O Poço (The Platform), novo suspense psicológico da Netflix, mal chegou à plataforma e já é um verdadeiro sucesso. Ele é o filme mais assistido, seguido de A Casa. No entanto, muitos não entenderam o final perturbador de O Poço.
O Poço
No filme O Poço, em um sistema prisional vertical, distribuído em níveis, há uma plataforma que desce uma vez por dia com um grande banquete. A comida fica disponível por 2 minutos em cada nível antes de passar para o próximo.
Se os dois residentes de cada nível comessem apenas o necessário, haveria o suficiente para todos. Infelizmente, a ganância dos que estão nos primeiros níveis prevalece, deixando para os que estão nos níveis mais baixos, apenas os restos ou nada.
Além disso, uma vez por mês, os presos são trocados aleatoriamente, o que significa que os que estão embaixo podem subir e se vingar daqueles que, anteriormente, os deixaram morrer de fome.
O conflito central de O Poço é a luta de um homem, Goreng (Iván Massagué), que entrou na prisão voluntariamente, com o objetivo de ficar por seis meses, para parar de fumar, conquistar um certificado e, finalmente, ler Don Quixote.
Goreng precisa lutar para sobreviver e manter sua sanidade, enquanto tenta realizar mudanças dentro daquele sistema desigual.
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Essa matéria contém spoilers do filme O Poço, da Netflix.
Explicação do final de O Poço
Há muitas interpretações para o final de O Poço, que podem envolver sociedade, política e religião. Em todas elas pode-se ver, da forma mais dura, a que ponto o ser humano pode chegar. Como o homem busca sobreviver a qualquer custo, esquecendo-se do próximo.
Quando a plataforma chega no (inesperado) último nível, o 333, há uma criança escondida. Os personagens Goreng e Baharat (Emilio Buale Coka) descem da plataforma para ajudá-la e a plataforma sobe sem eles.
Presos naquele nível, eles dão à criança a panna cotta (que seria entregue aos administradores como sinal de missão cumprida) para comer.
Baharat, então, conclui que aquela criança é a mensagem, o propósito. Goreng adormece e, quando acorda, encontra Baharat aparentemente morto. Quando a plataforma chega no dia seguinte, Goreng entra com a criança.
A plataforma, então, desce mais ainda, onde Goreng tem uma conversa (ou seria um sonho?) com Trimagasi (Zorion Eguileor). Ele diz a Goreng que sua jornada terminou, porque ele não é a mensagem. Goreng concorda e sai da plataforma para se juntar a Trimagasi. A criança, assim, sobe até o topo da plataforma.
Há uma perfeita relação entre o enredo do filme e os sistemas econômicos. Se os prisioneiros concordassem em consumir apenas o necessário, ninguém passaria fome. Mas o que acontece é o contrário disto. Uma crítica ao capitalismo, marcado pela desigualdade social, pode ser entendida disso.
Mas em determinado momento, quando Goreng e Baharat decidem distribuir à força as rações de comida, pensando nos necessitados nos níveis mais baixos do poço, a jornada é feita com extrema violência, e os dois acabam matando quase metade de todos os integrantes do poço, nível a nível, para preservar a comida – uma crítica ao sistema comunista, historicamente marcado por muita violência, também pode ser compreendida disso. Mas o filme vai muito além de uma simples crítica aos sistemas econômicos do mundo.
A metáfora de O Poço que ninguém entendeu ainda
O Poço é um filme complexo e cheio de analogias. Por essas razões, pode ser que você não tenha entendido a mensagem do filme, ou tenha deixado passar alguma informação que comprometa o entendimento da obra por completo.
Então, chegou a hora de analisarmos o filme como um todo, a narrativa, os elementos, as analogias e traduzir todo a história para você. Vamos lá…
Logo na primeira cena do filme, nos deparamos com a seguinte frase: “Há 3 tipos de pessoas. As de cima, as de baixo e as que caem.” Esta frase já diz muito sobre o filme e sintetiza a primeira problemática apresentada por ele: o paradoxo social que permeia a vida de todas as pessoas, em diferentes sociedades – de como encarar a extrema pobreza a lidar com o infindável luxo-, e o abismo social que essas condições causam, além de como as pessoas lidam com sua individualidade (interesses pessoais) e o todo (interesses coletivos).
A segunda problemática ganha forma quando na sequência inicial é apresentada uma linda e luxuosa cozinha, com todos vestidos de branco, luminárias brancas, fartura de alimentos e um clima de superorganização. Este local representa o céu, que no decorrer do filme veremos que é representado pelo andar 0 do Centro Vertical de Autogestão, mais conhecido como poço. O poço, por sua vez, representa a vida humana como um todo e suas crenças religiosas, onde existe céu e inferno, pessoas boas e ruins, diferentes classes sociais e mais. É neste conceito de poço que aparece a segunda problemática do filme: como o indivíduo busca sua própria evolução dentro deste sistema que é o mundo para, ao fim de sua vida, ter se tornado uma pessoa melhor do que entrou, percorrendo este longo caminho.
Para contar essa história, o filme faz uma releitura do BHAGAVAD GITA – uma das Bíblias do Hinduísmo, que conta a história da conversa de Arjuna (um humano em busca de evolução), com Krishna (Deus), que se apresenta em diferentes formas ao longo do caminho de Arjuna para sua própria guerra interior do seu “Eu espiritual x Eu material” – no filme, o ser em evolução é representado pelo protagonista Goreng, e Krishna aparecendo como seus diferentes companheiros de cela, Trimagasi, Imoguiri e por fim Baharat.
Quando Goreng acorda no nível 48, um nível médio, onde existe algum tipo de alimento e lucidez, seu companheiro de cela é Trimagasi, um velho radical, extremamente objetivo, livre de sentimentos, sensações e arrependimentos. Muito ligado ao materialismo, Trimagasi come muito e não se importa com outros indivíduos do poço. Trimagasi representa o lado material/racional de Goreng que precisa ser vencido para que ele passe para outro nível. Esse perfil se consolida quando ele presenta o elemento que escolheu levar ao poço, sua faca extremamente afiada. Outro elemento do filme que confirma a teoria de que Goreng está no poço em busca de evolução é que ele leva o livro Dom Quixote, uma obra que ilustra a busca entre razão e emoção.
Ainda no nível da Razão, Goreng entende que nos níveis superiores do Poço as pessoas não tem muitas coisas com que se preocupar, então acabam pensando muito e alguns até se suicidam. Já nos níveis inferiores, as pessoas se assassinam pela própria sobrevivência. É neste nível da razão que Goreng é questionado se acredita em Deus, e é também quando aparece pela primeira vez Maharu (nossos instintos primitivos animais).
Logo Goreng e Trimagasi caem para o nível 171, onde o personagem principal é comparado a um Caramujo que precisa ser purificado. No momento em que Trimagasi tenta justificar seu crime de canibalismo, Goreng diz: “Quero avisar que responsabilizo você. Não as pessoas acima. Não as circunstâncias. Nem a administração. Só você.”. Esta frase mostra o início da purificação de Goreng como indivíduo, que começa a entender que sempre existirão formas de justificar atitudes injustificáveis.
Neste momento surge novamente Miharu, que o salva e Goreng literalmente mata seu lado racional extremista. Quando ele come a carne de Trimagasi, aquele ato simboliza que ele está recebendo o racional de uma outra forma, agora dominando este sentimento e não mais sendo dominado ou direcionado por ele.
Quando Goreng domina seu lado racional, desperta seu lado emocional. É quando ele sonha com Miharu, dá espaço para ter sentimentos por ela e acorda no nível 33.
Lá, com ele, estão Ramsés II (o cachorro) e Imoguiri, a velha que representa seu lado Emocional. É no nível 33 (idade de Cristo) que Goreng desperta sua compaixão pelo próximo, começa a montar pratos para os níveis abaixo e começa a pensar em como racionar comida.
Em seguida reaparece Miharu, desta vez ferida – e se ela realmente representa seu lado primitivo, é ali que ela começa a perder força. Goreng a recolhe e cuida, e quando Miharu finalmente está bem, ela sacrifica o cão Ramsés II, o símbolo do Êxodo do povo escolhido, conforme o Velho Testamento da Bíblia cristã e a Torá judaica.
Quando Goreng acorda no nível 171, Imoguiri se suicidou. É a representação de que o lado emocional já tem seu dever cumprid. Para manter-se vivo, Goreng come sua carne, também mostrando controle e domínio sobre este sentimento.
Esta ideia é ilustrada pelo diálogio entre Trimagasi, Imoguiri – ambos já mortos-, e Goreng: “Não vai comê-la?”, Trimagasi pergunta, ao que Imoguiri responde: “Claro. Por isso me enforquei. Teria sido mais fácil pular, como vários outros fizeram. Mas quis deixar um presente, meu corpo. Por favor, coma-o.”
Nível 6. Já com domínio sobre seu lado Racional e Emocional, Goreng agora está pronto para evoluir com seu lado Espiritual, que é representado por Baharat, um homem negro forte, virtuoso e otimista.
É neste nível que Goreng já está muito mais lúcido e com menos fome. Já deixou seu lado individual para traz e busca a melhora do coletivo, fazendo do poço um lugar melhor para todos. É neste momento que ele entende que a mudança do mundo tem que partir dele, e não do próprio mundo. Ele entende que para chegar ao topo, ele precisará descer até o final, conhecer os mais profundos segredos do poço e não se deixar ser dominado por ele.
Quando Goreng e Baharat começam a descer e fazer o racionamento da comida, temos um claro recorte da sociedade, onde as elites (dos primeiros níveis) se mostram amedrontados e mansos diante de tamanha agressividade. A classe média (níveis intermediários) se revoltam e brigam, os famintos (níveis baixos) se mostram indefesos e gratos e os miseráveis (nível extremamente baixo) se mostram insanos.
É neste momento que eles elegem a Panna cotta como um símbolo. Algo que transitará por todo o poço e retornará intacto, sem se deixar estremecer ou abalar. Na sequência, Miharu aparece sendo assassinada por membros do poço, e ali morrem os instintos mais primitivos de Goreng.
Goreng, acompanhado de Baharat, segue em busca do fim do poço, apegados à “mensagem” da Panna cotta, um símbolo eleito por eles como algo abençoado.
Ao chegarem no nível 333, o fim do poço, o meio do caminho entre o céu e o inferno (666) é quando Goreng encontra a filha de Miharu e, em sonho, tem a visão (dada por Deus em forma de Baharat) de que a menina é a mensagem. A mensagem representa o sagrado, que transita por todos os níveis deste mundo, sem se sujar, sem se abalar, sem esmorecer e servindo de exemplo para os outros.
No momento em que Goreng desce do último nível 333 para a escuridão, ali ele está quase purificado, e uma luz divina paira sobre ele e a menina. E inicia-se o diálogo final, entre Goreng e seus Eus interiores:
– Sua Jornada terminou, Caramujo.
– Ainda não. Preciso subir com a garota.
– Mas você não é a mensagem.
– Sou o mensageiro.
– A mensagem não precisa de mensageiro.
Agora sim Goreng está purificado, ao entender que a mensagem de paz não precisa de um mensageiro, como as religiões fazem, mas sim que ela se faz percebida e necessária independente de quem a traga.
Ficha técnica do filme O Poço
Título: El Hoyo (Original).
Lançamento: 2020.
Dirigido por: Galder Gaztelu-Urrutia.
Duração: 95 minutos.
Gênero: Ficção Científica, Suspense, Terror.
País de origem: Espanha.
Assim, para aqueles que gostaram do filme O Poço, o filme Cubo (1997) pode ser o próximo item de sua lista. Ele conta a história de um grupo de pessoa desconhecidas que acordam em uma sala em forma de cubo. Logo eles descobrem que estão presos em uma espécie de labirinto, porém sem saída aparente. Para assistir basta se inscrever na Amazon Prime Video clicando aqui.
Além desse, se você gosta de séries que debatem a desigualdade social e a luta de classes, não deixe de assistir à série Expresso do Amanhã, disponível na Netflix e derivada do filme homônimo de Bong Joon-ho, à disposição no catálogo da Amazon Prime Video.
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Por Redação Fala!