A primeira cena já é de tirar o fôlego de qualquer um. Jahkor (Ashton Sanders) mira suas armas em Malcolm (Stephen Barrington) e em sua esposa e os assassina em frente à filha do casal. Logo depois, há o corte para um tribunal, onde o personagem de Sanders se recusa a explicar o motivo para o crime cometido, mesmo para sua mãe Delanda (Kelly Jenrette) e sua namorada Shantaye (Shakira Ja’nai Paye). Assim, o jovem é julgado e começa a cumprir pena perpétua em uma prisão em Oakland, na Califórnia, onde o filme é ambientado.
Escrito e dirigido por Joe Robert Cole, corroteirista do premiado Pantera Negra, de 2018, Dias sem fim traz a autorreflexão como o plano de fundo para o desenvolvimento da narrativa proposta. Jah, como é chamado pelo seus amigos e família, traz à tona durante todo o filme momentos críticos de sua infância e juventude que o construíram e o levaram à sua atual situação, desde momentos com seus amigos na escola até outros com seu pai JD (Jeffrey Wright), que também está cumprindo pena na mesma prisão que o seu filho. Ao seu lado, Jah reflete sobre a relação dos dois, sempre muito instável e conturbada, e também sobre sua ligação com a violência, frequente na sua vida desde pequeno.
O longa de Cole, lançado na Netflix em 1º de maio, apresenta mais camadas que um tradicional filme sobre crime. No caso de Dias sem fim, há uma análise considerável sobre o ciclo vicioso de violência em que o protagonista está inserido e como as influências passam através de gerações, porém, sempre no mesmo contexto social.
A história de Jah é contada por meio de três fases da sua vida: o atual momento na prisão com seu pai, os meses anteriores aos assassinatos cometidos e a sua infância. Aos poucos, o diretor revela os pensamentos e atitudes de Jahkor através desses períodos e o que o levou a cometer o crime.
Depois de descobrir que sua namorada estava grávida e de tentar diversas entrevistas de emprego, ele se aliou ao traficante Big Stunna (Yahya Abdul-Mateen II) e ao amigo TQ (Isaiah John) e deixou de lado as tentativas na carreira como rapper. Jahkor narra em uma das cenas mais fortes da trama — quando ele, criança, vê seu pai matando outro homem — “Quando a vida comum parece menos provável que ganhar na loteria, às vezes, as escolhas que têm não parecem como escolhas e que poder a gente tem além de ser o bicho-papão de alguém?”. Toda essa construção do personagem mostra como o sistema impõe decisões imediatas e instintivas de pessoas que têm raízes numa sociedade injusta e racista.
Ashton Sanders entrega um protagonista complexo e, mesmo através de poucas falas, consegue garantir a densidade proporcionada pelo drama por meio das narrações e de suas expressões e olhares, assim como atuou no ganhador do Oscar de ‘Melhor Filme’ em 2017, Moonlight.
A proposta do longa não é trazer Jahkor como um herói ou vilão, mas sim, discutir todas as nuances de um sistema que promove escolhas compulsórias e invalida as consequências desses atos. As gangues, crimes e drogas são aqui, diferente de outros filmes do gênero, somente um representação da vizinhança e das condições em que os personagens estão submetidos. O real foco é explicá-los como seres individuais, que apesar do meio em que, usando palavras de Jah, “sobrevivem”, ainda possuem desejos e ambições individuais.
Em alguns momentos, o excesso de cenas traz a sensação de que o filme é mais longo do que realmente é, de modo que algumas delas se tornam descartáveis e poderiam ser retiradas sem prejuízo ao resultado final. Alguns detalhes e personagens poderiam tomar mais tempo de tela, como quando Jahkor trabalha por um tempo em uma loja e recebe diversas ofensas racistas, além de faltar explorar as camadas de Shantaye e seu amigo de infância Lamark (Christopher Meyer). Talvez, assim, o longa ficasse ainda mais consistente mesmo com menos tempo de duração.
Em outra de suas narrações, Jah reflete: “O juiz me disse que era o fim da minha liberdade, mas não me lembro de ser livre”. O filme pode não ser um clássico, mas traz temas extremamente importantes a serem debatidos, ainda mais por ter cenas muito emocionantes e intensas. Vale a pena assistir!
Sinopse e trailer oficial:
Condenado à prisão perpétua, um jovem reflete sobre as pessoas, as circunstâncias e o sistema que o levaram a cometer um crime.
FICHA TÉCNICA: Dias sem fim (Original Netflix)
Título Original: All day and a night
Duração: 121 minutos
Lançamento: 1 de maio de 2020
Distribuidora: Netflix
Dirigido por: Joe Robert Cole
Classificação: 16 anos
Gênero: Drama
País de Origem: EUA
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Por Ana Luisa Bremer – Fala! USP