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Amizades diferenciadas: o que pode mover a imaginação de uma criança

Toda criança arruma um jeito de fazer amizade com qualquer coisa que lhe der na telha. E você? Quando mais jovem também tinha seus amigos diferenciados? Pois é, eu tive uma: Juliana! Agora, chegou o momento de compartilhar contigo essa nossa história.

Se cada pessoa fosse tão humana quanto as crianças que um dia foram, o mundo estaria um tanto menos chato para sonhar. E de sonho em sonho, um menino acordou ansiando para brincar com suas fantasias e bonecos, espalhava tintas pelas paredes da pequena casa onde morava com os pais.

O pedaço de mundo a sua volta, talvez, o achasse solitário: ver um garoto falando sozinho quase que o tempo todo, talvez, fosse um tanto melancólico para os observadores já frustrados com suas vidas despedaçadas e amordaçadas em seus silêncios (ocultas janelas da alma a dentro).  

A criança fazia planos com o mundo que via nos jornais, ainda não sabia o que formava as letras, mas lia o que os rostos das figuras diziam. Tinha poucos amigos e a rua parecia um terror e, como um aspirante a ser humano, na falta do que fazer, inventou sua liberdade.

Tinha um lençol salmão que a sua avó havia dado num dia de frio e, agora, era uma espaçonave. Ou, para os mais analíticos e visionários, ali estava o primeiro protótipo de realidade virtual. Havia diferenças (claro!): o garoto mesmo programava em sua mente, ele mesmo criava o roteiro e personagens. Se num dia estava atravessando os Anéis de saturno fugido de seres inefáveis, num outro estava conversando com os peixes procurando saber de Iemanjá atrás do Forte São Marcelo.  

Alguns milhões de horas passaram, transformando-se em anos e o nosso garoto havia se banhando com as gotas do tempo. E, então, se mudara. Para mais distante do mar que tanto amava, se viu desolado. Seu instrumento de viagem não cabia mais em seu corpo esticado pelos meses passados.

Ainda retraído com toda virada de sua pequena vida neste confuso planeta, fez do teu novo quarto um refúgio: o caderninho de desenhos virou um diário de emoções, o computador virou um amparo para todas as horas, o travesseiro um confessionário e a cama um divã. Da sua janela, via a praça e crianças a brincar. Ele foi até elas e brincou, conheceu outros seres e viu outras facetas de humanidade. Mas alguém em especial havia lhe encantado.  

O menino viu aquele ser brotando naquela praça num dia, que não ficou registrado na memória, mas anotado em seu coração. E a percepção de seus olhares e corpos era quase que perfeita, perpendicular, simétrica. Eles se entreolhavam com frequência e seus batimentos, talvez, fossem sincronizados. E, enfim, se apresentaram, descobriu, então, Juliana.  

Ela adorava a terra e fincar seus pés no chão, ele a olhava crescer e tomar o espaço em seu coração. Regavam a amizade, dia após dia, noite após noite. A mente do menino voava enquanto Juliana externava sua juba que deixava qualquer um boquiaberto, ela era bela demais. E com todo esse carinho, o menino conversa sobre o seu dia, ali sentado num banquinho.

Enfrentaram problemas juntos também, amores e dores. Aprenderam a içar as mangas. Se é que elas davam ali também. Eram unidos. E a primavera mentirosa dos trópicos trazia esperança à Juliana sobre seus problemas e o guri via em seus olhos que deveria quebrar-lhe um galho. Venceram mais essa dificuldade juntos.  

E, assim, folheada e verde feito a vida novamente, ela estava de bem com a vida e florida! Portanto, os dois estavam. Brigavam pouco, se quer saber, pois só tinham aquela praça para brigar e o jovem (não mais garoto) não gostava de fazer cena e via que a vida já era turbulenta demais para ter brigas irrelevantes com essa sua amiga.

E, assim, seguiam bem os dois. E hoje? Ainda são amigos e vizinhos, se falam todos os dias quando o dito homem sai para o trabalho e volta de sua labuta. Às vezes, se sentam e conversam na praça que cresceram, enquanto outras pessoas passam e fazem uma cara para o homem como se ele fosse algum louco. Parece asneira como essa gente já gosta de opinar no que não sabe, não é, leitor? Pois é, talvez seja a vida em si ou só uma brincadeira. Ainda não fez sentido? Perdoe-me, esqueci-me de avisar: Juliana é uma mangueira. 

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Por Mateus Anjos – Fala! UFBA

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