Pablo, Jacob, Letícia, Alexander, Vitor, Carla, Keller, Heitor, Martina, André, Larissa e Daniel.
De amadores a profissionais, promotores de vendas a estudantes de história. De São Paulo a Portugal, passando por cidades do Brasil afora. Independente dos dezenove ou sessenta e três anos, todas essas pessoas possuem algo em comum: o apreço pela fotografia analógica. Elas contrariam a tendência da evolução tecnológica e constroem suas narrativas fotográficas através dos filmes, dos papéis fotográficos, dos negativos e dos processos manuais de revelação. Ao invés do imediatismo e praticidade da fotografia digital, preferem seguir um caminho menos rápido e também mais trabalhoso, dependendo do ponto de vista.
Por que essa predileção? Não seria mais fácil utilizar as poderosas câmeras em smartphones mais modernos, com imensa capacidade de armazenamento que cabem no bolso? Ou até mesmo câmeras digitais, podendo instantaneamente ver o resultado das fotos e não se preocupar com custos de revelação e decepções com erros? Para adeptos da fotografia analógica, há outros aspectos em jogo que fazem o hobby valer a pena.
Nostalgia
“Sempre gostei de coisas antigas”, afirma a estudante de História Letícia Favoretto. Museus, discos de vinil e carros antigos chamavam a atenção dela. Paralelamente, a fotografia foi uma paixão que a acompanhou durante bastante tempo, como um hobby a ser explorado. Também graduando em História, Vitor Zaupa considera que a fotografia analógica seja especial por remeter às memórias da infância. “Fotografia sempre foi algo presente em casa porque minha tia foi laboratorista em uma loja de revelações.”
Martina Lemos, aluna de Turismo, também encontrou no passado a afeição pelas fotos analógicas: “A minha mãe tinha uma câmera e acabou registrando toda minha infância em tons de filme Kodak. Ver essas imagens despertou meu interesse.” Além da nostalgia, Martina se atentou aos diferentes resultados das fotos antigas, se comparadas com as tiradas em câmeras digitais. “Isso me motivou a pegar a câmera dela e a começar a estudar.”
“Era o ano 2000”, conta o fotógrafo Jacob Contreras. “Tirei fotos para um trabalho voluntário no Paraguai com uma câmera emprestada de um amigo. A máquina era de 1978, uma Nikon FE muito bem conservada.” À época, o resultado das fotografias o deixou extasiado. “Parecia algo mágico.”
“Gosto de fotografia desde muito novo. Tenho 63 anos, o que explica meu contato com as máquinas mecânicas”, comenta o advogado Heitor Menegale. Mas não é só pelo saudosismo que a comunidade da fotografia analógica possui adeptos. Heitor, por exemplo, voltou a rebobinar filmes por a modalidade trazer certos desafios, como o de ser mais certeiro nos disparos.
Quantidade não é qualidade
“Se a relação entre o tempo, espaço e memória é instantânea na fotografia digital, na analógica isso não acontece.” A afirmação de Martina se dá porque, na fotografia analógica, é preciso planejar as fotos antes de tirá-las.
Equipamentos analógicos mais comuns necessitam de filmes de 35mm, que comportam até 36 fotos por rolo. Isso é um dos principais fatores para que a fotografia analógica demande um processo mais cuidadoso e é justamente o que atrai simpatizantes. O produtor cultural Alexander Moreira, por exemplo, considera que a limitação de poses o faz refletir melhor sobre cada retrato tirado.
Para o fotógrafo Keller Borges, fatores como a rapidez e o instantâneo podem ser uma desvantagem: “as pessoas ficam muito ansiosas pelas fotos e muitas delas se tornam descartáveis.” Já o empresário André Benedetti iniciou recentemente a prática na fotografia analógica por nutrir uma certa repulsa pelo caráter quantitativo da fotografia digital. Essa característica, impulsionada principalmente pelos celulares, fez a jornalista Larissa Helena questionar o padrão vigente. “Senti algo errado com esse excesso, porque para mim a fotografia não se trata apenas disso.”
Após passar um tempo sem fotografar, decidiu comprar uma câmera e um rolo de filme durante uma viagem até Belo Horizonte. O resultado das fotos tiradas naquele fim de semana, segundo Larissa, aqueceu sentimentos arrefecidos: “Fiquei emocionada e relembrei o porquê de possuir uma relação tão forte com a fotografia e como ela carrega tanto afeto.”
Aprendizados
Keller explica que tanto o fotógrafo quanto o fotografado aprendem através da fotografia analógica, já que cada clique é valorizado como se fosse único e especial.
Em câmeras profissionais, é preciso ajustar o ISO, a velocidade de abertura, o foco e também a profundidade do campo. Errar essas configurações gera erros como borrões, fotos desfocadas, muito escuras ou muito claras. E na fotografia analógica, cada erro significa uma pose desperdiçada.
“Existe a necessidade de parar, pensar e ter um olhar para a imagem.” Essa peculiaridade, para Letícia, torna o contato com o analógico primordial para que se entenda a fotografia como um todo. “Os custos de filme e revelação trazem a preocupação maior em se fazer certo. Acredito que essa observação seja essencial no processo de aprendizagem.”
Daniel Ribeiro, formado em gastronomia e fotógrafo amador nas horas vagas, externa que a cada cartucho revelado ele aprimora a própria fotografia. “Tudo vira motivação para melhorar e, na próxima vez, corrigir os erros.” Situação similar a de Jacob, que no princípio usava determinadas configurações visando um tipo de foto, contudo o resultado saía diferente. “Não sabia manipular a câmera e com o tempo fui aprendendo a planejar melhor a fotografia antes de apertar o botão.”
Esperar faz parte
Aguardar a foto ser revelada faz parte do ritual analógico. Para Keller, a impossibilidade de se ver o resultado da foto na hora e corrigir erros dá um charme a essa fotografia: “Isso resulta em fotos muito mais espontâneas, naturais e cheias de sentimentos”.
“Quando você termina de usar um filme, já não se lembra de quais fotos fez com ele, então só é possível descobrir isso após a revelação”, atesta Martina. A foto favorita escolhida por ela é fruto desse ritual. “Eu tirei a selfie em 2017 e só fui revelar neste ano. Foi uma surpresa boa pois nem lembrava mais dela.”
A estudante de artes visuais Carla Campos acredita que a fotografia analógica abre espaço para reflexões: “O fato de não verificarmos os resultados de imediato traz uma outra compreensão do todo, desde a película até a impressão.” Além de tirar as fotos, Carla também as revela e imprime em laboratório, procedimento aprendido na adolescência e que, na explicação dela, requer paciência, persistência e boa análise.
Daniel considera que o processo até a foto ficar pronta torna a experiência única: “você cria uma expectativa maior e cada um clique passa a ser uma espécie de evento”. A fotografia analógica acaba sendo uma terapia, além de um hobby. O promotor de vendas Pablo Campos, por exemplo, fotografa como forma de relaxar após uma rotina estressante.
Letícia externa que a fotografia analógica a ajudou a lidar com a ansiedade: “estava começando a fazer tratamento psicológico e psiquiátrico e o estudo da fotografia me ajudou muito nesse processo.” Ela confessa que a espera pela revelação e digitalização lhe deixava agitada no princípio, o que atualmente não acontece mais. “Hoje já não tenho esse problema. E consegui levar isso para outros âmbitos da minha vida.”
Contadores de histórias
Jacob tem bastante orgulho de uma fotografia em específico, escolhida por ele para ilustrar a reportagem. O fato de ter conseguido atingir o objetivo planejado torna a imagem especial. Ele conta que chegou na Avenida Brigadeiro Faria Lima às 8 horas da manhã, após já ter “montado” o cenário antes mesmo do clique final. Esperou até que uma série de fatores entrassem em confluência: “O clima, a luminosidade, aquele feixe de luz entrando pelos prédios, o momento exato para que uma personagem passasse pela avenida.” A silhueta da pessoa que andava de bicicleta naquele exato momento, formada pela luz projetada, é fruto de um meticuloso planejamento. “É como se eu tivesse ido caçar a fotografia”, afirma Jacob, que tirou três fotos até que conseguisse chegar exatamente no plano arquitetado.
Pensar no enquadramento. Na intencionalidade. Nos ajustes da câmera que atinjam o objetivo esperado. O clique. O rebobinar do filme. O esperar pela revelação. A impressão. A foto final. Para a professora e jornalista Simonetta Persichetti, ganhadora do Prêmio Jabuti com o livro Imagens da Fotografia Brasileira, o procedimento para se tirar uma foto analógica muda também a construção da narrativa fotográfica. A necessidade de planejar antes do clique proporciona uma mudança paradigmática. “Se na fotografia analógica é preciso pensar antes de tirar a foto, na fotografia digital acontece o inverso.” O advento dos softwares e aplicativos para edição de fotos deu espaço cada vez maior para a pós-produção das imagens.
Isso, no entanto, não implica que exista uma forma certa ou errada de se tirar uma foto. Muito menos que a fotografia digital seja pior ou melhor do que a analógica. “São apenas formas diferentes de fotografar”, constata Simonetta, que conclui: “Trata-se de um ato que depende muito do repertório, do olhar atencioso, do que está na cabeça do fotógrafo do que da máquina em si. Afinal de contas, o fotógrafo é um contador de histórias.”
História, por exemplo, que Daniel relata sobre sua fotografia predileta. Por trás de um relógio em um fundo psicodélico, há uma observação anterior: “Todo dia entre as 12 até umas 14 horas o sol bate diretamente na janela de um dos banheiros, formando vários arco-íris no chão.” Após a constatação, há a montagem do cenário: “Peguei uma mesinha onde havia esse reflexo, coloquei uma folha sulfite branca e o relógio em cima.” E após toda a preparação, a configuração da câmera: “Deixei a abertura do obturador bem grande e foquei somente no relógio.” Cria-se o Rainbow Time, que ilustra esta reportagem alguns parágrafos acima.
A foto favorita de Larissa é uma paisagem. Ela relata que passou bons minutos sentada, num momento contemplativo. E fotografou bem quando percebeu a dimensão do mundo e de si própria. “Me dei conta que sou apenas uma pessoa, o mundo é todo grande e a natureza é muito maior que todos nós.” Ela considera que a imagem traduz essa reflexão, estendendo-a até para a fotografia: “são diversas possibilidades, estilos, estéticas e técnicas. É a imensidão do mundo, da natureza e da fotografia, representadas em uma foto”.
“Digamos que foi um acidente feliz”, conta Vitor sobre sua fotografia favorita. “Foi feita com um filme slide vencido, revelado em processo cruzado”. Vitor explica que os efeitos obtidos só foram possíveis pelos fatores citados, já que cada filme pode proporcionar cores diferentes no resultado final. Sendo assim, para se chegar a efeitos similares na câmera digital, seria preciso aplicar uma série de filtros e edições posteriormente.
Uma comunidade unida…
O grupo “Lomografia & Fotografia Digital” abriga cerca de 12 mil membros, entre fotógrafos amadores, profissionais, curiosos e colecionadores de câmeras. Além desse, existem outras comunidades dentro da mesma temática, como o “Câmera Velha”, contabilizando mais de 3 mil pessoas. Jacob afirma que o Facebook é a plataforma mais difundida para encontro virtual dos adeptos. Além disso, há também grupos em outros idiomas, dos quais Jacob participa por falar inglês e espanhol.
Se comparados com os grupos mais genéricos de fotografia e comércio de equipamentos, os adeptos do analógico encontram-se em número bem menor. Vitor comenta que, apesar de relativamente pequena, trata-se de uma comunidade bastante unida, na qual ele já fez várias amizades.
Os membros discutem técnicas, anunciam venda de produtos, trocam experiências e compartilham seus retratos. Trata-se de um clima amistoso, como relatado pelas pessoas que ali estão.
Heitor acredita que a principal razão pela cordialidade reinar é o foco: “Raramente se vê mensagens de bom dia, como nos grupos de whatsapp, ou postagens sobre política. O lance é sobre fotografia mesmo.” Já Daniel considera que a diversidade de pessoas é fator importante para a riqueza na troca de conhecimentos. Ele afirma que no grupo há pessoas que fotografam há mais de 50 anos com filme, dividindo espaço com outras mais novas que nunca tiveram contato com máquinas analógicas. “O mais legal é a interação, a idade é colocada de lado e todos aprendem uns com os outros.”
Para Alexander, a convivência em grupos de fotografia analógica é muito mais saudável, se comparada com as de fotografia digital. O fato de não haver necessariamente o intuito comercial entre os adeptos proporciona o clima de paz. Contudo, ele também constata que os atritos acontecem, causados em sua maioria por brigas de ego. Mesmo assim, considera que os aspectos bons superam os ruins.
Letícia também atesta que algumas pessoas pecam na falta de paciência com os mais novos. “Tem uma galera mais ranzinza, chegam até a ser grosseiros. São pessoas que tecem comentários desnecessários e nada construtivos.” Apesar disso, reconhece também os aspectos positivos do grupo, destacando o fato de os participantes marcarem encontros para saídas fotográficas.
Jacob, por sinal, é um dos que participa dessas reuniões presenciais. O “Rolê Analógico” é um grupo formado por 50 pessoas da cidade de São Paulo. Os encontros são semanais e ocorrem nos finais de semana, juntando entre 5 a 15 pessoas que aproveitam a ocasião para fazer registros fotográficos e conversar sobre técnicas, equipamentos e acessórios.
…e um mercado que cresce
A rua 7 de Abril, localizada na região central de São Paulo, é território propício para os aficionados do analógico. Existem duas galerias. Se na Galeria Barão, localizada no número 154, há diversas lojas destinadas ao público consumidor de discos de vinil, a Galeria 7 de Abril abriga estabelecimentos destinados ao comércio de equipamentos fotográficos.
Somente duas lojas da galeria não vendem produtos destinados à fotografia analógica. Em todas as outras, máquinas mecânicas, lentes e filmes convivem em harmonia com equipamentos digitais, dispositivos à prova d’água e até mesmo drones com filmadora. Existe uma demanda que, segundo os vendedores, vêm crescendo nos últimos anos. “Todo dia eu vendo uns 5 desses filmes, tranquilamente. Existe também a procura por máquinas usadas”, afirma Marcos, um dos comerciantes. A tendência é percebida também em outros estados do Brasil, como em Minas Gerais.
Enquanto apresenta uma máquina analógica sem uso, ainda embalada na caixa original — “tenho oito dessas aqui na loja” — Carlos identifica o principal público-alvo de seu estabelecimento. São, na maioria das vezes, alunos de artes visuais e fotografia. Gabriel, funcionário de um estabelecimento que também faz manutenção de equipamentos fotográficos, revela que estudantes são compradores frequentes. “É um pessoal que quer aperfeiçoar a fotografia. Se alguém aprende a tirar foto nessas câmeras manuais, consegue tirar em qualquer câmera moderna.”
Vitor constata que é preciso procurar bastante para conseguir equipamentos e acessórios a bom preço. Ele explica que o fato de haver poucos técnicos que fazem serviços de manutenção de qualidade em máquinas analógicas torna compreensível os preços serem relativamente caros.
A internet também é local frequente para comércio de máquinas e produtos voltados para a fotografia analógica. Daniel, por exemplo, comprou sua primeira câmera fotográfica em um site de comércio eletrônico, que ele mesmo afirma ter sido “amor à primeira vista”. Já Letícia, além de comprar acessórios na Galeria 7 de Abril, também monitora grupos de Facebook, visita feiras de usados e até mesmo já tentou garimpar entre familiares e amigos.
Questões financeiras
Letícia considera que, apesar de não ser um hobby barato, a fotografia analógica não chega a ser inacessível. Já Carla entende que se trata de uma questão de priorização do dinheiro gasto e acredita que o investimento compensa. Contudo, admite também que os produtos são caros.
No Brasil, o preço das máquinas fotográficas — majoritariamente usadas — altera de acordo com o modelo. As mais baratas custam em torno de 100 reais e há equipamentos profissionais que superam a casa dos milhares de reais. Os valores dos filmes variam, dependendo da proposta a se seguir. Há desde filmes de entrada, que custam a partir de 20 reais, até filmes profissionais que podem valer mais de 100 reais.
“Ainda existe o custo das pilhas, da revelação e digitalização das fotos”, afirma Martina, que também alerta para o risco de se pagar o valor da revelação e as fotos saírem ruins, seja por erros do fotógrafo ou até mesmo do laboratório.
Se Gabriel, assim como outros vendedores, reconhece um aumento na demanda pela fotografia analógica, também foi o único a trazer uma constatação que difere das afirmações feitas pelos comerciantes: trata-se de uma tendência passageira.
“Eu te dou dois anos, não mais que isso. A moda vai acabar em breve.” A razão: o alto custo para se manter esse tipo de hobby. “Fotógrafo profissional não pode gastar tanto com filmes, papel fotográfico, com revelação, digitalização. O digital tende a ser mais prático.” Além de trabalhar na loja, Gabriel também realiza trabalhos fotográficos, todos com câmeras digitais. “Na hora que eu estou fazendo algo profissional, eu escolho a opção mais simples e barata.”
Keller também opta pela fotografia digital em seus projetos profissionais: “No final das contas, tirar fotos analógicas se torna inviável, profissionalmente falando.” O processo analógico de fotografia, consequentemente, é utilizado por Keller em seus projetos autorais, tendo a função de preservar o método, considerado por ele como uma arte.
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Por Johnny Taira – Jornalismo Jr. ECA USP