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Mulheres na ciência: longa jornada em busca de reconhecimento e inclusão

As mulheres estão oficialmente ocupando mais espaço na ciência brasileira, mas os números podem enganar. De acordo com dados do relatório de 2020 da editora Elsevier, “A Jornada do Pesquisador pela Lente de Gênero”, aproximadamente 44% das publicações científicas no Brasil são produzidas por pesquisadoras. A porcentagem revela um avanço positivo das mulheres no mercado da ciência, mas esconde as dificuldades cotidianas. A perspectiva da jovem cientista no Brasil, hoje, é de trabalho árduo e pouco reconhecido.

Assim que acabam o ensino médio, diversas meninas brasileiras sonham com a graduação em ciência. O caminho da pesquisa no país exige uma alta especialização, passando pelo mestrado, doutorado e, em alguns casos, o pós-doutorado. Na graduação, já surge o primeiro empecilho: quando as jovens estudantes precisam do dinheiro para o sustento.

Normalmente, é necessário trabalhar em horário integral durante a graduação para conseguir sobreviver. As universidades públicas contam com muitas graduações que também funcionam em horário integral, logo, muitas vezes, essas estudantes precisam escolher entre estudar e trabalhar.

Nesse momento, o auxílio deveria entrar como uma oportunidade para as mulheres que precisam pagar as contas da família, mas o alcance dessas bolsas diminuiu drasticamente nos últimos anos. De acordo com dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, entre 2016 e 2022, a quantidade de Bolsas Permanência ofertadas diminuiu quase 32%.

Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, MEC, mulheres na ciência
Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, MEC

Estudantes da Ciência enfrentam obstáculos na formação

Nadine Menezes, estudante do curso de Astronomia na UFRJ, já sentia a dificuldade de obter renda durante a graduação, no entanto, no meio do percurso, descobriu que estava grávida e sua realidade mudou.

Eu trabalhava e estudava, mas, num instante, eu precisei parar com toda essa rotina e estagnar tudo o que eu tinha planejado para o ano e até para a vida. Não que um filho impeça os planos, mas nesse processo algumas coisas são retardadas por conta do cuidado. Eu tive que parar tudo.

conta Nadine
Nadine Menezes, estudante de Astronomia, mulheres na ciência
Nadine Menezes, estudante de Astronomia. | Foto: Arquivo Pessoal.

De acordo com o Ministério da Educação, a Bolsa Permanência tem valor de aproximadamente 800 reais para quilombolas e indígenas e 400 reais para os demais estudantes em situação de vulnerabilidade social. O Auxílio Educação Infantil, ou Auxílio Creche, é de aproximadamente 300 reais. Um dos pré-requisitos para ser beneficiário de algumas bolsas é ter dedicação exclusiva à pesquisa, ou seja, não é possível ter um segundo emprego para complementar a renda.

Nadine afirma que a dificuldade de acesso às bolsas atrapalha não apenas as mães que estão na graduação, mas todas as mulheres: “Como suprir as necessidades de uma criança e as suas com 400 reais. Eles não deixam você complementar a sua renda, se não você perde a bolsa”.

A maioria dos cursos voltados para pesquisa tem o mercado de trabalho quase exclusivamente dentro das instituições públicas de ensino superior. Geralmente, existem poucas vagas e a concorrência é alta. Para adquirir a qualificação necessária e ter um sustento, os alunos precisam fazer a pós-graduação com bolsa, também sem poder complementar renda. Os valores para as bolsas no mestrado variam entre 1500 e 1875 reais, a depender da unidade de federação. Já as bolsas de doutorado podem variar entre 2200 e 2750.

Para Luigia Monção, aluna de Genética da UFRJ, o valor oferecido nos auxílios é insuficiente.

Um aluno de mestrado precisa viver com base em 1500 reais. É quase impossível uma pessoa fazer mestrado no Brasil, sendo bolsista, e sobreviver com esse dinheiro.

afirma Luigia

Deixando claro que os mestrandos e doutorandos estão fazendo pesquisa e criando os avanços essenciais para o crescimento do país, ela reforça: “A pesquisa precisa ser reconhecida e entendida como trabalho”.

Luigia Monção, estudante de Genética, mulheres na ciência
Luigia Monção, estudante de Genética. | Foto: Arquivo Pessoal.

Com diversos cientistas saindo do Brasil para encontrar melhores condições de emprego, a realidade das jovens pesquisadoras é de angústia e incertezas. A estudante de 23 anos afirma, com triste aceitação, o que fará caso não consiga entrar no mercado com a profissão que escolheu:

Muito provavelmente, eu vou continuar no país e mudar de área de atuação, seja procurando alguma atuação na indústria como responsável técnico, indo para a licenciatura ou mudando completamente de área, e guardando a minha graduação no bolso.

A professora e pesquisadora de Matemática e Educação da UFRRJ Ana Lisa Nishio reforça a necessidade das bolsas para a inserção das futuras cientistas no meio acadêmico.

Esse incentivo é primordial na formação de um estudante. É, com certeza, fundamental que tenha [incentivo às bolsas] e que todos tenham acesso.

destaca Ana

Durante a trajetória feminina nos estudos, principalmente quando o assunto é especialização, as barreiras sociais são evidentes. A maternidade e tarefas domésticas formam uma jornada dupla de trabalho que muitas vezes impede que essas mulheres consigam se profissionalizar.

Em 2020, a L’Oréal fez uma pesquisa com 70 das laureadas por meio do instituto inglês Kite Insights, procurando saber os principais obstáculos das cientistas. Para 61% das mulheres, responsabilidades como cuidar dos filhos são as maiores dificuldades. Além disso, 46% confirmou que as responsabilidades no âmbito familiar são desafios.

Contando sua experiência pessoal, Ana Lisa afirma que culturalmente o peso das atividades domiciliares é mais forte para mulheres do que para homens:

Eu me cobrava muito, tanto para ser uma mãe presente, uma mulher dona da sua casa presente, quanto para ser uma profissional de excelência e uma profissional buscando o melhor aproveitamento. Então, em alguns momentos, isso tudo não conseguia acontecer em uma mesma pessoa. Eu tive que trancar o mestrado por conta da maternidade, e retornar só cinco anos depois. Eu tinha vontade de terminar o mestrado e começar o doutorado logo depois, mas não consegui.

Dra. Ana Lisa Nishio, mulheres na ciência
Dra. Ana Lisa Nishio. | Foto: Arquivo Pessoal.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, publicou dados dos anos de 2010 a 2021, evidenciando que as mulheres eram duas vezes menos beneficiadas que os homens com a Bolsa de Produtividade, modalidade de apoio que recompensa cientistas com desempenho destacado.

Dados CNPq, entre os anos de 2010 e 2021, mulheres na ciência
Dados CNPq, entre os anos de 2010 e 2021

Mulheres são minoria em áreas da Ciência

Apesar do grupo feminino formar 44,25% dos cientistas ativos brasileiros, no caso de estudos na área de exatas e engenharia, as mulheres voltam a ser minoria. De acordo com dados publicados em 2020 pelo Open Box da Ciência, quando o tópico é doutorado científico no Brasil, as mulheres estão em grande número apenas em dois campos: Ciências da Saúde e Linguística, Letras e Artes.

Dados Open Box da Ciência, publicados em 2020, mulheres na ciência
Dados Open Box da Ciência, publicados em 2020

Docente desde 2010 na UFRRJ, Ana Lisa conta a sua experiência trabalhando no Instituto de Três Rios, localizado no Rio de Janeiro:

Trabalho em um departamento em que na área de exatas só tem eu de mulher como professora. Num geral, essa estatística pode nos enganar um pouco, porque em outros lugares podem ter mais professoras. Mas em todos os âmbitos, na minha área, eu sempre me deparei com mais homens do que mulheres, da graduação à pós-graduação.

Mulheres pretas e pardas na pesquisa

Em 2016, o Censo da Educação Superior identificou que as mulheres pretas e pardas com doutorado não chegam a 3% do total de docentes do país. A professora e pesquisadora da PUCMinas e UFRJ Pâmela Guimarães, especializada em “Processos Comunicativos e Práticas Sociais”, afirma que gênero e raça sempre se apresentam como marcadores juntos.

Contando sua experiência pessoal, ela exemplificou alguns obstáculos que mulheres pretas enfrentam na pesquisa.

Eu sempre precisei me dedicar o dobro para obter metade do reconhecimento e oportunidade que outros estudantes tinham. Passei por questões simples, como as interrupções em falas, e mais complexas como a troca de orientação. O mesmo se aplica às oportunidades.

conta Pâmela
Dra. Pâmela Guimarães, mulheres na ciência
Dra. Pâmela Guimarães. | Foto: Arquivo Pessoal.

Ao notar a alta reprovação de alunos negros no programa de pós-graduação da UFMG, Pâmela criou, junto com outras duas docentes, o grupo de estudos pré-acadêmico “Orientação Afirmativa (oa)” e atuou como professora voluntária. O projeto foi um sucesso, contando com 21 alunos aprovados para o mestrado na UFMG e PUC Minas, desses, 80% eram mulheres.

Para Nadine, estudante de exatas e única mulher preta de sua turma, o medo do racismo estava presente desde o início da graduação.

Em 2019, entraram muitas garotas [no curso de Astronomia da UFRJ], mas negra somente eu. Eu criei num primeiro momento uma insegurança muito grande, quando fui até lá e me deparei com essa realidade. Vieram vários pensamentos como ‘E se eu não me enturmar’ ou ‘E se eu for tratada diferente’. Não que eles tivessem feito nada comigo, mas por conta dos traumas que a gente passa na vida, do preconceito que a gente passa todos os dias, a gente acaba tendo esse receio.

conta Nadine

Me sinto muito feliz por ser uma porcentagem, mesmo que pequena, mas que existe e está ali. Uma representatividade grande e forte. Eu espero, cada vez mais, quebrar as barreiras e conquistar os espaços que negros ainda não conquistaram ou que poucos conquistaram. E que esse número aumente e a gente continue avançando.

complementa a futura astrônoma

Mulheres amarelas, como a pesquisadora Ana Lisa, e indígenas também são um grupo menor na academia. Os dados do Open Box da Ciência comparam os docentes do grupo feminino e masculino, considerando diferentes raças, e mostram a necessidade de inclusão.

Open Box da Ciência (dados publicados em 2020), mulheres na ciência
Open Box da Ciência (dados publicados em 2020)

Para a pesquisadora Pâmela Guimarães, além de abordar a racialidade, é necessário observar que mulheres LGBTQIA+, como lésbicas e transexuais, também sofrem com o apagamento. Segundo ela: “Todas as políticas públicas devem ser pensadas levando em consideração a vida daquele que será beneficiado. Penso que as mulheres são muitas, dessa forma é preciso pensar em políticas que abarque toda essa pluralidade”.

Sendo assim, de acordo com Pâmela, alguns exemplos de políticas públicas que apoiam o público feminino são: políticas afirmativas de acesso, auxílio creche, auxílio financeiro diferenciado, levando em conta que mulheres são as maiores cuidadoras, e licença maternidade remunerada.

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Por Eduarda Soares e Izabela Abreu – Fala! UFRJ

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