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‘Sobrados e Mucambos’: Uma resenha crítica do clássico da literatura

O professor comentou de ele olhar e querer contar a formação brasileira a partir da rotina e estou ressaltando, porque, neste texto, foi onde isso ficou mais evidente para mim. Mas, no meu ponto de vista, Freyre foca a observação dele do cotidiano nos espaços que compõem as relações. Vejo que fica muito delimitado na escrita de Freyre que os Sobrados e Mucambos são uma espécie de Casa Grande e Senzala da cidade. Esses lugares se configuram como peça-chave para o entendimento do cotidiano e como as tensões e aplicações de poder se constituem no tecido social.

Sobrados e Mucambos
Livro Sobrados e Mucambos. | Foto: Reprodução.

Notei que este texto foi mais comedido, ao menos o prefácio, em questões mais polêmicas. Li menos declarações que seriam consideradas polêmicas hoje em dia, mas uma incomodou muito. Quando ele fala do doutor Henrique Félix de Daci, ele diz que o homem “era a voz do bacharel de cor fazendo-se expressão já arrogante dos seus próprios direitos. Querendo livrar-se quase revolucionariamente da subordinação ao branco”. Acredito que essa passagem ilustra bem que a visão de Freyre é certamente racista, mesmo quando busca imparcialidade absoluta, como descreveu quando apontou que se baseou apenas em estudos e pesquisas.

Em um trecho, ele comenta que “é pois necessário dispor prevenções e chamar os ânimos à conciliação, evitando estímulos sem justo motivo; todos somos filhos da Pátria; ela pertence a todos; nós a devemos amar, socorrer, defender e pôr em sossego, por que isto redunda em nosso benefício; haja união bem serrada em nossas almas…”. Essa parte do livro foi a mais clara para mim quanto à intenção de Gilberto de mostrar uma identidade nacional, que permeia toda a malha de relações, religiões e arquiteturas. Ele apela à ideia de pátria para tentar amortecer os choques inevitáveis de classes.

A passagem do prefácio onde ele afirma que as distâncias sociais, ainda que tenham diminuído com o declínio do patriarcado rural e com o desenvolvimento das cidades, se acentuaram com as condições da nova vida que surgia para a população, em um contexto industrial.

Não sei se mais alguém teve essa impressão, mas parece que ele faz um dualismo entre a vida rural e a cidade no que concerne à pacificidade das relações. Ao meu ver, ele tenta construir a ideia de que foi apenas na cidade que as tensões de classes e subordinação começaram a estourar e crescer, enquanto que, na vida rural, as “raças” viviam em harmonia, mesmo que, por vezes, conturbada.

Depois, ele salienta como a rua começou a ser um fator determinante para que isso fosse diminuindo e os encontros sociais e as confraternizações surgissem com mais ânimo entre as pessoas. A rua se alarga para comportar mais gente passando por ela, ao mesmo tempo, gente essa que se encontra, conversa e troca experiências.

Além disso, a rua ganha certo protagonismo, quando deixa ela de ser apenas um fator da vida cotidiana e passa a tecer as relações e as cadências delas, além de regular parte da vida nas cidades, com as regras e leis que vão surgindo a respeito do uso dela. A própria arquitetura do sobrado e do mucambo se desenvolvera fazendo da rua uma serva: e isso se inverte com o tempo e as regulamentações, a rua vira um elemento chave e mais influenciador do que influenciado.

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Por Gustavo Magalhães – Fala! PUC – RIO

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