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‘Um Natal de Descobertas’: análise crítica completa

Em Um Natal de Descobertas temos Lauren Brunell, uma médica residente que tem toda a vida planejada. Assim que a Lauren declara aos colegas que está atravessando o melhor momento de sua vida, tudo começa a desandar, seu noivo termina o relacionamento e ela perde sua bolsa de estudos em Boston. Confira a análise crítica sobre mais um filme natalino.

Um Natal de Descobertas
O filme traz as reviravoltas da vida de uma médica. | Foto: Reprodução/ YouTube

A Análise Crítica de Um Natal de Descobertas

Sem ter muito o que fazer, Lauren aceita os conselhos da mãe e se muda para Garland, uma cidadezinha do Alasca. Mas ela que está acostumada às grandes cidades está prestes a se encantar com a comunidade onde todos se conhecem e se cumprimentam na rua. No instante exato em que descobre um homem belo, gentil e solteiro, sabe-se que ficarão juntos.

O único problema é que o roteiro deixa tudo tão artificial que o romance fica sem química e nem a insinuação de que Garland é um lugar mágico é o suficiente para nos prender ao filme. No entanto, o longa tem seus pontos positivos, como o plot de Andy com o pai, Frank, a clínica que é sempre cheia de pacientes e o caso da enfermeira Billie e seu crush.

A configuração do cinema natalino vai além da temática: trata-se de um discurso rigidamente empacotado em estética de fabricação industrial. Este ponto de vista interpreta o Natal enquanto período de reconciliação familiar, de reencontros, renovação pessoal e crença no poder da magia. Pelo simples fato de aceitar o cargo no local pouco conhecido, o roteiro sublinha a louvável disposição da heroína em alterar seus planos par ao futuro.

O filme mergulha-se numa jornada moralizante onde a arrogante jovem descobre como ser uma pessoa melhor através do contato com os valores tradicionais da comunidade, incluindo presentes, flores e cafés oferecidos pelos habitantes sorridentes desta cidade multicolorida com aparência de cenário da Disney.

O diretor Peter Sullivan explora o imaginário asséptico dos amores românticos e familiares. Tudo de que a heroína precisa, vejam só, uma cidade inteira que a apoia, um homem belo e musculoso aparecendo em sua rotina, além de biscoitos de chocolate, café quentinho e romance perto da lareira.

Talvez seja menos apropriado falar em reinvenção de si (no sentido de reajustar seus princípios a uma nova realidade) do que em fuga do real: não por acaso, Lauren encontra-se numa localidade fictícia, dotada de poderes mágicos, onde os correios não chegam e cujo único acesso se dá por meio de avião ou helicóptero.

O conceito romantizado da ilha deserta atualiza-se para o vilarejo de abraços e gracejos, envolto em chalés, blusas de lã e interiores acarpetados. Por este motivo, os atores evitam a composição realista para privilegiar gestos exemplares e entonações evidentes. Uma das vantagens desta produção pouco ambiciosa em termos de linguagem cinematográfica se encontra na confissão humilde de seu caráter fabular. Embora os primeiros acontecimentos soem absurdos dentro da vida da médica ambiciosa, a introdução progressiva de elfos, Papai Noel, renas, trenós e fábricas de brinquedos acabam por assumir o mundo mágico oferecido à protagonista.

As romantizações do gênero carregam um componente tão saudável (o otimismo na concepção do amor e de amizades sempre recíprocos) quanto delirante. Não seria difícil explorar esta premissa dentro de um filme de terror: uma médica é presa em cidade que sumiu do mapa, onde todos confabulam às suas costas, sabendo de cada passo que toma, controlando a sua rotina e impedindo que volte às suas origens. Em comum, terror e romance possuem a liberdade de subverter o real para sua potencialidade extrema, ainda que em sentidos opostos: um para o sonho, e o outro, para o pesadelo.

Ao final, Um Natal de Descobertas oferece a conclusão que se esperaria dele, dentro de um contexto alegremente branco, burguês, heterossexual e cisgênero. Para um roteiro centrado no espaço do hospital, nunca há casos mais graves a tratar do que uma coceira invisível ou uma indigestão por excesso de cookies. Visto que o cinema constitui uma arte do conflito, a eliminação dos mesmos proporciona algo próximo da publicidade para casacos de inverno e artigos de decoração. Vale lembrar que o filme está disponível na Netflix. 

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Por Sabrina Ferreira – Fala! Centro Universitário Brasileiro de Pernambuco

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