sábado, 12 outubro, 24
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Conto: Retalhos

De: Ele
Para: A minha amada

Eu sempre me senti um retalho. É como não ser construído por mim mesmo e, sim, ser uma soma de tudo. Já li sobre filósofos, como Nietzsche, Schopenhauer ou Sartre, desacreditei em muitas coisas e acreditei em outras nem tão relevantes, mas, ainda sim, continuavam a serem fragmentos, a serem os mesmos, apesar de caprichados, retalhos.

colcha de retalhos
Retalhos. | Foto: Reprodução.

Então, me apeguei mais à música, chorando nas ondas melancólicas e refletindo as palavras, essas que sempre me foram preciosas. Você entende que sou um pejorativo no amor, não é? Sempre que posso fujo, sempre que se entrega, te machuco. Já me senti patético por tantas lágrimas que derramei, mas, sem dúvidas, as que derramei por ti foram as que me tornaram teu tão fiel amante.

Posso ser, sim, um tolo destinado à desgraça da vida, um cético niilista ou, até mesmo, mais um existencialista, mas nada disso carrega um fardo de uma vida… Você pode até pensar na minha existência em jogo, mas a esse ponto não me importo tanto. Sou apenas retalho, querida. Mais uma costura sendo desalinhada, mais um tecido rasgado e descartado.

Contudo, o teu amor é que me faz sustentar o peso da vida, me ensina a reconstruir dos retalhos para um tecido completo, me contradiz e me diz que essa vida miserável da qual levo é apenas paliativa. É incrível o quanto a lembrança da sua voz me falando o quanto pareço com os escritores da geração Byroniana ainda ecoa mais forte enquanto te escrevo. É porque não sei escrever palavras supérfluas quando penso em ti, não consigo ser raso quando te quero, não me permito demonstrar o simples quando tenho tanta complexidade ao amar.

Sou intenso, eu sei, mas o que esperar desse teu amante? O que idealizar sobre essa figura de homem sentado e tendo apenas a companhia de sua escrivaninha para apoiar o peso de suas palavras? Sim, amor. Se for para ser um escritor melancólico, um enfermo amante ou um bobo da corte, eu serei porque nada me orgulha tanto quanto o prazer de te amar, quanto à dádiva do seu olhar.

Eu ainda sonho com o teu corpo e te peço perdão por gostar tanto desse desejo carnal… Por querer tuas curvas, tua pele e o teu ar ofegante, por desejar tua libido intensamente e sentir o que apenas um seleto poderia sentir, o prazer do sentir você.

Entendo que o amor nos torna possessivos, minha amada, pois o “ter” para os homens sempre foi um mau costume… Mas não planejo te amordaçar, te aprisionar e, nem mesmo, te tornar fruto dos meus bens adquiridos, eu apenas quero você. Eu amo você com idealizações e perspectivas diferentes, descobrindo com orgulho o teu ser mais hegemônico e genuíno porque você, meu amor, não merece os tratamentos triviais dos homens, mas sim, a maestria de todo o amor deles.

E, então, eu te peço… Não aceite retalhos como eu, não se permita a querer incompletos ou indecisos para o teu amor e desejo profundo, só aceite o legítimo. O verdadeiro amor, não um sentimento construído por um homem de retalhos.

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Por Amanda Marques

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