Pouco conhecida no Brasil, a violência testemunhal é um problema social que afeta negativamente famílias e formações de identidade
Violência testemunhal
A violência testemunhal é pouco conhecida teoricamente por ser um tema escassamente estudado e debatido no Brasil, mas contraditoriamente ela é muito comum. Esta modalidade ocorre quando crianças e adolescentes crescem expostos a situações de agressões e violências de pais ou familiares.
De acordo com a pesquisadora do tema doutora Leila Tardivo, psicóloga e coordenadora do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social da USP, a violência assistida pode resultar em psicopatologias tão graves quanto a vivenciada pela vítima direta. Ao testemunhar situações ameaçadoras de conflito, crianças e adolescentes podem desenvolver doenças emocionais e psicológicas como ansiedade, depressão, sensação de menos valia e incapacidade.
Alguns sinais comuns e perceptíveis característicos da recorrência desse tipo de circunstância são a criança ser deprimida, não conseguir realizar as atividades escolares, ser introvertida ou também pode ocorrer o contrário, ela pode ser agitada, agressiva e ter transtornos de conduta.
Consequências na vida adulta
Na vida adulta ela pode reproduzir comportamentos agressivos, ou seja, tornar-se vitimizadora ou comumente ocorre a manutenção do ciclo da violência, que acontece quando a pessoa se relaciona com indivíduos que repetem atitudes abusivas frequentemente testemunhadas pela vítima na infância. “A criança aprende com aquilo que vê e vive, então pode ocorrer a perpetuação da violência, pois ela aprende com o que presencia. Muitos adolescentes detidos na Fundação Casa têm histórias de violência testemunhal em suas vidas, então é um problema social sério.”, esclarece Tardivo.
A especialista enfatiza que a vítima pode ser forte e superar os traumas gerados, contudo é preciso que as instituições sociais estejam atentas aos sinais para que se encerre o ciclo da violência, pois com a normalização da rotina e um apoio terapêutico, a situação pode ser revertida, “A criança pode ser forte superar, não obrigatoriamente ela estará fadada ao fracasso, mas fica mais difícil o desenvolvimento da personalidade, os aspectos afetivos emocionais, sociais e até cognitivos, tem criança que começa a ir mal na escola. É preciso intervir e tratar.”, afirma a doutora.
A especialista faz atendimento psicológico a pessoas em situação de vulnerabilidade no departamento de psicologia da USP, juntamente com outros profissionais da área, e informou que durante o ano de 2020 a procura pelas consultas redobraram. Dentre os mais de 1600 atendimentos realizados pelo seu grupo, haviam vários casos de traumas ocasionados pela violência testemunhal.
Ao longo do ano de 2020, o país registrou 105 mil chamados de violência doméstica, segundo dados dos canais de denúncia do governo (180 Canal de atendimento à mulher e Disque 100 Canal dos Direitos Humanos) divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, na véspera do Dia da Mulher.
A violência doméstica pode acontecer entre ambos os gêneros e familiares, no entanto, é mais comum entre casais parentais e 75% dos chamados divulgados pelo governo eram casos em que as vítimas eram pessoas do gênero feminino. É preciso lembrar que este é um dado subnotificado, já que, muitas vezes, por situação de vulnerabilidade, as vítimas não denunciam as agressões de seus abusadores.
A doutora esclarece que há ainda ocorrências extremas que podem gerar abalos maiores, como casos de feminicídios assistidos por crianças que, consequentemente, desenvolvem o transtorno do estresse pós-traumático, condição que pode afetar a vida da pessoa durante anos com gatilhos e pesadelos recorrentes que trazem à tona frequentemente o trauma vivido.
Por estes motivos, a especialista enfatiza que além da dor e doenças físicas que a violência pode gerar, existem as feridas não visíveis que podem minar as probabilidades positivas da vida de uma pessoa. Deste modo, é preciso que haja intervenção e que a criança e a vítima sejam protegidas o mais rápido possível. ”Este é um problema social muito complexo com repercussões psicológicas na formação da identidade e dos relacionamentos. É importante estar atento e é obrigação da sociedade denunciar”, afirma Leila Tardivo.
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Por Bianca Rafaela da Silva – Fala! Anhembi