A pandemia da Covid-19 afetou a indústria cinematográfica. Estúdios remarcaram as gravações de vários filmes. Lançamentos foram agendados para outras datas. E de igual forma, o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) foi atingido. Um ano sem qualquer estreia. Algo incomum para os fãs que estavam acostumados a todo ano assistirem a uma nova produção. E isso aconteceu logo após o período em que Vingadores: Ultimato (2019) se tornou um sucesso de bilheteria e quando a tão esperada fase 4 seria iniciada.
Kevin Feige havia anunciado, na San Diego Comic-Con 2019, séries que expandiriam o universo Marvel por meio do streaming. Por isso, com a chegada do Disney Plus, expectativas foram criadas pelo público. Todos aguardavam o que aconteceria no UCM. No entanto, atrasos ocorreram devido ao fechamento dos estúdios mediante os protocolos de prevenção contra o novo coronavírus.
Após remarcações e ajustes no calendário, 15 de Janeiro de 2021 foi o dia escolhido para o retorno. A fase 4, aguardada pela audiência, começaria com WandaVision.
Em pouco tempo, a obra se tornou um sucesso mundial. Segundo a revista Forbes, devido ao final inesperado do episódio 5 (On a Very Special Episode…), WandaVision se tornou a série mais assistida no mundo, à frente de Bridgerton, o sucesso da Netflix.
Recém-casados, Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettany) estão de mudança para a cidade de Westview. Lá, tentam criar amizades com a vizinhança e buscam viver uma vida normal. No entanto, após uma série de eventos, o casal descobre que nem tudo está acontecendo como deveria no lugar onde moram.
Fugindo da tão conhecida “fórmula Marvel”, a série apresenta uma abordagem inovadora para o universo: um ode às sitcoms da TV americana. Em cada episódio, uma década é retratada e é acompanhada de uma releitura das séries clássicas de comédia dos anos 50 a 2000.
Inspirações foram selecionadas com o intuito de moldar o formato do seriado do episódio 1 ao 7. Produções como The Dick Van Dyle Show, Bewitched, Brady Brunch, Ful House, Roseanne, Modern Family e The Office ajudaram na construção da narrativa e trouxeram elementos ainda não vistos em obras da Marvel.
Em uma nova realidade
Para trazer uma estrutura sólida a nova abordagem, WandaVision contou com diversos aspectos muito bem orquestrados, o que explica o seu sucesso.
O design de produção feito por Mark Worthington é transformado com o avanço dos episódios e funciona como um recurso narrativo para que o espectador fique mais imerso no mundo idealizado por Wanda. Desde a casa do casal às ruas de Westview, todo estilo visual realça a identidade de cada década mostrada. E em soma a isso, outro destaque é o figurino. Todo trabalho de cabelo e maquiagem cumpre de modo excelente o desafio de se reinventar a cada episódio. Toda estética leva o telespectador a mergulhar naquela realidade e assistir a diferentes sitcoms protagonizadas por um casal de heróis.
As canções originais das aberturas encontram uma assinatura musical que segue a linguagem de cada época. O casal Bob e Kristen Anderson Lopez compuseram temas que elaboraram singularidade para a minissérie e que conseguem fazer referência aos estilos musicais mais tocados dos períodos exibidos.
No setor musical, é importante realçar a qualidade da canção Agatha All Along, quando Agnes revela quem realmente é ao final do episódio 7 (Breaking the Fourth Wall). A música se destaca, trazendo um ótimo alívio cômico para o desfecho e se torna uma trilha sonora memorável para a vilã.
Além de Paul Bettany e Elizabeth Olsen, todo elenco de apoio composto por Randall Park (Jimmy Woo), Katherine Victoria (Darcy), Teyonah Parris (Monica Rambeau) entre outros, está bem no papel e cada integrante dá o melhor em cada espaço que recebem na narrativa. Porém, Kathryn Hahn se destaca ao interpretar Agnes. Ela imprime o forte sarcasmo da personagem, além de carregar um humor adequado para os momentos em que aparece como a vizinha intrometida.
O roteiro de WandaVision demonstra um equilíbrio para os diferentes tons. A premissa avança com passagens por momentos de comédia, tensão e até mesmo um leve terror. Tudo isso acontece com muita suavidade por parte da direção. A trama sabe fazer o espectador ficar apreensivo, ansioso ao mesmo tempo que o faz dar boas risadas.
A estratégia da Disney em lançar um episódio por vez, como fez com The Mandalorian, gerou no público ansiedade, o que resultou na construção de várias teorias nas redes sociais ao longo das semanas. Por isso, a cada sexta-feira, WandaVision permanecia nos trending topics (assuntos do momento) do Twitter durante todo o dia.
A narrativa se desenvolve sem pressa e revela os mistérios da anomalia Maximoff aos poucos. Apesar das críticas do público aos episódios 1 e 2, um bom ritmo é mantido após o episódio 3 (Now in Color) e a partir dali é difícil que alguém não continue assistindo.
Diferentemente de outras obras do MCU, WandaVision não dá tantas pontas para que outras narrativas sejam desenvolvidas, pois, com o desfecho da série, o objetivo ficou claro: dar desenvolvimento a uma personagem que sempre foi coadjuvante no cinema.
E, finalmente, Feiticeira Escarlate
Desde sua chegada em Vingadores: A Era de Ultron (2015), Wanda nunca ganhou tanto espaço nas histórias e permaneceu na sombra de outros protagonistas. O público que sempre acompanhou a Marvel ainda não havia tido a oportunidade de saber mais sobre sua jornada e personalidade. E para que isso enfim acontecesse, WandaVision trouxe um belíssimo desenvolvimento para a personagem, o que se tornou em um dos elementos mais marcantes da narrativa.
No episódio 8 (Previously On), quando Agatha conduz Wanda para um percurso pelo seu passado, é possível conhecê-la desde sua infância até o momento de dor que levou-a a mudar a realidade e construir o Hex. Ao passar pelas diferentes fases de sua vida, os eventos que marcaram sua história são postos em tela e o espectador tem a chance de descobrir mais sobre quem realmente é Wanda Maxinoff e as marcas deixadas pelo passado em seu interior.
A entrega de Elizabeth Olsen faz essa crescente acontecer com maestria . Ela demonstra toda a amargura que a protagonista traz diante das feridas abertas pelas perdas. Ela está em pedaços e não sabe o que fazer depois dos eventos em Vingadores: Ultimato. Por isso, quando ela cria a realidade alternativa, mesmo entendendo o quão prejudicial isso foi para os cidadãos de Westview, é possível abraçar sua motivação.
Além disso, nos episódios em que é possível ver mais o seu relacionamento com Visão dentro da estrutura dos sitcoms, Elizabeth, juntamente a Paul Bettany, conduzem a trama com ótimas performances para cada década. Você realmente está assistindo a dois personagens de uma série clássica da TV americana.
Em entrevista a revista Deadline, a showrunner da série Jac Schaeffer afirmou:
Agatha oferece a ela um acordo no final. Ela diz que pode consertar o feitiço e remover o sofrimento de todas as pessoas, mas todos nós sabemos que se você remover o sofrimento, não somos mais humanos, e essa é a jornada que Wanda tem que seguir. Ela tem que abraçar sua própria tristeza e sofrimento e ver que nem tudo é tristeza, que dentro da tristeza há também uma celebração do que agora se foi.
A dor da perda é pessoal. O luto é um conflito individual. Cada um reage de uma maneira. Wanda lidou com o sofrimento usando seus poderes para criar um mundo onde ela poderia escapar do caos que estava vivendo. Porém, ao final, ela precisou enfrentar a realidade, encarar o luto. A tentativa de Agatha para dar fim às marcas do passado não funciona. Wanda compreende que tudo aquilo constituía quem ela era.
WandaVision traz mais do que um incrível início para a nova fase de produções do MCU. A série carrega uma mensagem de apoio a todos aqueles, que nesse período tão adverso, perderam seus entes queridos. Uma lição sobre quão difícil é para cada pessoa ir adiante.
Ao final do episódio 9 (The Series Finale), após Wanda desfazer o Hex e libertar Westview, os cidadãos olham para ela com desprezo e furor diante do que havia feito. Porém, Monica Rambeau conversa com Wanda e afirma que teria feito o mesmo se pudesse para trazer sua mãe de volta à vida. Nesse ponto, a série mostra quão essencial é compreender e ter respeito pela dor do outro.
Espero ansiosamente que as próximas obras da Marvel consigam explorar assuntos tão relevantes ao se desvencilharem da fórmula que padronizou vários aspectos das produções anteriores.
Ficha técnica de WandaVision
Título Original: WandaVision
Lançamento: 2021
Criador: Jac Schaeffer
Elenco: Elizabeth Olsen, Paul Bettany, Kathryn Hahn, Evan Peters
Duração: 319 minutos (9 episódios)
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Por Lucas Kelly – Fala! UFF