Por Beatriz Abrantes – Fala!MACK
O suicídio está novamente em pauta. A cada 40 segundos, uma pessoa tira a própria vida no Brasil, o oitavo país com maior número de casos de suicídio no mundo. 7% da população mundial enfrenta o luto por suicídio, ano a ano, e já é a segunda maior causa de mortes entre os jovens. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2017.
“Dessa última vez, o que aconteceu foi que eu tomei os remédios e entrei num estado de desmaio, não sei o que foi. Minha mãe me viu passando mal e me levou para o hospital. Quando eu cheguei lá já começaram todo um tratamento para tirar do meu corpo as toxinas, e eu fiquei internada uma semana”, revela a estudante de veterinária, Sarah Machado, de 21 anos.
Sarah conta que foi no ano passado que teve sua tentativa de suicídio mais recente, mas que desde a pré-adolescência já pesquisava formas de morrer sem sentir dor. “Eu já tinha tentado outras vezes. Essa foi a mais recente e a que mais teve motivo por de trás. Teve uma briga na minha casa e foi quando caiu a ficha de que eu tava sozinha, que dentro da minha própria casa eu não me sentia acolhida do jeito que eu precisava me sentir”.
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O que pouco se fala é o quanto pessoas em luto pelo suicídio de próximos também são vítimas de um enorme sofrimento. O assunto é delicado, mas começa a ser tratado. A posvenção ao suicídio é tudo o que se relaciona aos cuidados necessários com enlutados por alguém que tirou a própria vida. A psicóloga Cristina Gonçalves fala sobre a posvenção do suicídio.
“A culpa geralmente aparece muito no luto de um suicídio. E aí se trabalha muito essa questão do salvador. Algo importante de se colocar porque é muito isso ‘ah, vou salvar a pessoa de se suicidar’. A família também tem suas limitações, elas também são vítimas de uma situação emocionalmente muito delicada. Então também precisam desse cuidado”.
Sarah Machado diz o quanto sua tentativa de suicídio destruiu emocionalmente e psicologicamente seus pais, que antes não davam tanta atenção a seus problemas e crises de depressão, doença a qual é diagnosticada desde os 13 anos. “Hoje em dia eu acho que mudou bastante minha relação com meus pais, porque eles começaram a dar mais valor para os problemas que eu passo. Eles começaram a dar mais valor para minhas crises, não falar que era frescura, como falavam antes”.
Contudo, o suicídio chega às pessoas de diferentes maneiras. Uma pessoa que não quis se identificar conta que, durante um processo de separação de um casamento que durou 26 anos, tentou suicídio. “Foi em 2014, eu tive a ideia de dar um fim nessa minha vida. Comprei uns remédios e os soquei com um amassador de alho. Triturei tudo, virou pó. Coloquei num vidro e pronto. Quando foi onze horas, eu virei aquilo na boca. Nunca tive uma sensação na minha vida tão ruim igual àquele dia”.
Foi uma experiência religiosa que o salvou. Ouviu em uma emissora de rádio sertaneja a música de Roberto Carlos “Nossa Senhora”, cantada pelo Daniel, tocando profundamente sua alma. “Me deu um arrependimento, sabe? Toda vida acreditei muito em Deus e eu fiz a seguinte oração: Deus, se o Senhor puder me perdoar pela bobagem que eu fiz, o Senhor me perdoe, porque eu tenho consciência de que estou errado. Agora, se não for possível, eu também aceito, porque eu aprendi com as próprias mãos e eu vou pedir só essa vez, não vou pedir mais. Então fica nas mãos do Senhor”.
Minutos mais tarde, vomita tudo o que tinha comido durante o dia. “Aí eu fui no psiquiatra né, e esses caras não acreditam em milagre. Mas eu acredito. E ele falou: ‘É, você teve sorte porque você vomitou, senão você não tinha jogado isso para fora e seu coração tinha dado uma síncope e você teria um ataque fulminante”.
Com relação à prevenção, a psicóloga Cristina Gonçalves diz que, além do tratamento psicológico, é necessário ter atenção para o que ela chama de encadeamento. “A rede de apoio toda, de família, amigos, instituição, escola, rede de saúde, igreja, enfim. Toda essa rede, esse encadeamento, essa sustentação, ela é muito importante para evitar que o suicídio venha a acontecer.”
Foi pensando nisso que a psicóloga Karen Skavacini fundou o Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção de Suicídio, junto com mais dois integrantes. Ela conta que desde 2013 recebem pessoas que procuram ajuda para si e outras que procuram ajuda para algum amigo, ou parente. “Com relação ao comportamento suicida, a gente recebe muitas famílias, que estão preocupadas, muitos estudantes que querem aprender como lidar e profissionais da área de psicologia”.
Formado majoritariamente com psicólogos colaboradores, o Instituto foi o primeiro do país a tratar posvenção e surgiu em uma época em que não havia serviços estruturados no Brasil. “O que me fez estudar luto por suicídio foi de uma senhora, que foi dar aula na universidade. Ela começou a dar aula, parou e falou: ‘Eu não to aqui pelo o que eu fiz, eu to aqui pelo o que eu passei. Minha filha se matou, há dez anos’. E aí sua voz começou a tremer, ela não conseguia mais falar, e aquilo me marcou profundamente, no sentido de que fazia dez anos do ocorrido e ela ainda não conseguia falar no assunto”, revela Karen.
Hoje, o Instituto possui grupos de apoio coletivos e individuais gratuitos, que trabalham a prevenção e a posvenção. “As histórias de superação são muito grandes, muito fortes, quando você ouve um pai, uma mãe, descrevendo como que achou o filho…em casa… morto, é muito forte”, conta Karen. A demanda da procura pelo tema fez com que aumentasse os grupos, com dois em São Paulo, Moema e Vila Mariana, um no Rio de Janeiro e outro na cidade de Santos.
O entrevistado que não quis se identificar, conta, com muito orgulho, que acredita ter nascido de novo após sobreviver a uma tentativa de suicídio. Já para Sarah Machado, não. Para ela, dizer que se arrependeu de ter tentado é algo muito forte e que, sua meta é não querer tentar de novo.
“Não sei se eu me considero uma pessoa feliz, mas finalmente me considero uma pessoa relativamente normal, que tem os dias bons e os dias ruins. Não é um poço de felicidade, mas também não é um posto de tristeza. Tenho meus dias bons e meus dias ruins assim como qualquer outra pessoa”, revela Sarah.
Se você se identificou e procura ajuda, ligue para o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo 188, ou no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP pelo número (11) 3069-6707. Para entrar em contato com o Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do suicídio acesse a página deles no facebook.
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