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Como funciona a Lei Rouanet

A Lei Rouanet, renomeada este ano Lei de Incentivo à Cultura (8.313/91), recebe diversas críticas e dúvidas sobre seu funcionamento. O decreto, criado em 1991, nomeado em homenagem ao então secretário da cultura, Sérgio Paulo Rouanet, tem como objetivo principal o fomento à cultura no Brasil. Desde financiamento de peças teatrais até livros, a lei deixa sua marca nas principais realizações culturais. 

Dentre tantos auxílios para a formação sociocultural do país, questiona-se o porquê de tanta represália à lei. Ela falha na transparência de informações e resultados, desde de quem recebe os benefícios (denominados proponentes), até as produções realizadas. A obscuridade da Rouanet permite com que ela fique à mercê de pré-julgamentos da sociedade, sob a divulgação midiática, e ascende a dúvida sobre o que é cultura no país.

Recursos

O dinheiro arrecadado advém de dois tipos de doadores, pessoas físicas e empresas privadas, que têm em troca o desconto da quantia doada de seus impostos. Contudo, há restrições à doação, sendo permitido, apenas, a reversão de 4% do total de impostos pagos pelas instituições privadas e 6% pagos pelos cidadãos. O Governo é responsável por regular tais transações, mas não como um financiador direto da lei. O Estado realiza um processo de apuração e, então, seleciona, por meio da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura), quais projetos podem ser financiados. Tal comissão é composta tanto por civis como por pessoas do poder público e conta com reuniões mensais.

Adriana Mortara é pesquisadora do Instituto Butantã e membro da CNIC. Ela explica que, “quando o projeto cultural chega para análise de algum membro da CNIC, ele já passou pela admissibilidade, pela vinculada (IPHAN, FUNARTE, IBRAM ou Biblioteca Nacional), por parecerista externo e por publicação em diário oficial”. Logo, há diversas peneiras para que um projeto chegue ao site, sendo todas as etapas de seleção baseadas em critérios comuns que se baseiam em dimensões socioeconômicas.

Um dos princípios para a avaliação é ampliar o acesso da população aos bens, conteúdos e serviços culturais. É sobre retribuir à sociedade e valorizar as produções nacionais. Sob o formato de geração de empregos e renda, fortalecimento de empresas e internacionalização, são difundidos agentes culturais públicos e privados do país. 

E o que o Brasil ganha com essa Lei?

Ela incentiva a produção cultural por todo o país, e financia desde a manutenção da Pinacoteca, em São Paulo, até o Projeto Timon Caboclo, no Maranhão. A arte passa a ser menos focada no eixo RJ/SP e mais acessível. Nos últimos cinco anos, mais de três bilhões de ingressos foram distribuídos gratuitamente por todo o país pela Rouanet, segundo a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic). O acesso à cultura é mais do que democratização do entretenimento mas, sim, a expansão do conhecimento do indivíduo, ao gerar novas formas de ver o mundo e estabelecer mais criticidade no pensar. Sendo o poder de reflexão uma arma quase imbatível a tiranias das mais diversas contra o indivíduo. O lucro para o país é incontável.

A São Paulo Companhia de Dança (SPCD) é uma empresa financiada pelo Estado de São Paulo que realiza espetáculos de dança. Morgana Lima, diretora de educação e comunicação da SPCD, conta que no decorrer dos anos, desde a fundação em 2008, houveram diversos cortes orçamentários e torna-se mais difícil realizar os projetos com o que lhe é repassado pelo Governo. Incentivos como a Lei Rouanet passam a ser essenciais para a produção dos espetáculos. Entre eles, O Lago Dos Cisnes, que captou mais de 700 mil reais via Rouanet – aproximadamente, 70% financiado pelo Banco Itaú – e foi um dos maiores espetáculos do grupo, tendo mais de 15 mil espectadores.

Fonte: Arthur Wolkovier

A gente dança de muitas formas”, diz Morgana. Ela conta que os bailarinos da Companhia fazem sucesso no exterior e as apresentações, que acontecem geralmente na Europa, geram uma receita para a empresa. Com esse recurso captado a mais, a SPCD consegue realizar projetos culturais aqui no Brasil, como o Meu amigo bailarino, em que os dançarinos vão a hospitais, casas de repouso e Fundação Casa. Levam a cultura da dança para muitos brasileiros que não têm acesso a esse tipo de arte.

Além do incentivo cultural, há ganhos econômicos. Segundo um estudo realizado pela FGV, a Lei gerou, de 1993 a 2018, um impacto de R$ 49,8 bilhões ao país, sendo R$ 31,2 bilhões doados e R$ 18,5 bilhões da cadeia produtiva que envolve uma realização cultural. Em uma realimentação da economia, a cada R$ 1,00 doado, R$ 1,59 retornam à sociedade.

Assim, mesmo que o Estado “perca” dinheiro indiretamente por um tempo, logo esses recursos voltam quando os eventos acontecem. Em entrevista à BBC Brasil, Fernando Alterio, presidente da Time For Fun, que realiza shows e peças musicais,  relata que recursos abdicados voltam em forma de novos empregos. “Hoje, a indústria de musicais gera, aproximadamente, 11 mil empregos diretos e 40 mil empregos indiretos.”

Ressalvas à Lei

Apesar de ser uma importante financiadora da cultura no Brasil, a Lei Rouanet precisa de muitas melhorias. O que acontece é que há ainda uma grande concentração de investimentos na região Sudeste. Segundo dados do antigo MinC, de R$ 3.9 bi investidos em projetos no ano de 2016, R$ 2.9 bi foram para o Sudeste e o resto dividido entre as outras regiões.

A desigualdade é resultado de uma visão retrógrada da sociedade, em que São Paulo e Rio de Janeiro se tornaram os centros das atenções dos investidores, com 80% dos financiamentos. Enquanto isso, muitos projetos que não pertencem a tal núcleo são esquecidos nas pastas do site da lei.

A decisão de quais projetos serão financiados é feita, majoritariamente, por grandes empresas que delimitam qual tipo de cultura o brasileiro tem acesso. Os produtores que não têm muita fama são ofuscados por não terem visibilidade na mídia.  

Temas que não agradam e condizem com ideais das empresas tendem a ser evitados. O patrocínio à cultura é utilizado como uma estratégia de comunicação da empresa com seu público-alvo. Financiar eventos culturais com temas polêmicos, como drogas e sexualidade, pode desagradar um espectro de consumidores.

Financiamento

Um dos tópicos mais polêmicos é a validade de determinados eventos receberem ajuda financeira pela Rouanet. A lei é alvo de crítica quando artistas famosos buscam auxílio como proponentes. Giovanna Ewbank foi tanto centro de críticas como de questionamentos ao decreto, por ser beneficiária por um documentário que apresenta uma viagem dela a Fernando de Noronha. 

 Em 2013, verbas foram destinadas a desfiles de moda de luxo, sendo um deles em Nova Iorque e outro em Paris. Já a balada Club A, frequentada pela elite paulistana, recebeu R$5.7 mi para a construção de um painel artístico. O questionamento é até que ponto um tipo de arte é mais digno de receber investimentos que outro. A Lei Rouanet tem como objetivo principal a democratização da cultura. Eventos luxuosos não cumprem esse papel.

Quais as mudanças da Lei Rouanet no Governo Bolsonaro?    

Atualmente, a Lei passa por um momento adaptação. O presidente Jair Bolsonaro reduziu o teto de investimento de R$60 mi para R$1 mi por projeto, mas as mudanças deixam claro que a Lei não vale para todos os setores. No entanto, essa avaliação é feita de maneira subjetiva, e determina algumas expressões de arte mais válidas que outras.

Segundo o site da lei,

planos anuais e plurianuais de atividades de entidades sem fins lucrativos, muito usados por museus e orquestras sinfônicas; os projetos de conservação e restauração de imóveis, monumentos, sítios, espaços e demais objetos, inclusive naturais, tombados por qualquer esfera de Poder; os projetos de preservação de acervos, de exposições organizadas com acervos museológicos de reconhecido valor cultural e de construção e implantação de equipamentos culturais. Está incluída ainda como exceção a construção de salas de cinema e teatro em municípios com menos de 100 mil habitantes.

Músicas clássicas e museus são priorizados. Mas, em um vácuo de investimentos, essas artes continuam precarizadas e desgastadas na estrutura. Enquanto isso, cidades com menos de 100 mil habitantes, ganham maior visibilidade no investimento. 

Ainda há uma dificuldade de haver um consenso entre a sociedade sobre o que é cultura e, principalmente, se deve ser financiada com dinheiro público. A Lei De Incentivo à Cultura visa a democratização no país. Mas cultura permanece um status social.

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Por Adriana Teixeira – Jornalismo Jr. ECA USP

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