Transporte gratuito para estudantes de baixa renda foi suspenso na pandemia e não tem previsão de retorno
Com gotas de suor escorrendo pelo rosto e a respiração ofegante, o jovem Matheus Belangieri, de 22 anos, pedala, em média, 19 quilômetros por dia para chegar ao estágio. Atravessar a cidade, do Cachambi à Tijuca, de bicicleta, foi a solução encontrada pelo rapaz para reduzir o gasto com transporte depois que o Bilhete Único Universitário foi suspenso durante a pandemia, sem previsão de retorno. Com o BUU, o transporte era gratuito. Matheus é apenas um entre vários universitários que têm buscado alternativas para reduzir os custos diários de transporte na cidade do Rio de Janeiro.
Os problemas enfrentandos por estudantes universitários sem o Bilhete Único no Rio de Janeiro
O decreto 3.820/2014, assinado por Eduardo Paes em seu último mandato como prefeito, garantia ao universitário transporte gratuito nos ônibus da cidade, sob a condição de ser cotista ou integrante do Programa Universidade Para Todos (Prouni). Estudante com renda familiar per capita menor ou igual a um salário mínimo também era beneficiado. Em 2019, o então prefeito Marcelo Crivella editou a Resolução 3.204, passando a exigir que o aluno tivesse cursado todo o ensino médio em escola pública ou sido bolsista integral em escola particular. Os estudantes participantes do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) não puderam mais receber o benefício.
Em março de 2020, a prefeitura suspendeu o Bilhete Único Universitário devido à pandemia de Covid-19. A justificativa foi a interrupção das aulas presenciais, afetando da mesma forma o bilhete estudantil de alunos do ensino fundamental e médio, que também foi suspenso. Apesar de Crivella ter sancionado a Lei Municipal 6.833/2020, que trouxe de volta os fundamentos do Decreto 3.820/2014, o Bilhete Único Universitário ainda segue suspenso, mesmo após Eduardo Paes afirmar em campanha que se comprometeria a trazer de volta o auxílio.
A suspensão do passe livre tem causado protestos de organizações estudantis, que alegam o retorno de aulas presenciais em universidades privadas. Estágios e projetos de extensão em universidades federais também foram retomados. Uma mobilização estudantil, no dia 10 de agosto, reuniu estudantes de diferentes instituições de ensino em protesto contra o corte do benefício. Os manifestantes alegam que o custo, tanto nos ônibus, quanto no trem e metrô, é muito alto.
Para universitários que moram em áreas remotas do Rio Janeiro, a situação fica ainda mais difícil. Atualmente, a passagem de ônibus custa R$4,05, e a do metrô R$5,80. O DCE da UFRJ avalia que a medida suspensiva tem relação direta com os empresários do transporte, numa tentativa de agradar aos que se interessam pelo fim do Bilhete Único Universitário. Devido à pandemia, os protestos também têm ganhado força nas redes sociais de organizações como os Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs), da Associação dos Estudantes Secundaristas do Rio (AERJ), da Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (Fenet), entre outros.
Sem o BUU, universitários estão tendo que arcar com seus próprios gastos por não ter o direito ao uso do cartão ativo. As universidades públicas do Rio de Janeiro têm grande quantidade de alunos de baixa renda que, muitas vezes, moram distante do local de estudo ou trabalho. Os custos mensais com transporte são altos. A estudante de Medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Danielle Mariosa, conta que está tendo que desembolsar cerca de 40 reais por semana, totalizando 200 reais no final do mês.
Matheus Belangieri, o ciclista que pedala 19 km até o estágio, é estudante de Medicina Veterinária da Universidade Federal Fluminense (UFF). Insatisfeito com a prefeitura, o jovem diz que precisou encontrar alternativas para não precisar pagar passagens de ônibus, um custo fora do seu orçamento, para chegar ao seu estágio voluntário no Colégio Militar, na Tijuca.
Meus gastos mensais são em relação a pequenos reparos com meu meio de transporte, a bicicleta. São cerca de 12 a 15 reais, com remendos de furos da câmara de ar, revisão dos freios e óleos lubrificantes para as engrenagens.
afirma Matheus Belangieri.
O estudante conta também que, apesar de ter encontrado uma alternativa para não pagar passagem todos os dias, a bicicleta é um transporte perigoso, principalmente, por causa da má mobilidade urbana da cidade. Outro problema é que, de tanto pedalar, Matheus chega muito suado ao estágio, o que não condiz com os padrões higiênicos exigidos pela área profissional em que deseja atuar.
Danielle afirma que, apesar da longa distância, é possível ir andando, mas colocaria sua segurança em risco. Perguntada sobre o sentimento com todos esses problemas, ela diz que se sente mal e angustiada por ter custos para ir à faculdade.
Fico preocupada porque posso estar usando dinheiro com passagem e acabar faltando em outras coisas no final do mês, como em segurança, contas, alimentação etc. E era uma garantia de ter o direito de chegar à UERJ, mas que está cancelado.
lamenta Danielle.
Matheus termina dizendo que os estudantes universitários têm todo o potencial para o sucesso em suas carreiras, mas enfrentam obstáculos de ordem financeira e que o direito ao Bilhete Único Universitário representa não apenas o acesso a um trajeto, mas a chance de reduzir as desigualdades sociais.
O QUE DIZ A PREFEITURA
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, concedeu uma entrevista, por meio de uma rede social, para falar sobre os problemas na cidade. Um dos assuntos abordados foi a questão do retorno do Bilhete Único Universitário. Paes foi questionado sobre a suspensão e o compromisso que assumiu de restabelecer o passe livre durante sua campanha para o terceiro mandato, direito esse que o ex-prefeito Marcelo Crivella suspendeu em 2019.
Eu teria que subsidiar, dar dinheiro público para empresas de ônibus.
disse Paes sobre a situação.
Ressaltou também que sem o reajuste da tarifa, congelada há 3 anos, o desequilíbrio nas contas, em relação aos subsídios, torna inviável o retorno do passe livre neste momento, por uma série de questões judiciais. Apesar da demora e das adversidades, o atual prefeito mantém uma postura otimista em cumprir seu voto com a população.
Esse compromisso continua de pé, eu vou ajeitar isso, mas, infelizmente, a gente vive uma situação delicada neste momento.
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Por João Vitor Nogueira – Fala! UFRJ