Sabe aquela série que você aprende, se diverte, fica triste, feliz e desenvolve uma afetividade inexplicável pelos personagens? Uma lista de séries que surpreendeu o público e tem um espaço reservado no coração de uma legião de pessoas pode rapidamente vir à sua mente. Mas, nesta matéria, o leitor conhecerá ou, se já conhecer, terá motivos de sobra para maratonar uma série que alcança uma quantidade enorme de fãs de todas as idades e de todo o mundo a cada nova temporada lançada.
Sex Education, produção própria da Netflix, apesar de ser considerada uma série adolescente, aborda temáticas de extrema importância sobre sexualidade, autoconhecimento, afeto, amizade e muito mais, sendo destacada por sites, especialistas, críticos e, claro, pelos fãs como uma referência quando o assunto é a educação sexual de jovens e adultos, tema que, por si só, ainda desperta medo, repúdio e insegurança, além de continuar carregando um tabu histórico para milhões de pessoas. Isso se dá pela forma suave como os tópicos são abordados no decorrer da narrativa, que mescla cenas picantes, cômicas, conscientizadoras e reflexivas em uma perfeita harmonia em três temporadas de sucesso e aclamação da crítica técnica, sendo a mais recente lançada em 17 de setembro.
A série, ambientada no interior da Inglaterra, acompanha a trajetória de Otis Milburn, filho da terapeuta sexual Jean Milburn. O jovem rapaz, com dificuldades de expressar seus sentimentos amorosos e sexuais, estuda na escola local, Moordale School, considerada por muitos como “a escola do sexo” devido aos episódios cotidianos envolvendo estudantes viciados em relações sexuais por estarem passando pelo normal processo de autodescobrimento das intimidades e dos gostos pessoais. Ele, junto ao seu melhor amigo Eric Effiong, tentam se encaixar no colégio, fazer amigos e aproveitar a vida adolescente e tudo o que ela oferece.
Confira, com o menor número possível de spoilers, 5 dos mais variados motivos pelos quais você deve acompanhar a história e mergulhar no gostoso enredo de Sex Education, série cada mais necessária em uma sociedade em constante movimento como a nossa!
5 motivos para você assistir Sex Education
1 – Leveza na abordagem dos assuntos
A imensa maioria dos pais, principalmente os que fazem parte de uma cultura mais conservadora e retrógrada, ainda sentem dificuldades em iniciar conversas ou até mesmo em responder às perguntas dos filhos relacionados à educação sexual. Grande parte dessa dificuldade é ocasionada por pensamentos ainda enraizados na sociedade de que esse ramo da educação se refere quase que exclusivamente ao ensinamento de posições sexuais, “transicionamento de gênero” e “escolha de sexualidade” e que falar abertamente sobre o assunto com jovens e crianças iriam incentivá-los a iniciar uma vida sexual precoce.
Na série, esse conceito de “repúdio” à educação sexual parece ser totalmente desmanchado com uma abordagem leve e mais natural possível dos assuntos que interessam aos jovens. O protagonista, por exemplo, e como já mencionado aqui anteriormente, tem uma mãe especializada em terapia e educação sexual, trabalhando tanto com casais quanto com pessoas solteiras, que frequentemente aconselha e presta apoio a Otis nessa fase de autoconhecimento, abrindo espaço para falar sobre masturbação, relacionamento, relação sexual (como uso de preservativos, não só para evitar uma gravidez indesejada, mas também para se proteger de infecções sexualmente transmissíveis, as DSTs) e afins, tudo de forma espontânea e calma, sem ultrapassar os limites individuais ou pressioná-lo.
Em outro caso, a terapeuta tenta ajudar uma estudante, da mesma escola do filho, a lidar com as dores que as aflige, especialmente depois de ter sofrido um terrível abuso no transporte público ao se dirigir à escola, enquanto também dialoga sobre consentimento, mostrando a importância de falar acerca dos excessos e dos diversos abusos que todos, especialmente as mulheres, estão vulneráveis no cotidiano, além de deixar claro que nunca se deve culpar a vítima em casos de abuso.
2 – Críticas sociais
Mesmo sutis, as críticas sociais estão presentes na narrativa. Embora muitas possam passar despercebidas pelos telespectadores, aquelas que possuem um teor polêmico maior sempre recebem a devida atenção e entram nas pautas de muitos fãs e internautas. Talvez a maior delas e que mais tenha atraído olhares devido à carga histórica e ácida cercada de tabus que divide opiniões ao redor do mundo seja o episódio em que uma das amigas do protagonistas teve que, por escolha própria, realizar a interrupção da gravidez (aborto) em uma clínica especializada. Em uma realidade distante da vivenciada no Brasil, o aborto é legalizado na Inglaterra até, no máximo, a vigésima quarta semana de gestação, fazendo com que ela não tenha que passar por longos processos burocráticos ou pedir algum tipo de autorização à justiça local para conseguir realizá-lo.
A crítica não se faz presente na escolha pessoal da personagem em interromper a gestação, mas, sim, na dupla de religiosos que, com dizeres de ódio escritos em cartazes, protestam na frente da clínica com o intuito de “conscientizar” as mulheres que ali chegavam para abortar e convencê-las a mudar de ideia. Imitando a realidade, a dupla faz uso dos dogmas cristãos para condenar e aterrorizar não só quem pretende passar pelo procedimento, mas também quem acompanha, como o caso de Otis, que, demonstrando apoio à colega, vai ao seu encontro nesse momento delicado. A mensagem que essa pequena trama quis passar perpassa pela discussão acerca do papel e da interferência – ou os limites dela – da igreja e dos cristãos nas questões sociais que desembocam diretamente nas diretrizes da laicidade do estado.
Em outras ocasiões, alguns alunos discutem sobre a homossexualidade como crime na Nigéria, país de origem da família de um estudante homossexual, e, em uma cena curtíssima que pode passar batida pela maioria dos telespectadores, a diretora cumprimentando um discente branco como sendo o líder estudantil, embora o aluno sentado ao lado dele, negro, seja o verdadeiro líder, explicitando, sutilmente, a temática do racismo estrutural até mesmo dentro das escolas.
3 – Força estudantil
Na terceira temporada, uma nova diretora assume o comando da escola depois que alguns acontecimentos tiveram uma péssima repercussão durante a gestão do diretor anterior. Uma das promessas da nova comandante – talvez a principal delas – é colocar a escola em um novo direcionamento, mudando disciplinas, metodologias e formas como cada professor deve abordar cada assunto, especialmente a de educação sexual, que, como uma maneira de seguir essa nova cartilha, teve o nome modificado. Um dos métodos propostos pelos novos “valores” escolares arquitetados pela diretora, inclusive, teve grande rejeição dos discentes por tentar pregar a abstinência entre os alunos, afirmando que o sexo é perigoso e maléfico, devendo, por isso, ser evitado ao máximo. Os alunos estranharam essas mudanças repentinas e descabidas e, com lideranças estudantis, juntaram-se para retirar tais medidas e mostrarem que não estão nada de acordo com esse tipo de ensino mais conservador.
4 – Diversidade e representatividade
O amplamente discutido conceito de representatividade, trazido por sociólogos, influenciadores e estudiosos em geral, também invade as telas. A necessidade de uma representação ostensiva de grupos sociais considerados marginalizados e minorias sempre existiu, mas apenas recentemente é que está sendo possível observar essas diversas representações existentes sendo introduzidas em papéis de destaque dentro do audiovisual.
O astro da natação da escola nas duas primeiras temporadas é negro, o personagem considerado como um dos principais na trama é negro e homossexual e uma das alunas mais aplicadas, inteligentes e expressivas é negra e integrante de um grupo de nerds que representa a escola em competições de habilidade intelectual fora do campus. Uma nova figura que carrega uma representatividade enorme para um público quase 100% invisibilizado até mesmo dentro do meio LGBTQIA+ foi apresentada aos fãs na terceira temporada. Cal Bowman é não-binário, isto é, não se
5 – Boa avaliação e recepção clamorosa
Sem dúvidas, Sex Education é uma das séries mais amadas e melhor avaliadas da Netflix. A gigante do streaming conta com diversas outras produções que enchem os fãs e telespectadores de ansiedade ao verem que o dia de lançamento de novas temporadas ou de continuações se aproxima. Antes mesmo do lançamento da terceira temporada, a série contou com as precisas avaliações de críticos de cinema e TV.
O Rotten Tomatoes, um dos sites mais respeitados no ramo de análises e avaliações de produções cinematográficas, vem juntando grandes elogios a Sex Education desde a primeira temporada, lançada em 2019. À medida que a série avança no enredo e novas partes chegam ao catálogo, a crítica do Rotten aumenta sua aclamação e melhor a avalia, mostrando que há uma linearidade narrativa coesa, bem amarrada e prazerosa de acompanhar. A terceira e, ao que tudo indica, penúltima temporada obteve uma aprovação de 91% pelo website estadunidense. O portal de cinema, televisão e mundo geek Mundo de Conforto avaliou em 100%. Considerando a opinião de 14 críticos, o Metacritic, também estadunidense, registrou uma pontuação de 81, em um total de 100, classificando como “aclamação mundial”.
Sex Education é mais do que uma série adolescente. Na verdade, não há um público-alvo específico. As primeiras impressões podem assustar devido à naturalidade com que os personagens lidam com seus questionamentos, suas dúvidas e descobertas, deixando claro que não há nada de errado em ser quem é, realidade pouquíssimo comum nas relações entre pais e filhos, colegas e amigos e professores e alunos justamente por causa de um resistente tabu impregnado na sociedade. Sex Education consegue, com maestria e um toque de descontração, iniciar esses debates. Então, se você ainda tinha dúvidas se assistia ou não a essa quase obra-prima da Netflix, prepare a pipoca, o sofá e maratone.
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Por Raul Holanda – Fala! UFPE