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Por que o cinema continua adaptando a história das irmãs March

O ano de 2010 marcou o cinema. Kathryn Ann Bigelow, diretora de The Hurt Locker (Guerra ao Terror, 2009), ganhou o Oscar de melhor direção. Era a primeira vez em 81 anos que uma mulher ganhava respectivo prêmio.

81 anos. Durante a história do cinema, a representatividade feminina obteve pouco reconhecimento no que tange às principais premiações ao redor do mundo, fator de fácil comprovação quando analisadas categorias técnicas, além dos prêmios de melhor atriz e melhor atriz coadjuvante. Ao longo dos anos, constantes adaptações de Little Women (Mulherzinhas) — e as transformações pelas quais os bastidores de cada produção passaram — revelaram uma perspectiva positiva para a representatividade feminina, especialmente no cenário norte-americano.

Tais produções eram adaptações do livro da escritora estadunidense Louisa May Alcott, cuja obra, publicada em 1868, gira em torno de quatro irmãs — Jo, Meg, Beth e Amy — e suas vidas ao lado da mãe durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Fiéis ao enredo principal, todos esses filmes, associados ao trabalho de Alcott, tinham um diferencial quanto às demais produções do cinema: destaque sobre a figura feminina.

Tudo começou em 1917. A primeira adaptação, hoje considerada perdida, ou seja, não encontrada em nenhum arquivo público, de estúdio ou em coleções privadas, foi lançada em formato mudo e, curiosamente, por tratar-se de um roteiro baseado numa obra americana, produzida no Reino Unido. No ano seguinte, uma versão americana, semelhante à anterior, foi distribuída pela Paramount Pictures.

A história atingiu maior popularidade em 1933, com uma adaptação que tinha Katharine Hepburn, considerada a maior atriz de sua geração, interpretando o papel de Jo March. Traduzida como As Quatro Irmãs, foi a primeira a ganhar distribuição em solo brasileiro. O longa recebeu quatro indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme.

Dezesseis anos depois, a família March brilhava novamente nas telonas internacionais, inclusive no Brasil, onde a adaptação recebeu o título de Quatro Destinos. Enquanto June Allyson interpretava Jo, Janet Leigh — que onze anos mais tarde entraria para a história da sétima arte com sua icônica atuação em Psycho (Psicose, 1960) — interpretava a doce Meg March. Duas indicações técnicas foram dadas à produção no Oscar de 1950.

É evidente o poder atrativo do enredo principal, responsável pela consolidação de sua relevância. Com o crescimento da indústria cinematográfica estadunidense, mostrava-se fundamental o financiamento de longas-metragens com tom patriótico, muito presente no contexto de Little Women.

Entretanto, é necessário estabelecer uma divisão técnica na linha cronológica de adaptações da obra. Todos os filmes citados foram dirigidos e produzidos por homens, consequência da grande desigualdade de gênero na produção audiovisual, atrelada ao machismo existente no meio. Apesar do enfoque recebido por essa questão nos últimos anos, a desigualdade permanece.

“Não houve alteração significativa na presença feminina por trás das câmeras nos filmes comerciais americanos — que em geral é o caso das adaptações de Little Women” diz Luísa Pécora, jornalista e fundadora do site Mulher no Cinema. Ela ressalta que, de acordo com um estudo da San Diego State University, mulheres representaram 8% de quem dirigiu os 250 filmes de maior bilheteria nos EUA em 2018. Em 1998, esta porcentagem era de 9%.

Em 1994, período próximo ao evidenciado pela pesquisa da San Diego State University, era lançada a mais bem-sucedida adaptação de Mulherzinhas, traduzida como Adoráveis Mulheres para o mercado brasileiro, sendo a primeira dirigida por uma mulher.

Com Winona Ryder no papel principal, a película comprovou a importância da representativa feminina no cinema, possibilitando olhar mais aproximado com a história de Alcott a partir da direção de Gillian Armstrong. Apesar de ser o terceiro remake, foi reconhecido pela Academia e indicado aos prêmios de Melhor Atriz, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora.

Confirma-se o apreço do público e dos críticos pelo cenário histórico, a força feminina e a manifestação da cultura norte-americana. “Tenho três irmãs e, na adolescência, assistimos juntas o filme Quatro Destinos e amamos. Cada uma de nós assumíamos uma identidade relacionada às personagens do filme” relata a professora Miriam Arruda Pereira, grande fã das adaptações.

“Como no filme, havia entre nós um forte vínculo de amizade, e a nossa mãe, apesar de viver num contexto repressor, era, como Marmee, mulher forte, com pensamento de vanguarda e ‘empoderada’” ela completa, em referência à mãe das irmãs March.

A direção de Armstrong foi aclamada pela crítica [Imagem: Joseph Lederer/Columbia]

No ano de 2018, uma versão cinematográfica, dirigida por Clare Niederpruem, obteve destaque nos cinemas norte-americanos. O enredo principal apresentava uma novidade: se passava nos dias atuais, em substituição ao cenário do século 19.

Apesar de não ter sido sucesso de críticas, o longa obteve recepção positiva por parte do público em geral. Os fãs do clássico foram contemplados com uma produção que, apesar da mudança de ambientação histórica, manteve a essência de sua fonte, assegurando a permanência do amor ao próximo e a perseverança humana no decorrer da trama

2019. A Sony Pictures programou o lançamento da nova adaptação para o mês de dezembro. Convém destacar a importância da data, uma vez que se trata do período no qual os prováveis concorrentes ao Oscar são lançados no mercado estadunidense, comprovando a confiança depositada pelo estúdio no poder da película.

E é fácil de entender o porquê: dirigido e escrito por Greta Gerwig, que atingiu notoriedade com seu filme Lady Bird (Lady Bird, É hora de voar, 2017), o longa contém um elenco de peso que inclui Meryl Streep, Emma Watson, Saoirse Ronan, Florence Pugh e Timothée Chalamet. A história, ainda que recontada diversas vezes, promete destacar a vida adulta das irmãs March. O filme foi alvo de críticas nas redes sociais devido à escassez de diversidade étnica e racial no elenco.

Apesar das críticas, a aposta da Sony Pictures em Greta Gerwig — e em Little Women, consequentemente — reflete a busca por maior representatividade feminina no Oscar 2020,  premiação na qual a discrepância entre feminino e masculino é gritante. Segundo Pécora, “a desigualdade de gênero nas premiações de cinema reflete a desigualdade de gênero da própria indústria cinematográfica norte-americana.

Não há como mulheres serem indicadas a prêmios por trabalhos que não existem, não foram vistos, ou não foram distribuídos e divulgados da mesma forma que os filmes com homens nestas posições. Se houver mais igualdade no cinema comercial americano, a tendência é que haja mais igualdade também nas premiações”.

No que tange à divulgação, ao ser anunciado na revista americana Variety que haveria possibilidade de Little Women substituir o novo filme do aclamado diretor Tarantino no Festival de Cannes, diferentes usuários demonstraram descontentamento e alegria nas redes sociais.

“É hora de escolhermos diretoras mulheres que estiveram silenciadas por muito tempo. Arrase, Greta Gerwig!” publicou uma usuária americana em sua conta do Twitter ao discordar de um fã de Tarantino.

Há necessidade de incentivo às produções semelhantes às adaptações da obra de Alcott. Num mundo permeado por caos, o cinema nos presenteia com história de irmandade e superação, responsáveis pela criação de um sentimento catártico no telespectador.

Assim como gerações passadas tiveram sua própria versão cinematográfica da história, torcemos para que as próximas reproduzam o feitio. Afinal, como realçado por Miriam Pereira ao descrever sua admiração por Little Women: “Um filme tocante, emocionante e que marcou minha família de modo peculiar, nó na garganta, olhos embargados e coração palpitando forte…”.

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Por Matheus Zanin  – Jornalismo Jr. ECA USP

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