Grupo extremista, derrubado pelas tropas americanas em decorrência do atentado de 11 de setembro, retoma poder no Afeganistão após 20 anos
Para abordar as consequências do Talibã assumindo o poder, é essencial entendermos o surgimento do grupo fundamentalista, seus ideais e como é financiado. Contudo, elaboramos uma linha do tempo desde os fatos históricos, diferenças entre o grupos extremistas, até conflitos, envolvimento dos EUA, países apoiadores e política local. Confira!
O que é o Talibã e sua ascensão?
O termo talibã vem do afegão, que significa “estudante buscador de conhecimento”. É um movimento fundamentalista e nacionalista islâmico, difundido no Paquistão e, sobretudo, no Afeganistão a partir de 1994 e que anos mais tarde viria governar três quartos do país, entre 1996 e 2001, cuja liderança foi reconhecida por apenas três países: Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Paquistão.
O movimento é descendente do grupo Mujahideen, combatentes islâmicos que enfrentavam a invasão da União Soviética ao Afeganistão, de 1979 à 1989.
Veja linha do tempo dos conflitos do Afeganistão:
- 1979 – 1989: Forças soviéticas combatem militantes unidos em aliança informal. Nesse período, o grupo Mujahideen recebe apoio financeiro e logístico dos EUA. O Afeganistão entra em uma guerra civil.
- 1994: Surgimento do grupo fundamentalista Talibã durante a guerra civil afegã.
- 1989 – 1996: Disputa entre grupos inimigos afegãos se torna mais grave, o que resulta na destruição da capital, Cabul, e o grupo Talibã assume o poder do país, se tornando a facção mais poderosa da época. Nesse mesmo período, Osama Bin Laden se transferiu do Sudão ao Afeganistão.
- 11 Setembro 2001: Atentado terrorista contra o World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington, utilizando aeronaves comerciais. Ato foi confirmado pela rede terrorista Al-Qaeda, até então liderada por Osama Bin Laden. Ao todo, foram 2997 mortos e a história da segurança da aviação comercial foi completamente reformulada.
- 07 de Outubro de 2001: O Presidente dos EUA, George W. Bush, anuncia invasão e envio das tropas americanas ao Afeganistão. Após ocorrido, o poder do Talibã é derrubado. É dada a posse ao então presidente Hamid Karzai.
- 2003: Forças do Talibã se reagrupam no Paquistão.
- 2004: Governo afegão, com apoio dos EUA, aprova nova constituição.
- Janeiro 2006: De acordo com informações do serviço secreto dos EUA, Osama Bin Laden realizou transferência ao Paquistão.
- Fevereiro 2006: Talibã ataca distritos e cerca capitais de províncias e regiões fronteiriças. A partir desse ataque, é instalado um regime rival no Afeganistão.
- 2009: O então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, enviou 21 mil militares em março, devido ao exército Talibã ter dominado a maior parte do sul e leste do país.
- 2011: O presidente Barack Obama anuncia a morte do líder Osama Bin Laden, por uma operação das forças americanas na região do Abbottabad, no Paquistão.
- 2015: Talibã executa ataque decisivo nas províncias de Kunduz e Helmand.
- 2016: O exército do Talibã havia conquistado boa parte do território afegão, com isso, gerou impacto aos aliados do então presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani.
- 2017: Donald Trump assume a presidência dos EUA.
- 2020: As tropas internacionais concordam em se retirar do Afeganistão. É criado o Acordo de Doha, assinado por ambas as partes e a partir deste acordo, o Talibã se auto intitula vencedor da guerra da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
- Julho 2021: O atual presidente dos EUA, Joe Biden, autoriza a partida das tropas americanas da base aérea de Bagram e entregam a base ao governo afegão.
- Agosto de 2021: Em resposta à saída das tropas americanas, o Talibã começa a tomar distritos, capitais e províncias do Afeganistão.
- 15 de Agosto de 2021: O Talibã toma o controle da capital Cabul, dissolvendo o governo eleito mediante eleições diretas. O presidente Ashraf Ghani renuncia ao poder e foge do país. Hoje, o grupo extremista detém todo o controle do território afegão.
Diferenças entre grupos islâmicos
Talibã: Movimento fundamentalista islâmico que interpreta de forma conservadora e radical o sistema de leis islâmicas (Sharia) que os levaram a acusações de diversos abusos contra os direitos humanos, como, execuções públicas, proibição de TV, música, cinema e meninas maiores de dez anos, não podem frequentar a escola.
Al-Qaeda: Se inspira nos escritos de Sayyid Qutb, um pensador proveniente da Irmandade Muçulmana. O autor defendia uma revolução islâmica armada para a sobreposição de regimes não guiados pelas leis islâmicas. O grupo se apoia no Jihad (conhecida como guerra santa) para protagonizar diversos ataques terroristas contra civis, militares e instituições de diversas nações do mundo.
Estado Islâmico: Grupo que auto afirma a autoridade religiosa sobre todos os muçulmanos do mundo. Vive de acordo com a interpretação sunita da religião e sob a Sharia. Com ideologia baseada no Wahabismo, doutrina de Al-Wahhab que defendia uma interpretação do Alcorão. O EI também é acusado de abusos contra os direitos humanos. Usa a tortura, mutilações, condenações a morte e execuções públicas em pessoas que não concordam com a interpretação sunita das leis islâmicas.
Como o Talibã é financiado?
A forma na qual o Talibã conquistou domínio em território afegão foi avassaladora, porém, como e quem financia o grupo, no que diz respeito a verbas, armamentos e logística? Não há documentos ou dados comprobatórios da receita bruta do Talibã, entretanto, existem estimativas que variam de U$S 400 milhões (cerca de R$2,4 milhões) e U$S 1,6 bilhão (cerca de R$10 bilhões).
De acordo com a investigação da Rede BBC, foram analisadas possíveis fontes econômicas.
1 – Doações Internacionais
Autoridades dos Estados Unidos acusam países como Paquistão, Rússia, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar em prestar ajuda financeira ao Talibã. Os países mencionados negaram envio de recursos financeiros ao grupo.
2 – Tráfico de drogas
O Talibã também é conhecido por coordenar um esquema ilegal de tráfico de drogas. O Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo, principal substância usada para fazer heroína. Uma taxa de 10% sobre o cultivo de ópio é coletada de fazendeiros, segundo integrantes do governo afegão. Esses mesmos impostos são cobrados de laboratórios que realizam a conversão do ópio para a heroína, intensificando o contrabando de drogas ilegais.
3 – Expansão de áreas controladas
Numa carta aberta em 2018, o Talibã determinou que comerciantes pagassem taxas sobre vários bens, incluindo combustíveis e materiais de construção. Após domínio do Talibã, o grupo passou a controlar todas as principais rotas do país, controle de fronteiras e fontes de recursos em importação e exportação.
4 – Mineração
Além do ópio, o Afeganistão é rico em minerais e pedras preciosas, onde boa parte é inexplorada devido aos fortes conflitos armados. O Talibã assumiu o controle de áreas da mineração e extorquiu dinheiro de operações de mineração legais e ilegais. A indústria mineradora do Afeganistão registrou uma produção aproximada de U$S 1 bilhão por ano.
Consequências do retorno do Talibã aos Direitos das Mulheres
Entre 1996 e 2001, o exército Talibã tomou o primeiro poder do Afeganistão em decorrência da Guerra Civil que culminou na expulsão dos soviéticos em todo o território afegão. As consequências após o controle do grupo extremista gerou os conceitos mais radicais do Islã. Mulheres eram obrigadas a usar burca (com apenas os olhos à mostra), impedidas de trabalhar, estudar e apenas poderiam transitar pelas ruas acompanhadas por um homem da família. Atividades como assistir televisão, escutar músicas, acesso à arte, cultura e cinemas também eram proibidas.
Um dos exemplos mais marcantes foi o ataque terrorista contra a ativista Malala Yousafzai, que foi baleada na cabeça enquanto retornava da escola em 2012. Membros do grupo Talibã atacaram a tiros um ônibus que levava meninas para casa, em Swat, região ultraconservadora do Paquistão. Malala tinha quinze anos na época e era o alvo principal do grupo fundamentalista.
A ativista sobreviveu ao atentado, foi retirada do país, assim como sua família, e levada ao Reino Unido. Conseguiu finalizar o ensino médio em 2014 e, aos 17 anos, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Atualmente, possui diploma universitário em filosofia, política e economia pela Universidade de Oxford.
Violação contra os Direitos Humanos
O Talibã defende a implementação de leis embasadas na Sharia, que proíbe a participação de mulheres na política. Antes da invasão, considerando o início de 2021, 27% das cadeiras parlamentares nacionais eram representadas por mulheres. Meninas foram forçadas a se casar e casas de ativistas foram invadidas, o que resultou na restrição da liberdade feminina.
O porta-voz do Talibã, Suhali Shaheen, relatou em conferência no dia 16 de abril, um dia após controle do grupo em Cabul, que sob seu governo as meninas poderão estudar. “ As escolas serão abertas e as meninas e as mulheres irão para as escolas como professoras e alunas”, afirma.
Entretanto, o cenário apresentado por moradores é bem diferente. Afegãos suspeitam que o drama vivido entre 1996 e 2001 possa se repetir. Instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiram um alerta quanto à atual condição do país.
De acordo com a alta comissária da ONU, Michelle Bachelet, “há relatos de execuções sumárias e graves violações aos direitos humanos”. Após alerta, Bachelet solicitou ao Conselho de Direitos Humanos a estabelecer um mecanismo para monitorar as ações do grupo fundamentalista islâmico.
Atentado ao Aeroporto de Cabul
O atentado ocorreu no último dia 26 de agosto, no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, na capital Cabul. As explosões ocorreram perto do portão Abadia, onde a segurança é feita pelos EUA. O ataque foi assumido pelo braço afegão do Estado Islâmico, grupo extremista rival ao Talibã.
As hipóteses levam a crer que dois homens-bomba e homens armados atacaram os afegãos que se aglomeravam na entrada do aeroporto. Soldados americanos faziam a triagem aos vôos de repatriação
Em contrapartida, o porta-voz Suhali Shaheen, líder do Talibã, condenou o ato terrorista e afirmou que o grupo está “prestando atenção à segurança e proteção de seu povo”. Estima-se até o momento 180 vítimas fatais e de acordo com o Pentágono, trata-se de um atentado suicida, havendo uma explosão. O prazo para retirada total das tropas americanas expira em 31 de agosto, mas permanecem em alerta para possíveis novos ataques.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) solicitou a abertura de uma ponte aérea para viabilizar o envio de suprimentos médicos, remédios e assistência, pois o país está com baixos estoques destes suprimentos, além da crise humanitária.
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Por Érica Silva – Fala! Anhembi