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Viagens – Não pode ser ruim arrumar as malas

Lugares de liberdade, voos e estradas costumam trazer as borboletas no estômago que sinalizam para a gente: o pulso ainda pulsa. Viajar é se sentir livre, mais ainda, é se sentir vivo. Viajar é a oportunidade de degustar momentos da vida como um suculento prato experimentado pela primeira vez ou como os lanches da vó de lamber pratos, dedos, raspar panelas…viajar é uma das mais belas formas de produzir lembranças. Os cheiros e sons sentidos pela primeira vez em algum lugar guardam um super poder: toda vez, pelo resto da sua vida, que passares por aquele cheiro ou aquele som de novo, se sentirá transportado. Voltas aquele lugar como um sonhador viajante do tempo. Só quando acabada a viagem entre temporalidades é que perceberá a visita que por uns instantes te deixou besta, babando aquele momento. Poder de (re)vivências oportunizadas apenas pela memória. 

para onde viajar após a quarentena
As viagens permitem novas lembranças e experiências. | Foto: Reprodução.

No entanto, faz algum tempo que jovens têm atribuído outros sentidos às viagens e, consequentemente, perdido o melhor do que elas podem oferecer. Nas últimas décadas, a vida tem se tornado absurdamente acelerada. As fases da vida estão sendo subtraídas sem perceber. Infância, adolescência, juventude se tornaram temporadas suprimidas sem correrias. Relógios parecem constantemente grudados nos ouvidos como o desvairado Coelho Branco de Alice a gritar: é tarde, é tarde, é tarde.

Crianças, com seus pais constantemente trabalhando têm suas oportunidades de conhecer mais do que o apartamento rarefeitas. Adolescentes têm nos cursos de inglês, vestibular, música, entre outras tantas atividades Krankens engolidores das oportunidades de olhar uma brechinha além das cortinas do quarto. E os jovens, ah, os jovens…

Ritmados de trabalhos e carreiras tem roubado da nossa geração aventuras juvenis. Isso não acontece necessariamente diminuindo ou extinguindo as nossas viagens – ao menos, não para os mais privilegiados. Acontece que as viagens já não costumam ter o mesmo proveito. Elas estão sendo encaradas como mais um marco da juventude a ser atingido. Um checkpoint da vida, um momento que devemos experimentar pra dizer que passamos corretamente por mais uma fase. A sociedade do espetáculo das redes sociais, junto à correria insana pelo sucesso, pelo projeto de casa e carro aos vinte e poucos fez com que nos cobrássemos às viagens como se a falta delas significasse uma juventude fracassada.

O acelerar da vida tem afetado até a diversão. Apressamo-nos em ter fotos nos perfis sinalizando que viajamos, cumprimos essa tarefa da vida. Conhecemos os lugares que importam segundo listas produzidas sabe lá por quem – a foto no Louvre é fundamental para parecer intelectual, a Torre Eiffel é um clássico, o Réveillon em Noronha está na moda, e as piscinas naturais de Porto de Galinhas dizem como sou aventureiro (socorro!).

Mas tudo isso não teve cheiros, não viveu as risadas, as borboletas não embrulharam o estômago, os lugares não foram pacientemente degustados. Fotos em pontos turísticos e sorrisos artificiais não guardam lembranças, apenas registram paradas. Atestados de uma juventude cumprida, agora falta apenas o bom emprego com ótimo salário.

Por isso, fiquem atentos. A pandemia do Covid-19 nos deixou longe de aviões e estradas. Aproveite esse tempo para refletir. Da próxima vez que escolher um destino, se preocupe em escolhê-lo com o cuidado de um sommelier ou não, siga a mais louca das aventuras com o melhor dos amigos. Belíssimo remédio para (quase) todos nós que sofremos com ansiedade. Pois aqueles poucos dias ou aquele final de semana podem ser revividos outras tantas vezes em mesas de bar e reuniões de amigos com o mesmo poder relaxante.

Para isso, é fundamental experimentar o lugar, seus cheiros e gostos. É o único jeito de retornar com a mochila carregada de lembranças. Não as que trazemos na mala, mas as que preenchem o coração. Não permitamos que os tics tacs de relógios determinem até sobre as caminhadas que há tempos contrariam despertadores. Viajar é poesia e todos nós ainda podemos ser poetas.

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Por Diego Lino Silva – Fala! Universidade Estadual de Feira de Santana

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