Lana Del Rey faz de si mesma seu mais profundo objeto de estudo, fora de sua típica plasticidade estética
Em 2021, Lana Del Rey entregou dois álbuns de estúdio. O primeiro, Chemtrails Over The Country Club, lançado em março, trouxe uma mudança de gênero musical profunda na carreira da artista. Com fortes inspirações do som folk/country, del Rey apresentou um início do que viria a ser estudado com mais profundidade e sabedoria agora com Blue Banisters.
Quando Lana anunciou seu segundo álbum para 2021, as expectativas foram abaladas pelo histórico recorrente de adiamento dos lançamentos da cantora. Blue Banisters teve algumas diferentes datas para o verão estadunidense, mas acabou encontrando no outono seu grandioso lançamento. Uma temporada que está marcada para muitas entregas aguardadas pelo público. Blue Banisters é com certeza um dos pontos altos desse período.
Blue Banisters apresenta um novo lado de Lana del Rey que nunca vimos
Com Text Book, um dos singles promocionais do álbum, é possível compreender bem qual o propósito deste lançamento para Lana: uma oportunidade de revelar sua própria história ao mundo, como ela quer que seja contada, a sua visão e vivência sem desculpas ou mentiras. Em seu antecessor, Chemtrails, Del Rey deu um início a este processo de rompimento com o passado em que sua persona tomava mais conta do trabalho. Canções como White Dress trouxeram nova luz à forma como Lana se apresenta para o público. Não mais uma garota que faz da tristeza sua fonte de beleza e inescapável fim, mas sim uma mulher que viu tal garota evoluir e fazer as pazes com seus sentimentos, mesmo que eles ainda a atormentam.
Em Blue Banisters, Lana Del Rey traz de volta antigos colaboradores na produção de um som menos plastificado. São baladas de piano que servem de trilha para as histórias narradas pela voz delicada de Lana. Já não encontramos mais tanto a presença de seu grave sensual e dramático nas faixas deste álbum, o momento é um de sinceridade. Aqui estou, assim eu canto, assim eu sou, ela parece dizer.
Com canções que retratam o período atual, assim com foi feito no álbum de 2019, Norman Fucking Rockwell, onde Lana canta sobre os incêndios da Califórnia e a corrida presidencial, anunciando o fim do mundo, em The greatest, aqui, com Black Bathing Suit, a artista detalha recortes da cena de sua quarentena. O apego deste álbum à realidade é uma fuga das típicas referências ao passado na discografia de Del Rey.
É também em Black Bathing Suit, com uma produção mais experimental e crua, que a sonoridade do álbum lembra o aclamado Fetch the Bolt Cutters de Fiona Apple. Um álbum que foi aclamado por críticos e eleito como um dos melhores de 2020, que foi, porém, ignorado pelo Grammy. Este é um paralelo interessante de se traçar. Lana, diferente de Fiona Apple, não tem seu Grammy e, ainda assim, sua influência para a indústria musical é inegável.
Sua última indicação foi para Norman Fucking Rockwell, álbum que foi colocado no topo das listas mais prestigiadas sobre música do ano de 2019. Deste momento em diante, Lana parece ter se desprendido completamente da jornada que a indústria tenta impor na maioria dos artistas e começado a escrever e lançar suas canções apenas pelo prazer e oportunidade de se fazer vista como realmente é.
As construções das letras de Blue Banisters não têm um tempo típico de músicas pop. Lana dança entre os versos e refrões criando momentos individuais para cada um deles. Neste sentido, a produção mais limpa de piano é essencial para um bom funcionamento do álbum como um todo. Ainda assim, isso não quer dizer que os demais instrumentos não encontram seu brilho. A mudança de tempo no refrão de Black Bathing Suit traz memórias da emblemática West Coast, conhecida por sua passagem incrivelmente sensual e etérea.
A finalização de If You Lie Down With Me evoca um instrumental dançante de jazz com sentimento de anos quarenta e, então, temos o rock visceral de Dealer. A colaboração com Miles Kane transporta o ouvinte para um cenário de estrelas do rock setentista onde Lana expõe, não pela primeira vez, seus vocais potentes. A faixa é um momento gritante de libertação da raiva e frustração. Vale mencionar Living Legend como uma das declarações mais intoxicadas de paixão que Lana lança desde California, com uma finalização onde sua voz é transformada em um choro de guitarra. Sua súplica mais feroz para entender como pode o amor manchar alguém de tal forma enquanto grita “why, why, why, why, why, why, why ,why?”.
Para compor Blue Banisters, del Rey recorreu também a seus projetos antigos e engavetados, como as faixas Thunder e Cherry Blossom, que já eram conhecidas por seus fãs que acompanham materiais vazados, mas que foram entregues com uma nova roupagem para encapsular o sentimento do álbum. A nova Thunder traz os violinos cinematográficos característicos da cantora, mostrando que se livrar do peso estético de seus trabalhos antigos não significa deixar de lado seus gostos próprios. O apreço de Del Rey por hip-hop, por exemplo, encontra lugar no interlúdio do álbum que introduz uma batida ao clássico das trilhas do cinema de faroeste The Trio.
Blue Banisters é a comprovação de que Lana del Rey não busca se fazer relevante através de grandes hits. Seu nome se manterá ecoado e não será esquecido da mesma forma que os grandes astros do rock a quem homenageia. Trata-se da construção de uma discografia excepcional a ser estudada e relembrada por gerações que vão vir e perceber o impacto que essa artista chamada Lana del Rey teve na música que eles escutam.
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Por Vinícius Soares Pereira – Fala! Cásper