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Pesquisador critica retirada de filosofia do ensino médio

Jamilly Santana – Fala!PUC

 

Em 22 de Setembro de 2016, o presidente Michel Temer e o ministro da Educação Mendonça Filho apresentaram a Medida Provisória (MP) com uma nova proposta de Ensino Médio. Essa medida altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDB), de 1996, e suscitou a preocupação dos professores diante das mudanças na configuração curricular.

Dentre as mudanças apresentadas, uma delas é a retirada de Filosofia da grade currículo básica do ensino médio, tornando-a uma matéria optativa. Apesar do MEC ter garantindo que o conteúdo não será eliminado, ficando sujeito ao que estiver previsto na futura Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a decisão é controversa.

Para analisar a medida, o Agemt.org convidou Jonnefer Barbosa, professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-SP e Priscila de Oliveira Rezende formada em Filosofia pela USP, professora da rede pública de ensino. Segundo os especialistas, se a Medida Provisória da reforma do Ensino Médio realmente acontecer, a próxima geração de alunos brasileiros a se formar terá, muito provavelmente, noções de Filosofia parecidas com aqueles que estudaram na época do regime militar, quando, em 1971, uma lei praticamente extinguiu as disciplinas da escola, substituindo-as pela patriótica Educação Moral e Cívica (EMC).

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As perdas após uma década

Agemt: A Filosofia sofreu em inúmeros momentos com o currículo escolar no Brasil, e esteve ausente nas escolas públicas e particulares. Tendo em vista toda essa oscilação da Filosofia nas escolas de nosso País, afinal, qual a contribuição e importância da Filosofia para a educação escolar?

Jonnefer Barbosa: É preciso ressaltar que, na história brasileira recente, a primeira supressão da disciplina de Filosofia no currículo do ensino médio ocorreu durante a ditadura militar, com a Lei nº 5.692/71, uma resposta contra insurgente da caserna ao movimento estudantil de 1968. A ditadura também foi marcada pela persecução a professores e estudantes. Na área de filosofia, foram muitos pesquisadores e professores cassados que foram obrigados a seguir para o exílio (como Bento Prado Junior), presos e torturados (como Luis Roberto Salinas Fortes), além dos muitos colegas que tiveram de entrar para a clandestinidade ou resistir de forma difusa, não explícita, sobretudo àqueles(as) que não tinham condições para sair do país. A ditadura civil-militar atacou ferozmente não apenas os militantes de esquerda, mas toda as possibilidades de constituir no país um pensamento autônomo e crítico à hegemonia ianque, em um processo que longinquamente se associa à doutrina Monroe, que desde 1823 prevê a América Latina como um quintal dos Estados Unidos. A ditadura atacou também cientistas, engenheiros, médicos. E obviamente não se permite filosofia em territórios submetidos à violência colonial. Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, potências imperiais, prezam enormemente suas cadeiras de filosofia. E os militares em 64 atuaram no papel de sátrapas do Império Ianque, uma torpe longa manus de forças ocupantes. Sobre o ensino de filosofia no ensino médio, só muito recentemente ele volta a ser obrigatório, com a Lei 11.684, de 2 de junho de 2008. Então, dos vários ataques perpetrados pelas forças ocupantes e seus sátrapas, a supressão do ensino e estudo de filosofia nos ensinos médio e fundamental foi uma das mais tardias a ser questionada. A MP 746/2016, editada por um governo golpista, coloca-se no mesmo campo estratégico da Lei nº 5.692/71: trata-se não apenas de aprofundar o abismo que separa a educação dirigida aos pobres daquela que é oferecida à aristocracia – a escola pública é sempre vista pela direita brasileira e por uma classe média entorpecida como um mero dispositivo de violência e separação de classes, ao lado do sistema penal – mas de minar as possibilidades de constituição de outros possíveis. Ideias são muito mais perigosas do que bombas (o termo dinamite vem de dynamis, potência, em grego). Nada é mais perigoso que o pensamento, sobretudo quando o pensamento é dirigido à resistência da grande maioria silenciada.

Luta estudantil

Agemt: Há alguns meses os estudantes promoveram dezenas de ocupações de escolas pelo país. Uma das principais reivindicações de adolescentes e jovens estudantes de escolas públicas é a participação direta nas possíveis mudanças na educação. Levando isso em consideração, quão grave é a medida tomada pelo Governo Temer, sem considerar a opinião dos estudantes, lançando um projeto que se fundamenta em decisões unilaterais apressadas?

Priscila: Penso que a educação no Brasil é um grande negócio. Para quê consultar os estudantes de comunidades se eu posso consultar as grandes corporações com soluções mirabolantes para o dito, fracasso escolar. Não ouvir os jovens que ocuparam as escolas e mandaram o recado “esse espaço é nosso” faz parte de um projeto perverso de início de privatização da escola pública, um fato! A escola deve mudar e este também é outro fato, ela deve se apresentar com dinamismo que acompanhamos no século XXI, a escola de hoje não dialoga com as necessidades que temos, entretanto, mudar o ensino médio de maneira verticalizado mostra que a relação de poder prevalece. Quem tem dinheiro, manda. Quem não tem, obedece. Pelo menos é isso que historicamente vemos acontecer no Brasil, não só no âmbito da educação, mas em todos os outros também.

Formação humana

Agemt: Ao pensar que, de acordo com pesquisas recentes do Inaf, 27% da população brasileira possui analfabetismo funcional, a escolha pela área do ensino a ser seguida será feita por aptidão ou será ‘escolha forçada’, dada pelas circunstâncias e as condições sociais dos estudantes?

Priscila: Essa questão é complexa e não consigo pensar em uma resposta à ela sem voltar a teoria do filósofo Sartre, ele dizia que quanto mais possibilidades de escolhas tivermos mais livre seremos. Bom, em um país que apresenta um dado como esse que você aponta em sua pergunta, as possibilidades de escolha efetivamente não acontecem, o que se vê são gerações de brasileiros buscando o que dá para fazer. Então, é feita uma pseudo escolha para poder sobreviver nesse mundo capitalista regido sobretudo, pelo lucro, nesse sentido a profissão não é a que eu escolheria em outras possibilidades, mas é aquela que me gera o sustento da família, isso é outro fato. Assim, a escolha é forçada e mostra que para sermos livres como nação ainda falta muito, então se na pergunta que você me fez agora também contasse com o questionamento: se o jovem brasileiro é livre ou não? De acordo, com o que Sartre propõe para gente, não é. Não são apresentadas possibilidades de escolhas para o cidadão, são poucas as escolhas e todas as possíveis são pautadas na sobrevivência.

Agemt: O novo currículo pode ser capaz de acirrar a desigualdade em um contexto de déficit de professores e precarização do ensino?

Priscila: O novo currículo, sem dúvida alguma, deixará ainda mais problemática a situação da educação no Brasil tanto no que diz respeito à democratização do ensino, quanto às condições de trabalho e ao déficit de professores nas redes de ensino, não só na rede pública, mas também na rede particular. Quando é dada a escolha para os estudantes de seguirem no ensino médio estudando as matérias de aptidão é reforçada a desigualdade. A base de ensino do Brasil está doente e se isso não for pensando antes da realização de qualquer reforma nos anos finais vão intensificar as mazelas sociais. Quando é dito ao jovem que ele poderá focar os seus estudos na área que mais o interessa, está sendo oferecido a ele uma pseudo escolha, como já apontei anteriormente, uma pseudo escolha porque é uma escolha que acontece deixando buracos formativos. A formação integral do ser é suprimida para atender uma demanda do mercado, o que está em jogo nessa reforma do ensino médio é mais uma vez o mercado ditando os passos que vamos dar nesse universo educacional, a técnica fala mais alto em detrimento da produção criativa, inovadora e ética do ser. Nesse processo corremos grandes riscos, quando não é pensando nessa formação integral do ser, quando se esquece que a educação pública no seu país está principalmente destinada aos mais pobres, ou seja, a maioria, é intensificado o processo segregatorio de uma educação de qualidade que vai atender a poucos. O ensino particular que atende apenas a grande elite que possui condições para arcar com colégio de mensalidades caríssimas, fora da realidade do proletariado brasileiro, esse colégio dessa forma, reforçam a necessidade da formação de uma elite. Os demais cidadãos brasileiros, vão se formar em uma escola pública que intensifica as divisões, uma escola que valoriza a formação para atender uma lógica do mercado que prioriza o conhecimento de técnicas sem considerar a noção criativa ou inovadora vide, por exemplo, o que acontece nas universidades brasileiras. A universidade brasileira ela agoniza hoje pensando na produção científica, então para que produzir ciência no Brasil se eu posso importar o que eu espero como mercado, o que se espera é que a universidades formem pessoas para ingressarem no mercado de trabalho e colocarem para frente a roda capitalista.

A quem interessa a retirada de filosofia do ensino médio?

Agemt: Adolfo Sachsida, pesquisador e diretor adjunto do IPEA, foi quem coordenou a pesquisa, divulgada pela Folha de S. Paulo, que alegava que sociologia e filosofia atrapalhariam o estudo das matérias no Ensino Médio. Diversos outros pesquisadores, ao serem consultados, criticaram a pesquisa feita pelo Ipea, salientando sua falta de informações. Como pesquisador, você concorda ou discorda de tais críticas? Se sim, o que faltou ser analisado?

Jonnefer Barbosa: Adolfo Sachsida é ligado à campanha de Bolsonaro e a pesquisa é manifestamente tendenciosa, com manipulação de dados. A obrigação da presença de disciplinas como Filosofia e Sociologia foi implementada em 2008 mas, em um sistema baseado na oferta do ensino médio majoritariamente pelos Estados, não foi implementada nacionalmente. Seja como for, extrair ilações tão genéricas como “o estudo de filosofia atrapalha o estudo da matemática” de dados estritamente numéricos é extremamente discutível. Também a pesquisa desconsidera que uma boa parte dos principais filósofos do ocidente foram matemáticos. De que adianta ensinar a tabuada se o estudante não consegue pensar a matemática, ou mesmo raciocinar matematicamente? Não é ensinando gramática que formaremos bons escritores ou decorando a tabuada ou fórmulas que formaremos pessoas pensantes. Sem a reflexão conceitual, histórica e contextual, – e a filosofia, assim como a sociologia são campos para tal experiência – disciplinas como matemática ou português se tornam esquemas assépticos e emburrecedores. Com a inclusão da obrigatoriedade da Filosofia no ensino médio em 2008 iniciou-se um movimento virtuoso na graduação e pós-graduação em Filosofia no Brasil em formar professores. No momento em que a filosofia se torna um mero conteúdo disperso, a ser trabalhado em campos “interdisciplinares”, não só se fragiliza a situação trabalhista e o futuro de milhares de jovens professores da área, mas se impedem as próprias condições de uma formação realmente interdisciplinar e transversal, pois a disciplina que poderia estabelecer relações entre as demais áreas foi subalternizada, dissipada, com conteúdos fragmentados que serão ministrados em sala de aula por professores de outras formações.

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