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Três motivos para ler ‘A Moradora de Wildfell Hall’, de Anne Brontë

Escrito em 1848, A Moradora de Wildfell Hall foi o último livro redigido por Anne Brontë, a caçula da grande família Brontë. Ofuscado pelos icônicos Jane Eyre (1847), de Charlotte Brontë, e O Morro dos Ventos Uivantes (1847), de Emily Brontë, A Moradora de Wildfell Hall foi e ainda é uma composição subestimada, por mais que não deixe nada a desejar.

O livro nos apresenta o mundo na visão de Gilbert Markham, um jovem fazendeiro que vive uma vida pacata no interior da Inglaterra vitoriana. Uma chama de curiosidade se acende no coração de Gilbert quando a antiga mansão de Wildfell Hall abriga novos moradores: a jovem viúva Helen Graham, seu pequeno filho, Arthur, e sua dama de companhia, Rachel, que se inserem na vizinhança sem grandes cerimônias, com um passado desconhecido e de poucas palavras.

Esse comportamento arredio, principalmente de Helen, logo causou más impressões para a airada e bucólica comunidade campestre em que se estabeleciam, o que despertou escandalosas e injustas hipóteses acerca do caráter honesto dos inquilinos de Wildfell Hall. Porém, Gilbert não se assombra com a maledicência de terceiros e, assim, constrói uma lenta e sincera amizade com a enlutada e seu filho, desenterrando os medos e erros do passado da íntegra e austera Helen Graham.

Se, porventura, somente a breve sinopse não bastar para despertar o interesse do leitor, cabe ressaltar três motivos para debruçar-se sobre esta obra:

Anne Brontë
Obra A Moradora de Wildfell Hall, de Anne Brontë. | Foto: Reprodução.

3 motivos para ler A Moradora de Wildfell Hall, de Anne Brontë

I – É um romance de formação bem estruturado

A obra é composta por 53 capítulos que narram a história de forma epistolar e, portanto, apresenta uma relação profundamente íntima entre o leitor e o remetente, o que nos agracia de forma única com conjecturas, exasperações e questionamentos que vagueiam pela mente do autor das cartas.

É em razão disso que o livro entra na categoria de romance de formação, visto que observamos um individuo – no caso deste livro, mais de um – em um processo de evolução de caráter, amadurecimento e colocando o altruísmo no lugar das marcas da meninice. Os personagens são colocados despidos aos olhos daquele que os leem, revelando seus medos, atribulações e impulsos psicológicos e circunstanciais que deram ensejo à mudança e a, já citada, evolução comportamental.

E você considera-se livre, por fim?’. ‘Sim’, eu disse, sem me mover ou erguer meus olhos do livro, ‘livre para fazer qualquer coisa menos ofender Deus e a minha consciência’.

Capítulo XXXV.

Se for a vontade de Deus que devamos semear em lágrimas agora, é somente para que, depois, possamos colher em alegria. É a vontade Dele que não devamos ferir os outros pela satisfação de nossas próprias paixões mundanas.

Capítulo XXXVII.

II – A imersão ao ambiente

A criação de Anne Brontë constrói esse aglomerado psicológico e encorpa-o com belíssimas descrições de paisagens campestres da Inglaterra vitoriana e nos costumes de seus habitantes de modo tão fiel e detalhista que, ao ler, pode-se visualizar as imagens semelhantemente a um filme.

Desde os mais altos penhascos que nos permitem saborear os ares marinhos, até a visão da intocada neve ao longo das pradarias, A Moradora de Wildfell Hall é uma verdadeira máquina de teletransporte para uma época e lugares distantes. Apesar de ser um livro parcialmente longo, sua estrutura narrativa singular e interligada faz com que seja impossível abandonar o livro.

Próximo ao topo deste monte, cerca de duas milhas distante de Linden-Car, ficava Wildfell Hall, uma antiquada mansão da era Elizabetana, construída com pedras cinzas para ser habitada, com suas espessas fasquias de rocha e pequenas vidraças em treliça, seus orifícios de exaustão consumidos pelo tempo e sua situação, tão solitária, tão exposta – apenas guarnecida do ataque dos ventos e do clima por um grupo de abetos escoceses, os próprios meio que despedaçados pelas tempestades e parecendo tão rígidos e escuros quanto a própria casa.

Capítulo II.

III – O arquétipo moral das personagens

Não é segredo algum que a família Brontë, especialmente o trio, Emily, Charlotte e Anne, eram devotos aos ensinamentos cristãos, realidade que, inevitavelmente, tingiu suas obras, seus heróis. Em vista disso, é inegável a carregada presença de máximas e condutas virtuosas que dão à luz a um forte sentimento de dever e compromisso que faz morada nas palavras de Anne. Compromisso e responsabilidade no campo da devoção e com o núcleo familiar, independente dos reveses, da dor e da irresistível vontade de desistir.

Ouso confessar que esse é o ponto-chave do livro e sua face mais deslumbrante. E, para acrescentar, além de termos a oportunidade de desvendar personagens tão nobres, Anne cria indivíduos baixos e desprezíveis, personalidades que carregam em suas costas o vício e o mau-caratismo, encorajando o leitor a repudiá-los e tomar os bons modelos para si, promovendo uma profunda reflexão.  

‘[…] que se dane’. ‘[…] Estas são palavras ruins e as pessoas más frequentemente as dizem para os que são melhores do que elas mesmas. Essas palavras não podem fazer as pessoas serem malditas, nem mostrar porque elas merecem se danar. Deus nos julgará pelos nossos próprios pensamentos e feitos, não pelo o que as pessoas dizem sobre nós. E, quando você ouvir tais palavras, lembre-se de nunca repeti-las: é mau dizer tais coisas sobre os outros, não tê-las ditas contra você’.

Capítulo XXXIX.

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Por Esther Machado Piuvezam – Fala! Universidade Santo Amaro

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