Um percurso pela história da imprensa no Brasil, com foco na atuação da imprensa nanica no período da Ditadura Militar brasileira.
REDES SOCIAIS, MÍDIA LIVRE E A VELHA IMPRENSA
A vida é comunicação
De acordo com o antropólogo José Carlos Rodrigues, a vida é um fenômeno comunicacional.
Talvez a maior expressão desse fenômeno se dê por meio da mídia, que é responsável por transmitir informações e acontecimentos do cotidiano, e mais ainda pelos veículos alternativos de mídia, que muitas vezes estão isentos de cobranças de patrocinadores e buscam retratar aquilo que não está sendo dito; entendem o valor do que não é retratado e investem seus trabalhos nessa direção.
A história da imprensa brasileira remete à chegada da família real no país, no ano de 1808, quando fugiam das tropas napoleônicas; antes desse ano, toda e qualquer atividade da imprensa era estritamente proibida.
A estrutura vigente da mídia pode ter, também, seu passado histórico atrelado ao modelo instituído no Segundo Reinado (1850 – 1889): veículos midiáticos influentes patrocinados por grandes empresas conquistam o centro de visibilidade e acesso da grande massa, e, em torno deles, jornais subalternos de menor apelo.
A importância da imprensa Nanica
No período em que a imprensa nanica surgiu no país, o mundo dividia-se entre o bloco socialista, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e o bloco capitalista, comandado pelos Estados Unidos da América (EUA). Diversas ditaduras foram instauradas na América Latina na segunda metade do século XX como mecanismos de combate ao alastramento da ameaça comunista.
IMPRENSA LIVRE E ALTERNATIVA NO BRASIL
Com sua política de Doutrina de Segurança Nacional, os Estados Unidos da América deram apoio financeiro e logístico a diversos países para eliminar o chamado perigo vermelho seus territórios.
No Brasil, o Regime Civil-Militar iniciou-se no ano de 1964; e recebe esse nome porque, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a Ditadura recebeu apoio de diversos setores da sociedade, grupos estes que tinham fortíssimos interesses em frear as medidas propostas por João Goulart e associar-se ao capital estrangeiro.
Embora o intervencionismo militar tenha raízes no próprio império — conquistaram enorme poder político após a vitória na Guerra do Paraguai, apoiaram a Proclamação da República e a Revolução de 1930 (responsável por colocar Getúlio Vargas no poder) — ele chegou a ter mais força política na Ditadura, que durou 21 anos, contando com diversos generais de diferentes linhas políticas — Linha Branda e Linha dura —, pois foi a primeira vez que o âmbito militar chegou ao poder admitindo abertamente a Doutrina da Segurança Nacional.
O medo da “ameaça comunista” surgiu ainda no Período Democrático (1945 – 1964), quando importantes círculos militares engajaram-se em tentativas de impedir que presidentes — Juscelino Kubitschek e João Goulart — tomassem posse por suposto alinhamento ao comunismo soviético.
Embora Kubitschek tenha demonstrado, em seu mandato, simpatia às instituições capitalistas, João Goulart — latifundiário milionário — declarou medidas que incomodaram a alta sociedade, sendo a principal delas as Reformas de Base: Consolidação das Leis Trabalhistas para trabalhadores do campo, reforma agrária, entre outros.
DIFERENTES FORMAS DE CONTAR HISTÓRIAS NO JORNALISMO
O Regime Militar viveu seu ápice quando o Ato Institucional Número 5 (A. I. 5) foi implementado, essa emenda constitucional previa, entre muitas outras coisas, a possibilidade de censura prévia de manifestações artísticas e das mídias, muitas vezes por motivos insubstanciais, como subversão da moral e dos bons costumes.
De acordo com Álvaro Senra, Doutor em Ciências Sociais – professor do CEFET-RJ desde 2004 —, a Ditadura tinha maior expressão nos programas das escolas, “que eram muito tacanhos”.
Talvez tenha sido esse o motivo de levar muitos jovens universitários e estudantes do ensino médio a comprarem e fazerem parte da imprensa nanica — surgida em um contexto de desenvolvimento exacerbado das grandes empresas de jornalismo que, segundo Senra, têm seus próprios interesses e apoiam àqueles que lhes dá audiência e dinheiro.
Tal crescimento dos grandes veículos de comunicação empobreceu o trabalho criativo do jornalista, o que levou muitos a criarem seus próprios veículos, deixando de submeter-se à lógica empresarial.
O crescimento da imprensa alternativa
A imprensa alternativa foi a reação mais imediata ao torpor gerado pelo golpe militar de 1964. Nas palavras de José Eudes — professor de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); que começou a ler imprensa nanica quando estudava Direito, indicado por um amigo — ,serviu como espaço importante de resistência à Ditadura.
De acordo com Álvaro Senra, o que define a imprensa alternativa era a estrutura mais ou menos precária de todos eles, seu caráter crítico ao Regime Militar e aos costumes.
Muito embora as declarações e definições possam ser tomadas à risca, é importante ressaltar que o termo imprensa nanica indica uma unidade que nunca existiu, pois havia diversos tipos de jornais, todos retratando o mundo de perspectivas muito distintas. De qualquer forma, a imprensa alternativa caracterizou-se pela linguagem irreverente, cômica e debochada que apresentavam.
Segundo José Eudes, jornais alternativos sempre existiram no país, como os que apoiavam a criação de uma república ainda no período do Segundo Reinado; entretanto, a imprensa alternativa foi o movimentado ocorrido no final dos anos de 1960, de caráter contestador ao Regime Militar.
COMO INCREMENTAR O FAZER JORNALÍSTICO?
Enquanto a efervescência de jovens e militantes para contrapor-se a um regime ditatorial instaurado a partir da deposição de um presidente democraticamente eleito ganhava força, por outro lado, a grande mídia acomodou-se à censura;
a grande imprensa do Brasil é canalha (…). Foi sempre conivente com o poder político e econômico”
José Eudes.
Quando o regime instalou-se, as conhecidas receitas de bolo revelaram mais uma postura de conformidade do que de resistência.
De maneira geral, os periódicos existiram por pouco tempo, Eudes — jornalista do O DIA no período da Ditadura — declara que duraram pouco, mais por má administração do que por conta da Ditadura.
O ideário anticapitalista compartilhado por muitos dos jornais alternativos contribuiu para que tivessem vida curta, além disso, o medo dos anunciantes de colocarem anúncios em jornais semi clandestinos e amendrontamentro dos jornaleiros com os recorrentes atentados às bancas de jornal corroborou para tal.
Acontece que a imprensa alternativa perdeu prestígio quando os grandes meios de imprensa — mais livres da censura do após o pronunciamento da abertura “lenta, gradual e segura” do presidente Ernesto Geisel — e passaram a publicar artigos e matérias de caráter mais critico, o que diminuiu ainda mais a visibilidade dos nanicos que, segundo Eudes, não tiveram muito impacto, pois circulavam em um meio muito restrito, falavam para um público muito específico.
Como já foi dito, a imprensa alternativa tinha um caráter extremamente heterogêneo, pode-se ver diversas manifestações de grupos lutando por mais participação política e melhores condições de vida.
Principais Jornais Alternativos:
O Pasquim
O mais conhecido deles foi, sem dúvidas, O Pasquim — o nome, de cunho pejorativo, foi escolhido de forma a ironizar os possíveis insultos que o jornal receberia futuramente —, surgido em junho de 1969, ano em que o Ato Institucional Número 5 foi implementado pelo governo de Costa e Silva.
A equipe que constituía o jornal contava com nomes renomados no meio artístico e jornalístico, como Millôr Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro, entre outros. Com uma linguagem extremamente satírica e humorística, O Pasquim levou seus leitores a desenvolver críticas ferrenhas ao governo ditatorial vigente.
Talvez por contar com nomes de peso e, também, pela irreverência, O Pasquim tornou-se um sucesso de vendas, alcançando a marca histórica de 200 mil exemplares em meados dos anos 1970, o que o configurava como um enorme veículo, por mais que se enquadrasse na imprensa nanica.
O jornal expressava-se publicamente, sempre ressaltando a ideia de que, naquele ambiente, não teria censura; “foi ousado, inovou na linguagem e na maneira de entrevistar”, diz José Eudes. Em 1991, o jornal deixou de circular, já sem o caráter que expressava na Ditadura.
Mulherio: A Imprensa Feminina
Outro jornal significativo foi o Mulherio, jornal voltado aos ideais feministas, que, num contexto global, estavam ganhando cada vez mais força.
Lançado em 1981, a primeira edição explicava o motivo do nome: termo de cunho negativo, mas cujas intenções das idealizadoras do jornal era transformá-lo no significado de um conjunto de mulheres, retratando muito do que o feminismo prega: união e respeito às mulheres.
A imprensa feminina existe desde o século XVII, sendo considerada parte da imprensa especializada; a imprensa feminista é, então, uma segmentação da feminina, que retratava coisas voltadas ao lar, à criação dos filhos e à moda.
O Mulherio tinha a proposta de levar assuntos aos quais as mulheres eram deixadas de lado, como política, economia e outros assuntos mais contrários à moral da época, como racismo, divórcio, trabalho infantil e participação das mulheres no mercado de trabalho. O jornal acabou parando de circular por problemas financeiros.
O movimento de luta pelo fim da segregação racial e pela concessão de direitos iguais aos brancos e negros estava em voga no mundo ocidental. Foi, então, que o , escritor e jornalista, Jamu Minka — inspirado em experiências de paises africanos, onde houve uma proposta de levar discussões políticas com uma linguagem mais simplificada à população — idealizou, no Brasil, o Árvore — jornal com a proposta de perpassar as paredes das universidades e alcançar diretamente o povo negro, tendo proposta unificadora.
O nome do jornal está ligado à tradição africana dos mais jovens reunirem-se embaixo de árvores para ouvirem as palavras dos meus sábios.
Imprensa Negra: Jornal ‘Quilombo’ e ‘O Clarim Da Alvorada’
O movimento negro no âmbito jornalístico remete a uma história que, no Brasil, foi muito marcada na primeira metade do século XX, tendo jornais como “Quilombo” e “O Clarim da Alvorada”. Não há informações sobre como o jornal acabou.
Nas áreas periféricas também existiram manifestações de jornais alternativos, tendo como proposta levar à pauta jornalística as lutas dos operários por melhores condições de trabalho e as dificuldades da vida da população em bairros e cidades deixados à margem.
Jornal da Baixada
O Jornal da Baixada — periódico que durou de 1979 a 1980 na Baixada Fluminense, Estado do Rio de Janeiro e teve tiragem se cinco mil exemplares — representa muito bem a batalha por mudar a situação sobre a qual os moradores daquela região viviam.
Álvaro Senra — que lia os exemplares do Jornal do Brasil comprados por sua tia, quando mais jovem, para ficar informado sobre política e os acontecimentos cotidianos — retrata muito bem em seu livro “Povo Fala” — escrito por ele e por Flávio Andrade — o engajamento do Jornal Baixada na tentativa de conscientizar e unir a população em prol de uma vida melhor, propondo nova abordagem nos problemas regionais baseada na mobilização política dos sujeitos que ali viviam.
Indo além do foco do jornal em mostrar temas impactantes à população, como as lutas por habitação, educação e trabalho digno, o Jornal da Baixada, que era produzido e distribuído por redes de militantes de esquerda, retratou as diversas mazelas instauradas no território da Baixada Fluminense;
quem pensa, nos dias de hoje, em recorrer a um deputado para conseguir uma simples vaga numa escola estadual?”
indaga Senra, ressaltando os impactos positivos que as lutas da segunda metade do século XX ocorridas na Baixada.
Ademais, o jornal deu voz aos moradores, instigando o povo a participar mais ativamente de assuntos arraigados ao seu cotidiano. “(…) O Jornal da Baixada buscou uma ‘elevação do nível intelectual e moral’ da população da região através do esforço de articulação dos diversos sujeitos políticos coletivos então atuantes na região (…)“.
A Ditadura Militar brasileira
A Ditadura Militar brasileira perdeu força com a crise econômica que instaurou-se e perdeu credibilidade dos setores da alta sociedade que antes o apoiava, as manifestações exigindo novas eleições – e a volta da democracia – também tiveram papel importante nesse contexto; em 28 de julho, José Sarney enviou a emenda constitucional que convocava a Assembleia Nacional constituinte, que foi aprovada em 22 de novembro.
Atualmente, segundo Álvaro Senra, o papel alternativo é desempenhado por blogs.
A afirmativa é consistente, muito embora o caráter mais afrontoso e político tenha se diluído por conta de uma época que não mais se preocupa com política da maneira aqui exposta.
O CINEMA BRASILEIRO NOS ANOS DE DITADURA MILITAR
Em suma, a imprensa alternativa teve impactos profundos em engajar politicamente grupos da sociedade que eram deixados de escanteio na hora que o jogo começava, como mulheres, negros e periféricos.
Dando força às suas reivindicações e os incentivando a lutar por seus próprios direitos, além de criticar duramente o regime ditatorial, a imprensa nanica desenvolveu papel fundamental na luta por direitos básicos que foram negados a partir do Golpe de 64, combateu de maneira inteligente, astuta, humorada e desafiadora um movimento político de grupos militares e da alta sociedade de calar os demais cidadãos.
Portanto, por sua grandiosidade, coragem e determinação de não se calar diante da opressão, a imprensa nanica só é nanica no nome, pois, tirando-lhe a nomenclatura, foi grandiosa, esplêndida, afrontosa, defensora da democracia; um marco para o jornalismo brasileiro, que pode contar com uma linda história de resistência para lidar com os tempos futuros.
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Por Gustavo Magalhães – Fala! PUC Rio