No dia 29 de maio de 2020, mais de 3 mil meninas e mulheres se uniram na rede social Twitter para denunciarem casos de assédio e abuso sexual sofridos na cidade de São Paulo, inicialmente no bairro do Tatuapé. A hashtag #ExposedSaoPaulo permaneceu como Assuntos do Momento da rede social por pelo menos cinco dias, e gerou outras mesmo fora do estado, como #ExposedBeloHorizonte, #ExposedBahia e #ExposedRJ. As postagens foram, principalmente, fotos de tela nas quais as vítimas explicavam seus casos de assédio, estupro e mesmo de relacionamentos abusivos – relatos estes que, por vezes, continham nome e sobrenome dos agressores.
Amanda*, de dezessete anos, foi uma das primeiras pessoas a postar o exposed utilizando a hashatg inicial #ExposedTatuapé, inspirada por amigas que também o fizeram. “As reações foram muito boas, eu só recebi comentários positivos e muitas meninas mandando mensagens falando que fui uma inspiração por ter coragem de postar meu relato e o quão importante isso foi no geral”, disse, o que parece ter sido algo recorrente. Melissa, de dezoito anos, por exemplo, também conta como se sentiu acolhida pela comunidade feminina do Twitter após relatar seu caso.
As reações também foram as mesmas para Laura*, de dezessete anos, pelo menos a princípio: “Achei incrível no começo; muitos comentários mandando força, me senti acolhida. Mas tiveram muitos grupos sendo feitos para xingar as meninas, e muitas pessoas tentando justificar os atos e fazer [as meninas] passarem por loucas”, conta com pesar.
Outro sentimento em comum foi o de encorajamento, já que muitas meninas relatam se sentirem incentivadas a expor seus agressores ao verem outras fazendo o mesmo, além de realizarem as postagens pensando em como estimulariam outras pessoas, como um efeito dominó.
“As outras meninas postando as histórias delas me deram coragem e força para expor a minha. Senti que não estava sozinha e seria acolhida, e queria compartilhar a minha história para que as outras meninas também se sentissem apoiadas.”, conta Nathália*, de dezoito anos, que, mesmo com medo de falar tão publicamente sobre seu ex-namorado abusivo, o fez, e recebeu ameaças que a fizeram retirar o post do ar. “Fiquei tão mal na hora, não sabia o que fazer, só chorava. Agora, estou melhor. Percebi que foi bom eu ter falado sobre porque ajudei outras meninas.”.
O medo de ameaças e de que os agressores se reconheçam nos relatos é compreensível, já que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 75,9% dos agressores sexuais são conhecidos das vítimas. Giulia, de dezenove anos, conta que estava com medo de seu assediador vir falar com ela após o post, mesmo que ela não mencionasse seu nome em momento algum.
Junto a isso, está o medo de o agressor ser do mesmo círculo familiar ou de amizades da vítima, o que aconteceu com Melissa, cujo assediador foi seu avô paterno. “Minha família, tanto na época quanto agora, ‘passou pano’ para o meu assediador e culpou a idade dele. Até hoje, não falam sobre, e se falam, ainda usam a mesma desculpa”, diz, mas, ainda sim, conta sobre como o apoio das amigas e das pessoas no Twitter a ajudaram a perceber que fez a coisa certa.
Como denunciar abusos
A advogada Vanessa Medina Cavassini, Presidente da Comissão de Violência Doméstica- Subseção 103° OAB/SP Vila Prudente e que atua no Direito de Família e Sucessões e Vítimas de Violência Doméstica desde 2013, explica como funcionam as denúncias para a polícia.
Primeiro, a vítima deve fazer uma denúncia em uma delegacia e abrir um boletim de ocorrência. Depois, precisa representar contra o agressor, ou seja, abrir um processo contra o homem que a agrediu. Apenas após manifestar esse desejo, a lei pode agir em favor dela. […] é muito importante que a vítima tenha apoio de alguém quando for denunciar o ocorrido às autoridades, pois relatar os fatos costuma ser um momento doloroso. Será feito um boletim de ocorrência e, em caso de estupro, a vítima será encaminhada, em seguida, a um hospital para realizar exames e receber medicamentos para prevenir doenças sexualmente transmissíveis (como o HIV), além de receber a pílula do dia seguinte para evitar gravidez, caso já não tenha passado por atendimento médico.
O boletim de ocorrência logo após o crime é importante para que seja feito o exame de corpo de delito. Por essa mesma razão, não é recomendável que a vítima tome banho após o ocorrido, pois isso pode impedir a coleta de algumas provas importantes para a investigação e posteriormente para o processo criminal. Além disso, é importante guardar as roupas usadas no momento do crime para coleta de provas. O DNA do autor pode ser coletado destas peças de roupa, por exemplo.
“Os agressores, em caso de estupro, poderão ser presos preventivamente. E, conforme o artigo 213 do Código Penal: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. O tempo de prisão é de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Reclusão). O juiz analisará o caso concreto em cada situação. Caso o estupro seja praticado contra menor que tenha entre 14 e 18 anos (artigo 213, § 1º, do Código Penal), há aumento na pena do criminoso, que pode ir de 8 a 14 anos de reclusão, lembrando que vítimas menores de 14 anos são consideradas vulneráveis.”.
O Brasil registrou 180 casos de estupro por dia em 2018, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e o site Relógios da Violência do Instituto Maria da Penha mostra que, a cada 1,4 segundos, uma mulher é vítima de assédio no Brasil.
*Nomes fictícios para evitar exposição das vítimas
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Por Giulia Deker – Fala! Cásper