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Um país de Coringas: O que o filme pode dizer sobre nós?

O novo filme da DC Comics que retrata a vida de Arthur Fleck, homem que dá vida ao vilão Coringa, estreou recentemente no Brasil e tem provocado muitos comentários por diversas razões distintas.

Seja por questões políticas, sociológicas ou psicológicas, a obra permite uma série de reflexões sobre a humanidade, em geral, e sobre o Brasil, em particular. O desconforto que a película produz em parte da plateia é algo a ser observado com atenção.

coringa arthur fleck
Coringa: Arthur Fleck

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Coringa: um reflexo social e político

Arthur Fleck, que é também o protagonista que dá nome ao título é alguém desequilibrado mentalmente que, após ficar muito tempo calado, sendo submetido a situações de humilhação, explode em fúria.

Quando isso ocorre, ele passa a apostar no caos, divertindo-se com a balbúrdia e galvanizando a atenção de uma turba ensandecida na cidade. A semelhança com a vida pública brasileira é evidente, independentemente de qual orientação ideológica esteja no poder.

Seja à esquerda ou à direita, as figuras políticas estão primando pela adoção de posturas desarrazoadas há mais de quinze anos, sentindo-se legitimadas pelo apoio fanático de parte da população, dado o caráter personalista da comunidade nacional.

A espetacularização do mal realizada pelo Coringa, durante uma cena em que é entrevistado na TV, guarda semelhança com a atitude ostensiva de desprezo a certo grau de decoro exigido pelo cargo ocupado por alguns líderes nacionais, fenômeno especialmente observado após o fim da gestão de Fernando Henrique Cardoso.

A psicologia em Coringa

Sob o prisma psicológico, interessa observar a postura do palhaço magistralmente interpretado por Joaquin Phoenix, sob a direção de Todd Phillips. Em certo momento, o ressentimento e a frustração que o protagonista carrega dentro de si explodem em violência, exteriorizada em atos extremos, aceitos por parte da coletividade, a qual o idolatra.

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 Joaquin Phoenix interpreta Coringa no novo filme da DC Comics
Joaquin Phoenix interpreta Coringa no novo filme da DC Comics

Há uma mudança de paradigma em que aquilo que era errado passa a ser o novo certo, dada a influência multiplicadora da ação do Coringa. Tal fenômeno também é observado em território nacional, no campo social e político.

Socialmente, a parcela da população que não foi ouvida durante muito tempo em questões econômicas e de costumes assomou no cenário da disputa por poder, vociferando o ressentimento que, até então, reprimira.

Assim como o protagonista do filme muda seu comportamento (inclusive fisicamente, pois em vez da postura encurvada, passa a caminhar de modo mais ereto) quando tem acesso ao poder materializado em uma arma de fogo, a chegada ao cume político pela esquerda ou pela direita tem evidenciado a inabilidade em manter um canal de diálogo permanente e com fins republicanos com o interlocutor do campo oposto.

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Isso não significa que chegarão a um consenso, mas permite a ventilação dos canais democráticos, algo em falta no Brasil há muitos anos. Quando o Coringa pinta não só o rosto, mas a própria língua, ele internaliza a personagem.

Esse é o perigo a que está exposta a sociedade, quando solta seus monstros antes reprimidos e veste a máscara do mal, como demonstram as redes sociais e o ambiente político pós-FHC.

A vida de Arthur Fleck: Coringa é uma vítima ou um vilão?

Último ponto a ser analisado diz respeito à influência que o filme pode produzir nas pessoas a partir da interpretação sobre a relação entre o personagem principal e o meio no qual está inserido.

Diferentemente do que se tem dito, Coringa não é vítima da sociedade, a qual apenas aciona gatilhos para sua explosão, com a imposição de dificuldades severas de sobrevivência, inclusive de modo violento em determinados momentos. Ele não é, de modo algum, inocente, ficando claro desde o início o distúrbio comportamental do protagonista.

A ideia de que a película pode fomentar atos ilícitos tem um pressuposto equivocado: que o bom se torna mau meramente pela indução por fatores externos, sem considerar a semente do mal inerente a todos os seres humanos.

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Não é um ser “do bem” que altera sua essência, mas alguém que não sabe lidar com as dificuldades existenciais. Como consequência preocupante da referida crítica, pode haver tentativa de censura à liberdade de expressão, supostamente pelo efeito que a ficção poderia causar sobre a realidade. Tal fenômeno é típico de uma sociedade que retira a responsabilidade dos seus indivíduos, infantilizando-os.

Violência simbólica da arte é catarse, forma de vazar a violência que cada um traz dentro de si, de modo potencial, sem ter que materializá-la. O incômodo, talvez, seja provocado pelo fato de que o espectador é obrigado a ver seu reflexo no espelho. Se a imagem não é boa, a tendência, narcisticamente, é repeli-la.

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Por Elton Duarte Batalha – Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito.

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