a mulher que usa roupas “provocantes” não pode reclamar se for estuprada.

Nos últimos anos as mulheres tem se posicionado bastante e assim contribuído aos poucos para uma mudança. Segundo um levantamento feito pelo Instituto Qualibest, que entrevistou mulheres das gerações X e Z campanhas como “Eu não mereço estuprada”, “Eu luto pelo fim da cultura do estupro” e “chega de fiu fiu” foram engajadas por 41%, 42% e 34% das entrevistadas, nessa ordem.

Essa é uma geração que sabe que uma saia curta e um salto não são motivadores de assédio, que é possível se expressar sexualmente fora de padrões irrealistas ou então não se expressar sexualmente para conseguir validação.

A Gen Z está finalmente percebendo que a sexualidade é algo para eles, diz Scarlett Curtis, observando que ela pode vir em inúmeras formas, seja vestindo conjuntos de moletons folgados todos os dias e jogando fora as giletes ou tirando fotos vestindo lingerie e colocando batom vermelho. Tudo isso conta, desde que esteja capacitando você e alimentando sua autonomia.

Olivia Petter sobre fala da ativista e escritora Scarlett Curtis para a Vogue.
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Billie Eilish em seu ícone look Tomboy em agosto de 2019. Foto: Reprodução.
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Billie Eilish de lingerie para a edição de junho de 2021 da Vogue Britânica. | Foto: Reprodução.

Mulheres na Indústria da Moda

Apesar das mulheres serem a maior parte da mão de obra na indústria da moda, no Brasil e no mundo, as mais presentes nos cursos profissionalizantes e também as maiores consumidoras, infelizmente elas estão longe de serem as mais presentes nos autos setores.

A Indústria da moda tem uma cara totalmente feminina, mas ainda é uma indústria comandada por homens como tantas outras. Segundo a pesquisa The Glass Runway, feita pelo Conselho de Artistas Norte-Americanos (CFDA), 59% das maiores marcas do mundo eram comandadas por homens quando o estudo foi divulgado em 2018.

Mas se moda é considerada “coisa de mulher”, por que é que os homens são os principais nomes no topo da indústria? Uma investigação feita pela Psychological Science pode dar uma luz ao assunto. A pesquisa “A Gender Bias in Attribution of Creativity” feita em 2015, concluiu que os homens eram considerados mais inovadores e criativos mesmo apresentando idéias e criações semelhantes às suas colegas mulheres, e claro quem é considerado mais inovador recebe os melhores cargos.

Voltando ao The Glass Runway, a pesquisa relata que no geral, as mulheres recebem menos incentivo, mentoria e promoções além de sofrerem maior pressão social para a realização de atividades domésticas tornando a ascensão profissional uma ambição mais complicada.

Maria Grazzia Chiuri, primeira diretora-criativa da Chanel em 69 anos.
Maria Grazzia Chiuri, primeira diretora-criativa da Chanel em 69 anos. | Foto: Reprodução.

Ainda hoje, a única posição em que as mulheres ganham mais do que os homens são como modelos, profissão que infelizmente ainda tem um prazo de validade.

Moda Masculina

É possível a moda masculina refletir algo sobre uma sociedade machista? Talvez sim. As expressões de gênero mudaram muito com o passar dos anos, mas deram uma estagnada depois da segunda revolução industrial e a criação do terno. 

O que à primeira vista pode parecer um advento pouco significativo, simbolizou uma mudança nas expressões de gênero que permanecem em boa parte até hoje.

Na época, o termo significava a austeridade do homem moderno, a praticidade do mercado de trabalho, e a ideia de que o homem é muito ocupado para se enfeitar. Em compensação, toda a pomposidade que os homens gostariam de ostentar, ostentavam através das suas esposas, através de jóias e vestidos luxuosos.

Com o novo modelo de duas peças, que se tornou o guarda-roupa moderno, a roupa masculina se tornou cada vez mais estagnada em estereótipos, nos fazendo esquecer de algumas fases da moda masculina.

Como as túnicas da Roma e Grécia antiga (poderiam ser chamadas de vestidos?), as saias dos anglo-saxões e normandos na Idade Média, os saltos monárquicos de Luís XIV, o rosa visto como a cor dos meninos no início do século XX ou homens com cabelos volumosos e com fitas no período Rococó, para citar alguns exemplos.

Ao longo dos anos, as mulheres conseguiram usar peças como calças e terninhos femininos, graças a influência de figuras como Coco Chanel, mas ver um homem com uma saia é um grande tabu. 

Por quê? Será que as qualidades que foram associadas ao feminino como delicadeza, sensibilidade ou qualquer coisa do tipo é vista com total aversão?   

Atualmente conseguimos presenciar homens famosos usando vestidos, maquiagem e pintando as unhas, movimento que já se via presente na overdose dos anos 80 mas que volta agora, talvez de forma tímida aos olhos dos homens.

Billy Porter na 25ª edição do Critics’ Choice Awards. | Foto: Reprodução.
Harry Styles para a Vogue americana de junho de 2020. | Foto: Reprodução.

Figuras como Ezra Miller, Billy Porter e principalmente Harry Styles fazem parte dos propulsores dessa “nova” figura masculina (ao menos em termos de estética) que aos poucos vem surgindo no mainstream.

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Por Loara Tomaz – Fala! Universidade Federal do Tocantins

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