O rap teve sua origem na década de 60, na Jamaica, quando surgiram os sistemas de som que eram colocados nas ruas dos guetos para animar os bailes. Com o aumento da violência em 1970, muitos jovens jamaicanos imigraram para os EUA, levando suas tradições e cultura. O DJ jamaicano Kool Herc, foi responsável por introduzir a tradição dos sistemas de som e do canto com uma fala rítmica e rimada que é cantada, o rap. Produzido e consumido pelos moradores dos subúrbios, o rap trouxe desde a sua origem questões como pobreza, violência e racismo, e foi com essa influência que o movimento chegou na década de 80, no Brasil. Saiba mais sobre a história do rap nacional.
A chegada do rap no Brasil
Os Mc’s, Dj’s e dançarinos de breaking começaram a se reunir na estação do metrô São Bento e na galeria 24 de Maio, em São Paulo. A partir desses encontros, surgiram alguns dos maiores nomes do rap nacional como Thaíde, o grupo Racionais MC’s e Nelson Triunfo que é um dos grandes responsáveis por propagar o estilo.
Os encontros foram crescendo e o rap foi se espalhando pela cidade de São Paulo, reunindo cada vez mais jovens que deram início as equipes de baile black como o Chic Show, que chegou a produzir uma coletânea chamada “O Som das Ruas”, com músicas de artistas presentes no som das festas. No final da década de 80, foi lançado o primeiro CD brasileiro de hip-hop, o Hip Hop Cultura de Rua, que trouxe trabalhos de Thaíde & DJ Hum, MC Jack e Código 13. Mas, foi somente na década de 90 que o rap começou a ganhar espaço nas rádios de todo o país, um dos programas que trouxe maior visibilidade foi o Movimento de rua, da Rádio Imprensa.
Podemos dizer que foi nos anos 90, que o rap “estourou” no Brasil, isso se deve não somente a popularização do estilo, mas também aos diversos artistas que surgiram na cena e as obras lançadas nesse período. A essência do hip-hop se manteve, e assim o rap foi usado para expor os problemas sociais enfrentados pela periferia como a violência policial, e essa exposição gerou a perseguição policial enfrentada por vários rappers na época.
Nomes do rap nacional
Em 1993, o grupo Racionais MC’s, lançava seu terceiro disco de estúdio, “Raio X do Brasil”, considerada uma das mais importantes obras, o LP colocou o rap entre os estilos mais conhecidos do país. Formado por Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay, o Racionais MC’s se tornou o mais influente e importante grupo de rap do Brasil. Com mais de 30 anos de carreira, ganharam diversos prêmios como o Prêmio Hutúz – o mais importante prêmio de rap da América Latina – quando venceram em 2009, como melhores artistas da década, e ainda tiveram um dos principais álbuns do grupo “Sobrevivendo no inferno”, selecionado como material para o vestibular de 2020 da Unicamp.
A importância do grupo para a cultura brasileira e principalmente periférica é imensurável, pois eles foram os precursores do estilo e quebraram diversas barreiras trazendo o rap para todas as classes sociais, mantendo a ideologia e sempre impactando com suas letras como na música “Diário de um detento”, que relata o massacre ocorrido no Carandiru, quando uma intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com o objetivo de conter uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, causou a morte de 111 detentos.
Ainda na década de 90, outros nomes começaram a fazer sucesso como Black Alien, MV Bill e Rappin’ Hood, a dupla Thaíde & DJ Hum lançou o álbum “Preste Atenção”, com a faixa “Sr. Tempo Bom” que traz as memórias de Thaíde sobre sua infância e adolescência, essa se tornou uma das principais músicas do rap nacional.
Já nos anos 2000, o Brasil conheceu o rapper Sabotage. Nascido em 1973, no estado de São Paulo, Mauro Mateus dos Santos, mais conhecido como Sabotage, entrou para a cena do rap depois de se envolver com o tráfico de drogas. O rapper trouxe músicas que estavam fora dos padrões para a época, ele também falava sobre a vida na favela e suas dificuldades, mas escrevia de uma maneira diferente e trazia um “flow” inovador. Com o apoio da família RZO, viu suas canções ecoarem por todo o país, o artista lançou apenas um álbum “Rap é compromisso”, que vendeu mais de 1 milhão de cópias e é considerado atemporal.
O músico se tornou ainda consultor técnico do filme “O Invasor” e “Carandiru”, em que também interpretou o personagem Fuinha. Ganhou diversos prêmios, entre eles o Prêmio Hutúz de 2002, nas categorias revelação e personalidade do ano. Infelizmente, em 2003, Sabotage foi assassinado e sua carreira teve um fim inesperado, mas seu legado permanece e já foram feitas várias obras para homenageá-lo, seu álbum continua sendo um dos mais importantes para o rap nacional. A história de vida de Sabotage, trouxe à tona a realidade de muitas pessoas da periferia, um jovem com muitos talentos e de uma genialidade indiscutível, mas que não teve oportunidades e entrou para o crime, o que mais tarde causaria sua morte precoce aos 29 anos.
As mulheres também ganharam seu espaço na cena, Negra Li, que era integrante do RZO, fez diversas colaborações com outros artistas e atuou na série da Rede Globo, Antônia, sobre a história de quatro amigas que formavam um grupo de rap. Nega Gizza, lançou o álbum “Na Humildade”, abrindo o caminho para outras rappers e ganhou o Prêmio Hutúz, em 2002 na categoria “melhor demo de rap”.
A partir de 2003 o cenário do rap passa por algumas mudanças, gerando um declínio que duraria alguns anos. Ainda assim, nesse período também foram lançadas obras importantes como “A Procura da Batida Perfeita”, de Marcelo D2, “A peste negra”, DMN, e “Essa é a Cena”, do grupo Facção Central. Em 2006, foi lançado álbum “Ainda há tempo” do rapper Criolo, fundador junto com Cassiano Sena e o DJ Dandan, da Rinha dos Mc’s, um projeto de extrema relevância que possui batalhas de fresstyle, shows, e exposições de grafitti e fotografia.
Emicida
O rapper Emicida, que participava de batalhas de rima desde 2005, lançou sua primeira mixtape em 2009, intitulada “Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…”, o álbum consagrou o artista que vendeu aproximadamente treze mil cópias somente no “boca a boca”. Emicida se tornou o retrato da transformação do rap nos últimos anos. O rapper começou sua carreira com músicas em um estilo mais pesado, como eram as rimas dos anos 90, como em “Trinfo”, que fala da morte do pai e da sua infância de extrema pobreza, suas letras demonstravam sua “revolta” e tristeza por tudo que viveu. Naquele momento haviam passado mais de 20 anos desde a chegada do rap ao Brasil, e os relatos da realidade repleta de dificuldades eram os mesmos, assim como ainda acontece hoje.
Quebrando barreiras e marcando uma nova era para o rap nacional, Emicida se apresentou no programa Altas Horas, da Rede Globo, em 2010. A emissora já havia sido duramente criticada por outros rappers que eram conhecidos por não se apresentarem nas grandes mídias. Nos anos seguintes, o artista lançou os álbuns “Emicídio” e “Doozicabraba”, foi o primeiro brasileiro a se apresentar no festival Coachella nos EUA, subiu duas vezes nos palcos do Rock in Rio, na cidade do Rio de Janeiro, e estreou como VJ na MTV com o programa “Sangue B”, que tinha como foco a música negra. Mas, nem todos apoiaram essa mudança e ele sofreu duras críticas, muitas vezes foi acusado de ser “vendido” para a grande mídia e na cena seu nome não era benquisto por fãs e outros músicos.
Foi com o lançamento do álbum AmarElo em 2019, e posteriormente o documentário em 2020, que o rapper legitimou a transformação do seu trabalho. As letras cada vez mais poéticas, falam não somente dos problemas, mas também da beleza e importância da cultura negra, das matrizes africanas, sua origem e tudo que ele aprendeu e descobriu na sua jornada. Hoje, Emicida, é considerado um dos maiores artistas da sua geração, um rapper que desafiou todas as estatísticas, transformou não só a sua carreira, mas marcou essa mudança na história do rap, e quem acompanha seu trabalho vive essa evolução de pensamento, cultura e representatividade.
Nessa nova era, nomes como Djonga, Filipe Ret e Cynthia Luz fazem muito sucesso e são tidos como o futuro do rap, com uma musicalidade diferente, muitas vezes o “flow” que Sabota já usava nos anos 2000, e muita mistura de ritmos o rap hoje tem vários estilos desde o romântico até o ostentação. Entre os fãs, principalmente na internet, toda essa mudança traz diversas discussões. Há quem diga que a nova geração é “Nutella” e não tem a mesma ideologia de lutar contra o sistema, mas os próprios artistas ,como Mano Brawn, Edi Rock e Criolo, demonstram total apoio e fazem diversas colaborações com os novos rappers trazendo ainda mais visibilidade e demonstrando união.
É importante perceber a evolução do rap, e a importância do trabalho de todos os artistas envolvidos nessa função que já dura mais de 40 anos. O reconhecimento e o respeito que a cultura negra tem hoje no nosso país vem muito da música, assim como o samba mundialmente conhecido e prestigiado, o rap tem em sua essência a mistura de influências rítmicas, a musicalidade diferenciada, a poesia e muitas outras coisas, mas acima de tudo, têm a substância de representar a realidade de pessoas pretas, pobres e periféricas e ser um símbolo de resistência.
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Por Barbara Andrade – Fala! Universidade Cruzeiro do Sul