Em todo o mundo, aumentam as preocupações com as consequências do coronavírus em diversos setores sociais enquanto as questões sobre o cuidado com a saúde mental são deixadas de lado
Em meio à pandemia do coronavírus, as autoridades governamentais tem demonstrado uma grande preocupação com a economia, estudos sobre possíveis medicamentos que podem retardar os efeitos da doença e com a possibilidade da criação de uma vacina antiviral. No entanto, em meio a tantas inquietações, tem sido deixado de lado aquela que, sem o cuidado necessário, pode ser tão letal quanto o vírus nesse momento de tensão: a saúde mental.
Desde que a doença começou a atingir os países do mundo todo, seus respectivos governos têm adotado medidas para controlar o avanço do vírus – cuja infecção ocorre de forma acelerada – como o isolamento social, o fechamento de empresas e comércios não essenciais e a quarentena coletiva.
No Brasil, ainda que alguns estados tenham optado por não adotar o método de isolamento social, a grande maioria das cidades que instituíram restrições de circulação, evitando aglomerações, tem obtido efeitos positivos no combate à doença.
No entanto, o período de isolamento social tem sido nocivo ao tratarmos sobre a saúde mental das pessoas em quarentena, daqueles que enfrentam o vírus e dos profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente no combate ao coronavírus.
Dados obtidos a partir de uma pesquisa realizada à distancia apontam que 45% dos entrevistados, sendo 24% deles com idade entre 15 e 19 anos, sofrem de ansiedade e 30% desses jovens afirmam que, durante o período de quarentena, os sintomas causados pela ansiedade se intensificaram de forma significativa.
Em entrevista com a psicóloga Ana Carolina Paulini Marturano (CRP-06/88987), graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, ela explica que o fato da pandemia ser desconhecida, a tendência é que tenhamos manifestações de medo e ansiedade, que até certo ponto é normal.
“A ansiedade nos faz pensar como lidar com o desconhecido, mas é preciso ter cautela com o grau desse sentimento”, afirma Ana, apontando para o possível desenvolvimento de uma síndrome do pânico em decorrência da ansiedade.
A psicóloga também chama a atenção para o fato de que o isolamento pode intensificar os sintomas de ansiedade pois “culturalmente temos o hábito de interagir afetivamente com os demais, então, se estamos isolados sem ter o cuidado com a saúde mental e acompanhando somente notícias ruins, a ansiedade acaba sendo acentuada”.
Além disso, a pesquisa ainda demonstra que 82% dos entrevistados afirmam que têm lidado com a ansiedade acessando plataformas de streaming e redes sociais, o que contraria o que especialistas haviam estipulado, isto é, que nesse período, haveria uma maior aproximação de familiares que estão isolados juntos.
Para isso, Ana explica que estar com a família durante o isolamento também é algo novo, visto que a maioria das pessoas passam a maior parte do tempo fora, no trabalho, restando pouca disponibilidade para a família. Nesse momento, as relações familiares estão mais próximas e intensas, e por outro lado, estas mesmas questões podem fazer com que as pessoas se refugiem nas redes sociais.
No entanto, Ana afirma que é necessário se ater ao tempo em que estamos conectados nas redes sociais devido ao bombardeio de notícia, muitas vezes tristes ou negativas, sobre a pandemia a todo momento, o que também pode intensificar e desencadear crises de ansiedade, depressivas, e o medo intensifica transtornos mentais.
Embora a maioria da população esteja isolada em suas casas, é preciso também chamar a atenção para os casos de pessoas que foram afetadas pela Covid-19 e, principalmente, a sua saúde mental, que se não for bem cuidada, pode afetar a saúde física e piorar o quadro.
Um jovem de apenas 20 anos, estudante do curso de Rádio, Tv e Internet da Faculdade Cásper Líbero, foi um dos atingidos pelo vírus e teve seus primeiros sintomas – febre, cansaço físico, dores de cabeça e calafrios – no dia 16 de março. Guto Franco relata que assim que os sintomas se manifestaram, ele recorreu ao hospital e foi submetido ao teste que detectava o vírus em 48hrs, mas que a recomendação dos profissionais da saúde era de se isolar em casa até que o resultado do teste ficasse pronto. Antes de obter a confirmação do caso, Guto afirma que estava com a consciência tranquila de que não era Covid-19.
Porém, após dois dias da espera do resultado, Guto recebeu um telefonema do hospital alegando que havia testado positivo para o novo coronavírus. “Fiquei muito assustado e nervoso, tive um choque de realidade porque estava acontecendo comigo, e a gente acha que nunca vai acontecer com a gente”.
O estudante relatou ainda que era comum que, qualquer dor que sentisse, atribuísse a uma possível piora de seu caso e isso intensificou sua preocupação. Porém, seus sintomas, de fato, se intensificaram e teve de voltar ao hospital para realizar novos exames e seu estado emocional estava extremamente frágil, principalmente, após a notícia de que seus pulmões haviam sido comprometidos e que deveria ficar internado.
“Lembro que a médica disse que não poderia deixar que eu voltasse para casa porque se eu tivesse uma piora em casa, no sentido pulmonar, uma insuficiência respiratória, ela não conseguiria me salvar”. Guto não precisou ser intubado, mas foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, neste caso, não poderia ter um acompanhante, no caso, seu pai.
Fiquei muito chateado porque esses comentários pesam muito e meu pai, muito preocupado com o fato de me deixar sozinho, e a situação ficava cada vez mais delicada. No momento em que meu pai assinava os documentos, meu psicológico estava tão abalado que comecei a chorar. O medo me assolava e muitas coisas ruins passavam pela minha cabeça. Era um sentimento de incerteza.
Relata Guto
Em seu depoimento, Guto conta ainda que naquele momento, seu psicológico estava ainda mais afetado do que seu físico, por ter que lidar com o seu quadro de saúde sozinho, além de ter de lidar com rumores de falecimento que ouvia na UTI.
“Lembro que naquele momento, minha única reação foi começar a rezar”. O estudante expôs que não teve nenhum acompanhamento psicológico do hospital e afirma que achava necessário.
Mesmo que as enfermeiras estivessem presentes a todo momento e que recebesse mensagens de carinho de muitos amigos e familiares, eu senti falta de alguém que me ajudasse a lidar com aquele medo e a solidão que eu estava sentindo.
Conta Guto
Felizmente, Guto reagiu muito bem após a segunda semana de internação e, ao voltar para casa, conseguiu conviver junto de seu pai por mais de 14 dias. “O fato de estar em casa, acompanhado do meu pai, fez com que meu psicológico melhorasse muito, bem como a minha saúde”.
Por fim, Guto explica que não tem a pretensão de começar um tratamento psicológico pois não desenvolveu um trauma muito significativo e acredita que não só ele, como o mundo, vai valorizar mais os momentos mais simples, os pequenos gestos, e conclui: “Eu espero que o mundo se torne mais unido depois dessa pandemia, porque acho que quanto mais unidos estivermos, mais forte seremos”.
Em contrapartida ao depoimento de Guto, precisamos nos ater também à saúde mental dos profissionais de saúde que estão na linha de frente no combate ao vírus. Como afirma a psicóloga Ana Carolina, “mesmo que os médicos e enfermeiros estejam prontos para lidar com a perda de pacientes, eles merecem um cuidado especial pois lidam diariamente com um número gritante de mortes pelo vírus, com as incertezas, medo de contaminar seus entes queridos, e de se tornar uma vítima”.
Estagiária de Enfermagem em um grande hospital da capital paulista, Thábata Mayumi tem trabalhado na linha de frente no combate ao coronavírus. Em entrevista, Thábata relata que sofre de ansiedade e que, ao colocar-se na linha de frente, a princípio, percebeu uma intensificação desse sentimento, mas já que o hospital em que trabalha, oferece acompanhamento psicológico – por meio de exercícios de relaxamento – aos profissionais, ela tem conseguido lidar com sua ansiedade.
Thábata ainda conta que, para evitar maiores preocupações, além daquela que já tem com relação a transmissão do vírus para os seus familiares, evita a leitura de noticiários e que prefere não comentar sobre acrise do vírus com os familiares, até porque, lida com isso diariamente.
Por fim, a estagiária de Enfermagem evidencia a importância do acompanhamento psicológico ao profissional da saúde e afirma que por ser algo novo, a pandemia vai mudar o cenário de muitas profissões, inclusive a dela, mas “vou tratar todos os pacientes com toda cautela que eu já tratava antes da pandemia, porém, com uma atenção maior com as EPI’s (Equipamento de Proteção Individual)”.
Ainda que a OMS (Organização Mundial da Saúde) tenha feito um guia para que cada um possa lidar com a sua saúde mental, é fundamental que haja alternativas mais eficientes, propostas pelos governos, para assegurar a saúde mental de cada setor da sociedade.
Como bem posto pela psicóloga Ana Carolina, “é preciso um atendimento psicológico tanto para os pacientes e seus familiares, para os profissionais de saúde na linha de frente, quanto para as outras profissões essenciais, tendo em vista que estão todos abalados emocionalmente. Estando em acompanhamento psicológico desde já, no futuro poderão lidar melhor com os problemas relacionados a saúde mental”.
Por fim, a psicóloga separou algumas dicas para que consigamos lidar bem com esse período:
É importante que o indivíduo não se prenda muito aos noticiários para evitar pensamentos ruins, mas ainda assim, procure notícias positivas também sobre a pandemia, veja vídeos de pessoas que se recuperaram, para manter também, o pensamento positivo.
Além disso, Ana Carolina ainda recomenda que o indivíduo faça o que goste, converse por videochamada com familiares e amigos, exercite-se, assista a filmes, séries e lives que gosta, organize sua casa, aprenda algo novo, conecte-se com você mesmo e, por fim, sugere àqueles que estão em sofrimento psíquico e não estão conseguido lidar, procure por algum serviço psicológico, por hora, on-line.
Assim, seguindo as orientações da OMS com relação as medidas restritivas e cuidando da saúde mental em casa, podemos lidar de forma mais leve com a pandemia.
Vídeo feito pela psicóloga Ana Carolina sobre como enfrentar o isolamento social e cuidar da saúde mental:
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Por Júlia Brito Maciel – Fala! Cásper