O autor, muito lúcido e crítico, fez algo que eu não tinha visto nos escritores anteriores: se posicionou. E isso ele mesmo propõe como parte da análise dele na própria introdução do livro. Gosto de entender a premissa dos autores e um pouco da personalidade deles, porque sei que isso impacta diretamente na produção deles. Então, me vi preso ao livro e li mais do que os capítulos passados, já que o conteúdo é muito bom.
Essa radiografia do racismo que Abdias do Nascimento faz é muito consciente e pautada na mistura de estudos acadêmicos com empirismo e vivência. Até então, salvo engano, todos os autores anteriores comentaram sobre racismo e formação racial brasileira, defendendo até a ideia de democracia racial, não eram pessoas que sofreriam com a constituição étnica do país.
Quero dizer que, até então, não era um negro ou indígena quem estava falando sobre esse tema, o que deixava a análise parcial demais para o lado beneficiado do espectro, o que botava em xeque parte do julgamento deles. Por isso, acho ótimo que tenha um autor como Abdias, que além de ter muito embasamento teórico, fala com muita propriedade.
E é isso que ele mais faz no texto, além de desconstruir muitos conceitos da chamada democracia racial. Ele critica pesadamente Gilberto Freyre e não é gratuitamente, pois Freyre ajudou a consolidar muitos conceitos questionáveis sobre as relações étnicas brasileiras. Abdias questiona o posicionamento do racismo e do negro na nossa sociedade e, a partir de relatos históricos muito elucidativos – como as mudanças nas religiões de matriz africana -, ele traça um panorama das falácias e verdades da vivência dos negros no país.
Sendo assim, ele desmistifica que a “sobrevivência” de parte da cultura negra não se deu por um processo natural de assimilação de culturas na sociedade, mas sim, por uma luta das pessoas que foram escravizadas em resistir e lutar pelos próprios costumes.
E complementa que, ainda hoje, esses elementos culturais foram incorporados e permanecem vistos como costumes periféricos à ordem natural das cidades. Ou seja, a cultura negra é repudiada no cotidiano e, quando ela é aceita em certos pontos, isto é visto como um favor ou até mesmo motivo de mais repúdio, já que ela “não faz parte” do imaginário social brasileiro de maneira comum.
Ele comenta sobre isso, que a sobrevivência de traços culturais africanos é manipulada por pessoas de mau-caráter para “demonstrar” uma cultura de não-racismo, onde as etnias vivem harmoniosamente.
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Por Gustavo Magalhães – Fala! PUC-RIO