É comum na jornada de um diretor que, em certo momento da carreira, preste uma homenagem ao cinema. Filmes sobre fazer filmes. Filmes sobre ser um artista. Como Damien Chazelle fez, em 2016, com La La Land, retratando a fantasia de Los Angeles que o fez se apaixonar por cinema e os musicais dos anos 30 e 40. Assim como o mais recente Era Uma Vez…em Hollywood, de Quentin Tarantino. Aqui, em Hollywood, Ryan Murphy e Ian Brennan também escrevem sua carta de amor aos filmes e à antiga Hollywood da Era de Ouro, mas o fazem através de uma lente contemporânea e desafiadora dos ideais de uma Los Angeles preconceituosa.
Hollywood segue uma gama de personagens que, cada um à sua maneira, trazem consigo características que os afastam da chance de serem reconhecidos. Murphy não é novato quando se trata de contar histórias com protagonistas marginalizados, basta olhar para sua carreira e escolher qualquer projeto. De Glee passando por O Assassinato de Gianni Versace e Pose, Murphy consagrou em suas narrativas um estilo visual e temático.
Não é a primeira vez que Murphy prova que é um apaixonado por entretenimento e conhece a história de sua profissão. Em 2017, com Feud, o showrunner, em oito episódios, retratou um dos mais conhecidos conflitos de estrelas nos sets de O que Terá Acontecido a Baby Jane? entre Joan Crawford e Bette Davis, popularizando seu mundo com nomes como Jack Warner, Hedda Hopper e Victor Buono.
Análise da série Hollywood
Aqui, com sete horas para explorar uma era passada e seus ícones, misturando personagens fictícias com figuras reais da indústria do entretenimento, buscando construir um mosaico do que eram as injustiças do sistema de estúdios, Ryan Murphy rapta um período da história de Hollywood e o reescreve à sua imagem, perguntando-se “como seria se…?” e imaginando uma linha temporal onde as conquistas que se fazem, atualmente, haviam sido iniciadas oitenta anos atrás.
No entanto, Hollywood não apresenta a consistência de outros trabalhos de Murphy para satisfazer com sua resolução de conto de fadas. O retrato aqui feito não evoca a seriedade e comprometimento de séries como Feud ou The People v. O.J. Simpson. Mas não se trata de sutileza na hora da execução, e sim uma busca por refinamento na palavra e na imagem.
Hollywood peca por seus diálogos extremamente expositivos que, por carregarem tanta emoção, se traduzem em caricaturas da realidade vivida por suas personagens com suas aparições repetitivas durante a história. Assim como a retomada recorrente de um de seus artifícios narrativos que força a suspensão voluntária da descrença, relembrando momentos de produções como Riverdale.
Por outro lado, não é possível ignorar completamente o talento escondido entre algumas passagens constrangedoras dos episódios. Contando com antigos colaboradores de Murphy, como Patti LuPone (American Horror Story, Pose), Dylan McDermott (American Horror Story, The Politician), Jim Parsons (The Normal Heart) e Darren Criss (Glee), a entrega das atuações consegue compensar pelos deslizes encontrados na narrativa, fazendo a parte crível da história mais compensadora do que os momentos de pura exposição verborrágica.
Assim, como Tarantino, Ryan Murphy também usa de seu espaço para corrigir um erro do passado. Durante os anos 20 e 30, Anna May Wong era a única real estrela de origem chinesa em Hollywood, passando pela transição do cinema mudo apenas para ser considerada um estereótipo de exoticidade asiática durante sua carreira.
Dessa forma, com a adaptação do vencedor do Pulitzer de literatura A boa terra pelo estúdio MGM, em 1937, Anna pensou ter a chance de interpretar uma personagem que não era marginalizada por sua descendência, O-Lan. No entanto, com a escolha do ator Paul Muni para interpretar o protagonista e interesse romântico de O-Lan, Anna não poderia ser escolhida por conta do Código Hays que proibia miscigenação de ser apresentada em filmes. Anna May Wong nunca chegou a ser indicada ao Oscar. Luise Rainer, atriz alemã que interpretou O-Lan, ganhou seu segundo Oscar seguido pelo papel.
Em Hollywood, Murphy trata de lidar com tal injustiça, assim como faz para seus outros personagens, concluindo nesta primeira temporada uma missão que parecia ser o foco desde o começo: dar voz àqueles que não têm, concluindo que o poder carregado pelos filmes não é o problema, mas sim, a solução.
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Por Vinícius Soares Pereira – Fala! Cásper