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Vidas Cansadas: Um ensaio sobre o cansaço

Uma crônica por: Gustavo Magalhães

Um ensaio sobre o cansaço

Vidas Cansadas

Tá tudo mundo meio cansado, meio desanimado, sem esperança – aquela que é a última a morrer. Nas ruas, ônibus, trens, tá todo mundo cansado. Cansado porque é a resposta natural do corpo para aquilo que o aflige repetidamente. O cansaço é, agora, onipresente e corrói cada um que se submete à rotina, ao estudo, ao trabalho.

A vida está cansada. Até os dias estão cansados. O rosto de todos mostra que ali, também, se encontra o cansaço. As relações líquidas, o tempo fugaz, a violência assombrosa, a dicotomia ideológica e a solidão pujante tornam todos cansados. Hora ou outra você estará cansado, e este texto pode te ajudar, porque este é um texto cansado.

Deparado com os desafios de um país em crise, poucos empregos, alta intolerância e polarização política, o jovem, que convive com a pressão de um futuro desconhecido cada vez mais perto, já não tem mais um chão estável para pisar.

O cansaço de ser perfeito, bom, justo, ter experiências incríveis, saber de tudo e falar várias línguas vem de pequeno, quando se assiste Malhação, perpassa as redes sociais e se reflete no cotidiano. O jovem é, antes de tudo, um cansado.

As questões que estão presentes nas cabeças da maioria deles o fazem refletir sobre o que está por vir, muitas vezes de maneira excessivamente pesada, para além daquilo que se pode suportar; o que lhe traz cansaço — da vida, das relações, até da sua própria imagem no espelho.

Não sendo ensinado a lidar com o mundo, ele cansa. E leva uma vida estranha entre se conformar por estar naquilo que se é e o incômodo cansado daquilo tudo que poderia ter sido. Disso e de muitas outras coisas, tá todo mundo meio cansado.

Acostumado a uma vida rápida, com coisas a todo instante saltando à sua vista, a juventude se depara com a enormidade da vida e suas consequentes responsabilidades, e o cansaço é a saída. Se deixar levar é uma das melhores maneiras de lidar com aquilo que não se compreende; seguir o baile, independente da música.

E o problema pode estar aí. A capacidade do ser humano de se adaptar aos ambientes, primordialmente, o fazia inventivo; era preciso criar para manter. Atualmente, ainda não deixando de criar, o comodismo mantém a todos num lugar comum, um lugar genérico, um lugar cansado. 

Mais do que nunca, o cansaço está explícito, escancarado, aparecendo em vídeos virais, músicas “estouradas”, séries e filmes famosos. Talvez seja a partir disso que os cansados na vida real se permitiram ser abertamente cansados, porque o cansaço, por agora, tem representatividade; o cansaço é pop.

Por tudo que se sucede, o jovem cansado cansa até de estar cansado e reclama até cansar daquilo que o cerca. Então, se ser exausto é sua sina, o que isso provoca?Mais cansaço. Depois, uma certa desilusão a respeito de tudo que vem, de tudo que pode vir a ser. Sobre o vestibular, a faculdade, o emprego, o relacionamento, a família.

É uma idade onde paira aquela incerteza fatigada de que as coisas darão certo. Então, cansado de tudo, principalmente da exaustiva repetição de relacionamentos cada vez mais genéricos, rasos, tudo que resta é continuar no automático, tentando alinhar as coisas, mas as coisas não se criam para serem alinhadas, nem se quer conhecem o que é uma linha. As coisas, por enquanto, se deixam cansar. 

A pressão cansada que se encosta no jovem é aquela que o questiona sobre que rumos tomar da vida, e ele, ensinado a dar respostas tão mais cansadas do que as perguntas, sofre. É óbvio que nem todos são assim, que nem todos estão cansados, mas o cansaço é paciente; então, aguarde. 

As principais consequências desse cansaço eloquente são representadas em estatísticas já não mais tão desconhecidas: cerca de 10% dos jovens brasileiros sofrem de depressão e 10% sofrem com ansiedade. E como levar uma vida com problemas psíquicos sérios enquanto todos os cansados a sua volta ignoram seu cansaço?

O que fazer quando a vida lhe sorri e tem dentes feios? Se fazer autêntico, se permitir. E isto não é um texto que quer te fazer um good vibes, ou mais um “carpe diem”, aqui apenas se levanta um debate de como não enlouquecer com o cansaço que lhe toma os músculos; não que alguém saiba, tá todo mundo muito cansado para saber.

Muitos artistas, ao longo da história, usaram do seu cansaço para transcender, para dar conforto, acalmar os outros cansados. Mas o que tinha de diferente neles? Como criavam arte a partir de seus próprios porquês?

Eles conheciam seus respectivos cansaços. Tá aí uma saída para o cansaço que, por sua vez, é uma resposta para o incompreensível. Mas quem dera se fosse assim; no âmbito prático, é cada um com seu cada qual. Cada cachorro que lamba o seu cansaço. 

O cansaço é tipo produto personalizado, se molda a cada um. Seu cansaço é único e tem algo bonito nisso. Mas muito menos bonito do que as romantizações que se tem por aí; é um meio termo entre uma melancolia cansada, escorrida que te deixa mais diferente, consciente de uma das faces da vida – a falta de sentido – e uma ornamentação excessiva de algo que te faz mal.

O cansaço parece não ter fim, porque, também, você é infinito, um vasto universo cansado. Essa solidão exausta que te agarra e te joga pra baixo é incomensurável. E tá tudo mundo meio cansado do que não tem sentido. É um cansaço antigo: as coisas só tem um nome porque alguém cansou de não saber como chamá-las.

Só voamos, provavelmente, porque Santos Dummont estava cansado do trânsito. Só existe poesia porque alguém, em algum momento, cansou de sentir medo sozinho. Esse cansaço azul da cor do mar te faz muito mais do que só, te faz sem si.

Daí parte da solidão cansada se explica: essa insuficiência de se conter e satisfazer em si mesmo, então, parte das companhias se anulam, a outra parte se cansa.

E não precisa se conter em si, você é maior que seu cansaço e, se ele próprio não se contém em ti, você, então, é bem maior do que parece, do que seu corpo aguenta; mesmo com cansaço, você transcende. Escuta-se a todo instante que a vida é feita de momentos. O cansaço pode ser um deles. E tá todo mundo meio cansado dos instantes.

O que tem que ser dito é: vai com calma. Talvez a humanidade e você estejam passando por um momento esquisito, assim como o são. As rápidas relações, que somem como lágrimas na chuva, são reflexo de algo novo: até então, as formas tradicionais de interação sempre foram predominantes, não havia muito espaço para o novo e, agora que o novo se fez presente por meio das novas tecnologias, a reação foi de euforia, uma euforia cansada.

Ou seja, até agora, não se sabe precisamente os rumos que a comunicação tomará, o que leva todos a acharem que tudo está se acabando, como se, por ser comum as pessoas conversarem a quilômetros de distância e isso acarretar em um desinteresse, achar que assim o será para sempre. Calma. Usa esse cansaço que te deixa lento para pensar com mais paciência.

As relações líquidas se configuram como característica da atualidade, mas, decerto, também mostram uma inexperiência para lidar com o novo e o cansaço do passar do tempo. E até o tempo está cansado de contar.
A calma não é um contraponto ao cansaço, é um complemento exaustivamente bem-vindo.

Permite olhar mais devagar, mais pausado. O mundo corre demais e ele está cansado disso. Todo mundo luta para fazer tudo ao mesmo tempo. Tem que ter rendimento, meta batida, nota máxima, curtir cada segundo da vida, relacionamento perfeito. Tá todo mundo meio cansado de utopia.   

Aliás, o cansaço também ensina, não é de todo ruim. Mostra que a vida cansada é muito mais uma questão de estar do que de ser. 

E essa expectativa que é marcada a ferro e fogo nos sonhos de cada um de que todos têm que dar certo deixa qualquer um tão mais cansado da vida do que a vida de qualquer um deles. Se não forem todos campeões, de nada serão. Essa é a ideia. Mas, contudo, porém, entretanto, todavia, será uma pena viver num lugar onde os não cansados venceram.

E, quando os exaustos vencerem — o que de fato pode acontecer —, haverá decepção. O momento de vitória é tão enérgico e rápido que os perdidos estariam a esmo, pois seu cansaço não lhes permite ter energias, e sua calma nem os deixa perceberem nada depressa.

No final, você só tem o troféu, não a conquista. E o troféu é um símbolo cansado.Quer saber a real? Até o cansaço está cansado de si. O cansaço é inegável. O cansaço não é o fim. Não pode ser.   


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