Entenda o que levou ao acontecimento e por que esse não foi o primeiro e nem o último caso de terrorismo doméstico nos Estados Unidos
Desde o início do ano, muito tem se discutido sobre os acontecimentos do dia 6 de janeiro de 2021. A invasão ao Capitólio dos Estados Unidos trouxe muitos questionamentos à tona sobre a situação política na “maior e mais longeva democracia do mundo”. Como chegaram a esse ponto? Trump incentivou esse ataque? Teria este sido o primeiro caso de terrorismo doméstico em solo estadunidense?
Para responder essas perguntas, temos que retornar às semanas antes do ocorrido.
Pré-invasão do dia 6/1/21
Em 21/12/20, é determinada a retirada da estátua de Robert E. Lee (principal general dos Confederados durante a Guerra Civil) da cripta do Capitólio, colocando em seu lugar a estátua de Barbara Jones, ativista pelos direitos civis e figura importante para o fim da segregação nas escolas no estado da Virgínia.
Pessoas são presas tentando invadir o capitólio estadual do Oregon. Em uma manifestação com cerca de 100 a 150 manifestantes de um grupo fundamentalista religioso. O motivo: o Capitólio discutia as medidas de restrição (como o lockdown), sem a presença da população por causa da pandemia, e esse grupo negacionista decidiu interferir e participar da discussão à força.
No dia 25/12/20, houve um atentado terrorista à bomba: Anthony Quinn Warner, de 63 anos, detonou o seu RV (Motorhome) com explosivos dentro, em Nashville, Tennessee. Ferindo 8 pessoas e matando-se no processo. Ele era adepto às teorias de conspiração. Os motivos do atentado suicida ainda não são claros.
Já em 3/1/21, o Washington Post publica que Donald Trump ligou para o Secretário de Estado da Georgia, cobrando-o uma “melhor apuração” das eleições e fazendo ameaças. Divulgando, juntamente com a matéria, o áudio da ligação, onde o então presidente diz “eu só quero achar 11.780 votos”, quantidade exata de votos para uma vitória no estado.
O dia da invasão e terrorismo doméstico
Na presença de vários manifestantes, que já haviam chegado há alguns dias para protestar contra o resultado das eleições, ocorreu um comício com a presença de grandes nomes do partido republicano, como o próprio Donald Trump e Rudy Giuliani. Nesse evento, Trump vociferou contra a mídia, mais especificamente as emissoras e jornais que o criticavam. “A mídia é o maior problema que nós temos, ao meu ver. Único e maior problema”, disse ele no topo de seu palanque atrás do vidro à prova de balas.
E prosseguiu para: “eles manipularam as eleições, como nunca tinham manipulado antes” e “nós que estamos aqui hoje não queremos ver nossa vitória eleitoral roubada por democratas esquerdistas radicais ousados, que é o que eles estão fazendo. […] Nós jamais desistiremos, nós jamais cederemos”. Assim, ele seguiu a apresentar diversas evidências (sem base ou confirmação) para confirmar que não só tinha ganho, mas tinha ganho “de lavada”. O dia que seria apenas para formalizar a vitória de Biden tornava-se o ápice de uma disputa ideológica.
Trump citou fraudes no sistema de votação por correio, que, segundo ele, ocorreram com a desculpa do “vírus chinês”, convocou republicanos do senado e da câmara dos deputados a irem contra a confirmação da vitória de Joe Biden, pediu para que o vice-presidente, Mike Pence, fizesse o “correto” e não reconhecesse a vitória do democrata. Trump arrematou seu discurso e suas intenções ao dizer “eu sei que todos aqui logo estarão marchando para o edifício do Capitólio para fazer com que suas vozes sejam ouvidas de forma pacífica e patriótica hoje”, insuflando o protesto de seus apoiadores.
Tão logo terminado o comício, os manifestantes marcharam em direção ao Capitólio para protestar e, após poucas horas de indecisão e preparação, invadiram-no. As cenas, apesar de recentes, são memoráveis: a polícia pacificamente recuando ante à multidão irritada e armada, barricadas em frente às portas, descontrole e destruição dentro do prédio e, é claro, o já “icônico” Xamã do QAnon. O caos do dia 6 nada mais foi do que o resultado de anos de desconfiança e conflitos ideológicos. Entre os participantes da invasão, estavam, além de republicanos, adeptos às teorias da conspiração, supremacistas brancos e grupos neo-confederados e neofascistas.
Os resultados foram a morte de 5 pessoas, entre elas, o policial Brian Sicknick, pelo menos 15 pessoas hospitalizadas e inúmeras prisões. Após o fracasso na incursão e a repercussão negativa da ausência de repreensão, Donald Trump divulgou um vídeo pedindo que os manifestantes calmamente voltassem para suas casas e se retirassem do Capitólio. Pelo apoio e pela demora em se pronunciar, Trump recebeu críticas de opositores e aliados, entre eles o próprio vice-presidente, Mike Pence, e outros nomes de peso do Partido Republicano. Assim, durante a madrugada, foi retomada a formalização que reconheceria a vitória de Joe Biden, que havia sido interrompida pela invasão.
Muitos afirmaram que esse foi o maior atentado à democracia estadunidense e que este evento teria sido o primeiro caso de terrorismo doméstico no país. No entanto, muitas evidências apontam que este não foi o primeiro, nem mesmo o mais recente ato de terrorismo doméstico nos Estados Unidos.
O problema constitucional
“Sendo uma milícia bem regulamentada, necessária para a segurança de um estado livre, o direito do povo de manter e portar armas não deve ser violado”. Essa é a Segunda Emenda da Constituição Estadunidense, sendo assim, um direito de todos os cidadãos. Desse modo, usando deste “benefício”, o acesso às armas de grosso calibre é fácil e prático, podendo encontrar uma loja em quase cada esquina. Dados mostram que, até 2017, existiam 50.000 mais lojas de armas do que McDonald’s nos Estados Unidos. No entanto, essa facilidade acaba se voltando contra o próprio povo.
No ano de 2021, até o momento, ocorreram 110 mass-shootings, ou massacres. Entre os dias 16 e 22 foram 7 tiroteios em 7 dias. Nesse período, ocorreu um massacre em Atlanta, Georgia, no qual um jovem branco entrou em três spas atirando e matando 8 pessoas, das quais 6 tinham origem asiática. Para a polícia, os motivos do atentado ainda não estão claros. No dia seguinte, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, chamou o incidente de ‘terrorismo doméstico’ e anunciou envio de forças antiterrorismo às comunidades asiáticas da cidade. Ainda nessa semana, dessa vez em Boulder, Colorado, 10 pessoas (incluindo um policial) foram mortas quando um terrorista abriu fogo em um supermercado. Em ambos os casos, os suspeitos são americanos.
Esses fatos reacenderam o debate sobre armas e a restrição da segunda emenda nos Estados Unidos. O atual presidente, Joe Biden, agora pressiona senadores para aprovar uma proposta de lei que aumente o controle sobre a posse de armas no país. Porém, mesmo com todos esses acontecimentos e apelos, a expectativa é que a proposta não tenha votos o suficiente e espere para ser novamente reacesa em uma próxima catástrofe, como em anos anteriores.
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Por Pedro Cabral Marques – Fala! UFRJ