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A pobreza menstrual nos presídios femininos brasileiros

Apesar de ser um item básico de higiene, comprar absorvente no Brasil é um luxo. Agora, imagina ter que usar jornal, pedaço de papel higiênico, miolo de pão velho e, até mesmo, papelão para conter o fluxo sanguíneo. Essas são as soluções que as mulheres encarceradas no Brasil encontram no período menstrual.

Pobreza menstrual e as presidiárias brasileiras

Além da negligência do Estado em relação aos itens básicos de saúde, as mulheres sofrem abandono familiar e afetivo dentro dos presídios. Drauzio Varella, médico e autor de Prisioneiras, disse em entrevista à Rede Globo que as mulheres presas são as que mais sofrem pelo abandono, e são mais julgadas do que um homem.

Para Drauzio, a sociedade aceita com ‘’mais naturalidade’’ a prisão de um homem. ‘’Tem dois aspectos: primeiro, que a mulher não é para ir presa. Mulher é tratada na família para dar exemplo, para ser boazinha, obediente, então, já uma quebra de paradigma importante.’’

A diferença maior, se você tiver que escolher uma, é o abandono. O homem que vai preso tem sempre uma mulher que vai visitá-lo: namorada, amante, esposa, tia, prima, avó, mãe. A mulher que vai presa é abandonada completamente. Pra você ter uma ideia, na penitenciária feminina tem 2.200, 2.500 presas. O número médio de visitantes por semana é 800. Visitas íntimas não passam de 200 mulheres. Você vai numa cadeia masculina e o número é muito superior a esse.

Presos que menstruam

A jornalista Nana Queiroz, autora do livro Presos que Menstruam (Editora Record, 2015) fez uma análise do sistema carcerário por quatro anos e teve contato com detentas que passaram e passam seus dias em condições decadentes.

Nana assegura que ‘’as especificidades de gênero são ignoradas’’ e que ‘’o Estado esquece que as mulheres precisam de absorvente, por exemplo, e que precisam de papel higiênico para duas necessidades em vez de uma. Ou ainda que as mulheres engravidam, têm filhos e precisam amamentar’’. Isso caracteriza a pobreza menstrual.

A jornalista, em entrevista ao Terra, explica que alguns presídios oferecem um pequeno número de absorventes para o ciclo menstrual, mas, conforme muitas detentas relataram, não são suficientes para aquelas com fluxo maior. Em casos extremos, quando não há absorvente durante a menstruação, elas improvisam usando miolo de pão como absorvente interno. O miolo de pão velho é guardado para essas situações, as mulheres amassam para que fique no formato de um O.B (absorvente interno) e colocam-no dentro da vagina para conter o fluxo menstrual.

Apesar de ser uma solução para conter o fluxo sanguíneo, o uso de material biológico, como o pão que pode mofar, pode causar infecções. Segundo Márcia de Oliveira Moura, ginecologista e professora, o farelo do pão pode causar doenças dentro da vagina, logo, a mulher corre grandes riscos de desenvolver uma infecção urinária. ‘’O sangue também é um material que favorece o crescimento de bactérias e fungos, então, esse sangue que fica ali acumulado pode causar uma maior possibilidade de uma doença genital”, afirma.

Presas usam miolo de pão para conter o fluxo de sangue devido a pobreza menstrual dentro dos presídios.
Presas usam miolo de pão para conter o fluxo de sangue devido a pobreza menstrual dentro dos presídios. | Foto: Reprodução/Camila Vaz – Jus Brasil.

Esse tipo de situação é comum nos presídios femininos e nos mistos. Em algumas penitenciárias, os itens de higiene pessoal são de responsabilidade das detentas, que dependem dos itens fornecidos pelos familiares durante as visitas, porém, conforme dito anteriormente as mulheres sofrem com abandono e acabam sofrendo nas prisões sem o auxílio familiar.

Em 2015, Maria Aparecida relata à Nana Queiroz que havia criado 20 filhos, mas que há quase três anos não recebia uma visita e nem ajuda, um Sedex sequer, e que tinha que se virar com a ‘’bondade’’ do Estado. Porém, segundo Nana Queiroz, a bondade do Estado sempre esteve em extinção no Brasil. ‘’Sabe, tem dia que fico caçando jornal velho do chão para limpar a bunda’’, Maria contou à jornalista, sem papas na língua. 

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Por Isabella Martinez – Fala! Anhembi

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