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Universidades públicas no combate ao coronavírus

Covid-19 no Brasil: Universidades públicas no combate ao coronavírus

À medida que a pandemia do novo coronavírus acelera no Brasil, as universidades públicas, com histórico de ataques por parte do atual governo, praticam cidadania e solidariedade. Essas instituições deram as mãos e formaram parcerias entre si para ajudar a população a enfrentar a Covid-19. 

 Cientistas da Universidade Federal de Sergipe produzem álcool para doar aos postos de saúde do município de Itabaiana. Foto: Rede Brasil Atual
Cientistas da Universidade Federal de Sergipe produzem álcool para doar aos postos de saúde do município de Itabaiana. Foto: Rede Brasil Atual

A comunidade científica brasileira passou a produzir e a doar materiais básicos (álcool em gel, máscaras, protetores faciais, desinfetantes, aventais descartáveis) para os hospitais do cada vez mais precário sistema de saúde. Outros produtos do empenho universitário para contribuir com a sociedade merecem destaque, como ventiladores mecânicos pulmonares e testes rápidos de diagnóstico da doença, itens essenciais para tratar infectados e retardar o contágio, respectivamente.

Além disso, foram intensificadas as pesquisas acadêmicas na área; tornou-se preciso criar uma verdadeira força-tarefa. Profissionais de diferentes áreas do conhecimento, como Medicina, Infectologia, Ciências Biológicas, Ciências Humanas, Química e Engenharia, se juntaram para tentar compreender melhor a Covid-19, seus efeitos no âmbito global e o que pode ser feito para tratar e salvar vidas. Destaca-se, que por conta de cortes de verbas do governo, muitas dessas pesquisas não contam com financiamento ou qualquer tipo de bolsa.

Veja, a seguir, um balanço do que as universidades brasileiras vêm realizando desde o início do surto da doença no país.

Sudeste

A Universidade Federal do Rio de Janeiro está coordenando diversas ações de combate à Covid-19 envolvendo outras Instituições Públicas de Ensino do estado. No início da pandemia, a UFRJ elaborou uma cartilha para orientar a população quanto aos cuidados para se proteger do vírus. Além disso, uma plataforma exclusiva  [https://coronavirus.ufrj.br/]   voltada para a divulgação de informações relacionadas à doença foi criada. A iniciativa se repetiu em outras instituições do Brasil. 

Em parceria com a UFF, IFRJ, Unirio e Uerj — a UFRJ passou a fabricar álcool. O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e o Instituto de Química da universidade podem fazer até 1.600 litros de álcool 70%. 

Impressoras 3D estão produzindo Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs) para serem usados por profissionais do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF – Hospital do Fundão). A realização é da Coppe/UFRJ e do Laboratório de Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC Rio).                 

Protetor facial desenvolvido em parceria com a UFRJ. Foto: Paula Godinho
Protetor facial desenvolvido em parceria com a UFRJ. Foto: Paula Godinho

A Coppe tem apoio da Petrobras, da Vale, da Brastemp e da Faperj para montar respiradores. Quando notou que faltariam ventiladores nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), Jurandir Nadal, chefe do Laboratório de Engenharia Pulmonar e Cardiovascular da Coppe, construiu um modelo experimental de ventilador mecânico com recursos disponíveis no laboratório e o testou em um modelo físico de pulmão. Esse molde apresentou as configurações parecidas às dos pacientes com insuficiência respiratória e o resultado foi positivo. O intuito era, com o experimento, fazer adaptações necessárias para a construção de um protótipo mais viável para produzir em larga escala.

Ademais, a instituição fornece testes sorológicos. Eles são feitos a partir de proteínas do coronavírus que utilizam uma técnica até quatro vezes mais rápida e barata do que os normalmente aplicados nos hospitais, os de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR).

No Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Química, Biotecnologia e Farmácia estão juntas na fabricação do produto que sumiu das prateleiras de mercados e drogarias.

 Fabricação de álcool em gel no IFRJ em Realengo Foto: Luiza Moraes / O Globo
Fabricação de álcool em gel no IFRJ em Realengo Foto: Luiza Moraes / O Globo

Já na Universidade Federal Fluminense (UFF), o Instituto de Química, Faculdade de Farmácia e o Laboratório Universitário Rodolpho Albino (LURA) estão juntos para produzir, semanalmente, 1.400l de álcool 70%. Respiradores e EPIs voltados para atender ao Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) encontram-se em construção. O mesmo vale para os testes rápidos desenvolvidos. 

Na UFF, há, ainda, um observatório que traça análises estatísticas referentes à curva de contágio da doença, e grupos de estudos de saúde mental que dão suporte a quem estiver em um momento de maior sofrimento. Adicionalmente, professores das unidades da região serrana da UFF e da Uerj doaram protetores faciais à Nova Friburgo.

A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) elaborou o INSPIRE: protótipo de ventilador pulmonar de emergência voltado às pessoas que venham a ficar desassistidas, caso o sistema de saúde entre em colapso. Além disso, a universidade produz álcool para seu hospital universitário, e criou um rodo com tecnologia especial capaz de eliminar bactérias e até o coronavírus. O objeto visa a descontaminação do chão e impedir que o vírus se propague pelos sapatos. A radiação ultravioleta emitida pelo rodo funciona como germicida. 

 Rodo UV. Foto: Assessoria de Comunicação do IFSC - Rui Sintra
Rodo UV. Foto: Assessoria de Comunicação do IFSC – Rui Sintra

Os professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ministram cursos de capacitação aos estudantes para atender a sociedade civil e autoridades de saúde, além de todos os dias disponibilizar cerca de 300 testes.

E em apenas 48h, a UFRJ, a UFMG e o Laboratório Nacional de Computação fizeram o sequenciamento do código genético do coronavírus utilizando amostras de infectados do Rio, Goiás, Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul. O procedimento traz um maior entendimento das características genéticas do vírus.

Na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), professores criaram um modelo matemático para simular cenários da disseminação do coronavírus e verificar como as medidas de contenção ajudam no achatamento da curva de contágio. A ação é para auxiliar com as autoridades de saúde a tomar decisões. 

Nordeste

A Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e a Universidade do Estado da Bahia fazem a sua parte também. Estas instituições, por meio do projeto “Face shield for life 3D”, confeccionam máscaras, assim como a Universidade Federal de Sergipe (UFS).

 Protetores faciais feitos na UFS. Foto: Rede Brasil Atual.
Protetores faciais feitos na UFS. Foto: Rede Brasil Atual.

A pandemia do novo coronavírus serviu para a Universidade Federal do Piauí (UFPI) mostrar que não apenas cursos da área da Saúde podem colaborar com a comunidade em um momento de crise como a atual. A coordenação de Moda, Design e Estilismo estão produzindo máscaras e aventais descartáveis para o Hospital Universitário (HU-UFPI). 

O curso de Moda de Universidade Federal do Piauí confecciona aventais e máscaras. Foto: UFPI
O curso de Moda de Universidade Federal do Piauí confecciona aventais e máscaras. Foto: UFPI

A Universidade Federal do Ceará (UFC) disponibilizou oito impressoras 3D para a manufatura de EPIs por setores externos à instituição. A UFC, ao lado da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), através do (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), fabricam capacetes de respiração mecânica. A vantagem é que, nesse método de respiração artificial não invasiva, o paciente não precisa ser intubado.

A Universidade Federal da Bahia (UFBA) importou dois tipos de testes de diagnóstico do vírus dos EUA e da China para fornecer o serviço a hospitais particulares que desejarem fazer a amostra. 

Norte

A Universidade de Gurupi (Unirg) aliada à Universidade Federal do Tocantins (UFT) está produzindo álcool em gel. O objetivo é abastecer as próprias instituições e doá-lo à população carente. Essa ação se repete na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 

O último estado a ser agregado ao território brasileiro, além de protetores faciais e aventais, está produzindo clipes de óculos de proteção para trabalhadores da saúde. Diariamente, a Universidade Federal do Acre (Ufac) pode gerar até 100 unidades do equipamento.

Clipes para óculos de proteção. (Foto: Divulgação/UFAC)

Sul

O Rio Grande do Sul formou a Frente de Impressão 3D na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); a universidade desenvolveu um molde para injeção de plástico da haste. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se uniu ao Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) para manufaturar máscaras. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também efetua testes de diagnóstico da Covid-19 e máscaras.

Uma ação um pouco diferente das listadas até aqui ocorre no Paraná. Lá, bebidas alcoólicas que foram apreendidas pela Receita Federal estão sendo usadas para produzir álcool em gel. É a Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) a idealizadora da atitude, que endereça o produto ao setor de saúde da instituição e ao público externo. 

Em conjunto com a Fundação Municipal de Saúde, a Universidade Estadual de Ponta Grossa também produz esse insumo. Ele é distribuído, pela Prefeitura Municipal, para unidades de saúde.

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a Universidade Católica de Pelotas (UCPel), o Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) e a fábrica de refrigerantes Biri, estão juntas na corrida contra o novo coronavírus. O álcool gel produzido é para o Restaurante Universitário, para o Hospital Escola da UFPel (HEUFPel) e para as unidades básicas de saúde (UBS).

Centro-Oeste

A região igualmente colabora na elaboração de protetores faciais. Eles serão endereçados ao Conselho Regional de Medicina do estado (CRM-MT) para posterior distribuição aos hospitais. A iniciativa é da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); laboratórios de Arquitetura e Urbanismo, de Instrumentação Micrometeorológica e Sensoriamento Remoto e do Instituto de Física (IF) estão juntos nessa missão. 

Um grupo de pesquisadores da  Universidade Nacional de Brasília (UNB) realiza um trabalho focado na saúde mental da população em um momento tão delicado e angustiante de perdas em vários aspectos. Adicionalmente, a UNB desenvolve planos de contingência junto à Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Possível cura para a Covid-19?

Enquanto cientistas trabalham incessantemente no desenvolvimento de uma vacina contra o vírus, surge uma esperançosa descoberta para tratar os infectados: o plasma sanguíneo. O processo, ainda em fase experimental, ocorre no Instituto Estadual do Cérebro (IEC), em parceria com o Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ e com o Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti, o Hemorio. A iniciativa, que consiste em usar infusões de plasma para tratar a doença, ocorre após tratamentos de pacientes em estado grave terem tido resultados positivos em outros países, como os Estados Unidos.

O presidente e a universidade: olhares diferentes para a pandemia

Bolsonaro ataca universidades em evento no Tocantins, em dezembro de 2019. Foto: Reprodução O Globo.

O atual quadro pandêmico, causado pelo novo coronavírus tem servido, em linhas gerais, como um aprendizado a todos. E, portanto, para tentar provar, à parcela descrente da sociedade, que o aluno de uma Universidade Pública não faz balbúrdia. Diferentemente do que afirmou Jair Bolsonaro em 2019, em um evento no Tocantins, o compromisso do estudante da universidade é amplo, ele faz de tudo um pouco (incluindo estudar). Assim, muito além de graduar profissionais diversos, essa instituição forma pesquisadores, cidadãos e fomenta a produção científica, que está sempre a serviço da população.

Contudo, há profundas lacunas quando a questão é combater a Covid-19 no Brasil. De um lado, há um presidente insistindo em subestimar o vírus que, até a finalização desta matéria, já havia causado mais de 206.000 mortes no mundo. Para ele, que chamou a doença de gripezinha, tudo não passa de uma histeria e fantasia da mídia. Temos um líder que defende o afrouxamento das medidas de distanciamento e prega o isolamento vertical (somente pessoas de grupo de risco ficariam em casa; as outras poderiam continuar seguindo a vida normalmente). Proposta, essa, altamente repudiada por autoridades sanitárias.

Jair Bolsonaro, eleito pelo jornal norte-americano Washington Post o pior gestor global da crise do coronavírus, insiste em ir na direção oposta das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele sai às ruas de Brasília para cumprimentar e tirar fotos com apoiadores, promover carreatas em defesa do fim do isolamento e mostrar-se, acima de tudo, próximo ao seu povo. Em um momento em que a  curva de óbitos do Brasil já é maior do que a da Espanha, Bolsonaro não vê problemas em deixar claro que falar de economia é mais importante do que falar de vidas.

Do outro lado, há a universidade pública que, mesmo sucateada, luta contra o relógio para, antes de se preocupar com a economia, cuidar das pessoas. É nítido o esforço em conter o avanço da doença e salvar o maior número possível de infectados, oferecendo, à comunidade, equipamentos e dados científicos fundamentais resultantes de longos estudos e testes em laboratórios e em salas de aula. 

A universidade que, apesar dos altos cortes de verbas, se mantém de pé, une forças, transforma horas de sono em horas de estudo, conta com profissionais de excelência e estudantes que se prontificam a auxiliar, voluntariamente, os trabalhos. 

Assim, negligenciar a existência da universidade pública — atacá-la e derrubá-la — significa ir na contramão da disseminação de conhecimento à toda a sociedade. Em vez de desprezá-la, é preciso reconhecer a diferença que essa instituição faz ao entregar importantes resultados à comunidade.

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Ana Paula Jaume – Fala! UFRJ

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