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Yolanda Garrafão: coordenadora do MINDJER I KA TAMBUR

Yolanda Victor Monteiro Garrafão é Mestranda em Ciências Sociais com Habilitação em Antropologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), licenciada em Sociologia e Bacharel em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), ambas no Brasil. 

É Professora na Universidade Lusófona da Guiné-Bissau, lecionando classe, estratificação, mobilidade social e sociologia do trabalho e coordena o Movimento Nacional Mindjer Ika Tambur (Mulher não é tambor) no enfrentamento à violência de qualquer forma de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra as pessoas (sobretudo mulheres) em razão de sua identidade de gênero. Tem desenvolvido ações de formação sobre a violência de gênero e como se manifesta para a Rede de Associações Juvenis, organizações não-governamentais, com a colaboração do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Guiné-Bissau). Desenvolve pesquisa na área de estudos africanos, mulherismo africano, tradição, modernidade e gênero, temas de sua pesquisa em andamento. Confira uma entrevista completa com Yolanda Garrafão. 

Yolanda
Yolanda Garrafão. | Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal

Entrevista com Yolanda Garrafão 

1-Como surgiu a ideia de criação do movimento?

A ideia de criação do Movimento Mindjer ika tambur, surgiu depois da campanha Mindjer ika tambur, que se insere no âmbito de uma intervenção social de um grupo de ativistas feministas, inquietas com as ondas das violências a crescer no país em tempos da pandemia de COVID-19, a campanha mindjer ika tambur serviu enquanto recurso para denunciar os atos da violência que as meninas e as mulheres são vítimas na sociedade guineense, sobretudo no seio familiar. Com as medidas de prevenção ao Covid-19 e,tendo em conta os efeitos de confinamento na condição feminina no espaço doméstico, agravaram-se os casos de violência, abuso sexual e feminicídios na África e no Mundo. 

Para enfrentar essa realidade na Guiné-Bissau, um conjunto de jovens mulheres decidiram lançar a campanha “Mindjer Ika Tambur”. A campanha baseia-se numa produção fotográfica que reporta o efeito da violência física nas mulheres, designadamente hematomas ficcionais que pretendem chamar a atenção sobre as agressões a que estão sujeitas as mulheres e ao mesmo tempo incentivar a denúncia sobre os corpos e vozes silenciadas.

2-Quais são os objectivos do Mindjer i ka tambur?

Mitigar violência baseada no género, conscientizar a sociedade Guineense e promover os direitos humanos das meninas e mulheres, através de incentivo das denúncias às práticas nocivas contra mulheres e meninas na Guiné-Bissau.

3- “Ser mulher” na sociedade guineense é extremamente complexo, quais são os maiores desafios que têm enfrentado?

O modelo dominante de ser mulher Guineense é aquele que é instruída a sofrer e calar, na esperança de que seu sofrimento pode render sua prosperidade bons filhos à glória, elementos estes que podem ser alcançadas graças sua relação com o marido, ou seja a mulher não é ensinada a tomar seu destino, mas sempre deve ser aliada do homem em todas circunstâncias nisso ela é negada seus direitos de forma igualitária ao homem na crença de que o homem sempre foi e será superior  

Em sua a construção de feminilidade (mindjerdadi) baseia-se em seguintes padrões:  

Ser mãe 

Educadora 

Doméstica 

Submissa (portanto inferior ao homem) 

Sofredora 

Obediente 

Conservadora (não pode ser libertina sobretudo no que tange ao sexo, ou seja deve ser santinha não aquela que fala e pede sexo abertamente) afinal entende-se que a mulher está para servir apenas, nisso ainda existe ritual como excisão feminina que se assenta nesta lógica, na qual às meninas e mulheres até crianças são retirados seus clitóris sob pretexto que a mulher não pode sentir muito prazer sexual de modo que esta pode cometer adultério ou seja acredita-se que  é um dos mecanismos para evitar adultério. Na medida que o homem pode ter até 4 mulheres, a mulher é excisada sob pretexto que assim elas se mantêm puras a um só homem. 

Dada essa educação e a construção de feminilidade nociva às próprias mulheres, torna nossa luta muito desafiadora, isto porque sofrer e calar está muito enraizada na cabeça das mulheres na qual mesmo espancadas brutalmente denunciar o marido ainda torna uma tarefa difícil.

Isso para nós é um grande desafio em como empoderar as mulheres guineenses a não estarem coniventes com a prática de violência capaz de ceifar suas vidas. 

4- A descriminação de género é uma problemática enraizada na nossa sociedade, como é que tem sido esse processo de consciencialização?

O processo da consciencialização a nível do nosso movimento paira na prática educativa, numa educação de libertação, emancipatória e de empoderamento feminino, através de formações, palestras, rodas de conversas nas comunidades, programas radiofônicos, televisivos tudo isso fortemente disseminadas nas redes sociais  

5- A violência baseada no género é uma prática aceitável no seio da sociedade, o que têm feito para mudar este cenário?

 Digo que até é naturalizada, o que eu tenho feito é não estar conivente com essa prática e ousar falar dela sem reserva publicamente, principalmente através da minha inserção nos movimentos sociais do meu país e Movimento Mindjer ika tambur em especial na qual coordeno. 

Um movimento que advoga para mulheres Guineenses e lhes presta assistências psicossocial, jurídica e até de acompanhamento médico das vítimas da violência e por outro lado imputa a responsabilidade ao estado e o governo sobre mecanismo de combate a esse flagelo alarmante no nosso contexto e não só. 

Por outro lado, nossas estratégias de sensibilização já apontadas anteriormente a essas práticas caminham comigo no meu cotidiano. 

6- Qual tem sido o papel/colaboração das autoridades competentes na vossa luta?

Bom analiso que o engajamento das autoridades competentes é mínimo, estamos a falar de um país em construção no qual a democracia ainda não se consolidou, prova disso são as constantes crises políticas, desse modo fragiliza as instituições estatais, consequentemente quase que todos setores fundamentais de um estado dito de direito, são precários como o de saúde, educação e da justiça  sobre esse último setor igualmente frágil recheada de muita impunidade não colabora engajadamente na nossa luta, mas temos trabalhado ao longo do tempo com a polícia judiciária especificamente brigada de menores e de mulheres. 

7-Como tem sido a reação/aderência dos homens à vossa causa?

A aderência é mínima levando em conta a proporção da população na cidade de Bissau, mas temos uma pequena parcela engajada, inclusive membros homens. 

Yolanda
Yolanda Garrafão luta pelos direitos femininos. | Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal

8- Qual sua função no projeto Mindjer Kaba?

Sou coordenadora do projeto Suta mindjer kaba dja, que abarca no objetivo central do movimento supracitado, executada pela mesma organização subvencionada pelo PNUD 

Também aproveito para falar sobre os casos registado no mês (Abril) em curso: 

O primeiro diz respeito a Nhalim Seide, 38 anos, vítima de tentativa de feminicídio, um crime real na Guiné-Bissau tratada como se fosse homicídio. Um crime de ódio contra a mulher, justificado pelo marido por esta não lhe ter preparado o almoço!

Consequentemente teve uma parte considerável do seu corpo queimado, um ato de crime macabro que resultou na queimadura de segundo grau, acarretando perigo de vida da mesma, que ainda se encontra hospitalizada sob pena de perder a vida. 

Segundo a vítima, o marido teriam ido trabalhar na obra (o mesmo é pedreiro), esta teria deixado instruções à sua filha para cozinhar, a Nhalim deitou-se a fim de descansar porque estava doente, com fortes dores de coluna. O marido, horas depois ao voltar para casa após o trabalho, ao chegar ,alegou que não tinha comida, aliás tinha comida sim mas preparada pela filha, o marido não ficou contente com o fato 

 Sendo assim ficou furioso e, covardemente, comprou gasolina e  jogou gasolina no corpo da sua esposa e ateou o fogo!

Vale a pena ressaltar que mais uma vez este crime enfatiza a base social e cultural de domesticidade e maternidade que persegue a camada feminina. Este lugar histórico que a mulher foi obrigada a posicionar-se como se fosse intrinsecamente a ela, condenada a exercer até tripla jornada de trabalho, isto é cuidar de casa, buscar sustento fora e ainda cuidar do marido e dos filhos como se não bastasse ainda foi condenada a arder até a morte. 

O segundo caso diz respeito a uma cidadã natural de Gabu vítima de esfaqueamento em várias partes do corpo pelo marido, pelo fato de receber crédito no celular, o marido invadiu o celular da mesma alegando que esta havia sido enviado crédito num valor expressivo deduzindo desse modo que deve ser amante da mesma, sendo assim agrediu a esposa com a faca, que está internada no hospital. 

Por fim, o caso da menina Vitória, de 16 anos, esfaqueada pelo pai até a morte pelo fato de ter ido uma festa de aniversário e dormiu fora de casa, o pai por sua vez usou arma branca para punir a mesma que culminou em feminicídio 

Portanto, eu trouxe esses casos para demonstrar nosso desafio e quanto a violência contra mulher é endêmica na Guiné-Bissau. 

As motivações invocadas pelos autores do crime demonstram claramente o nível de misoginia, aversão e ódio contra mulheres, portanto exigimos a atenção das autoridades competentes em como trabalhar seriamente nas medidas de combate para mitigação desse flagelo.

Movimento Mindjer Kaba Dja
Movimento Mindjer Kaba Dja. | Foto: Reprodução/ Acervo Pessoal

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Por Benazira Djoco – Fala! UNIESP PB 

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