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Tatuagens indígenas são uma forma de apropriação cultural

A problemática se torna ainda maior pelo fato de brancos, ao fazerem essas tatuagens, lançam moda, enquanto os povos originários são demonizados

Pessoas não-indígenas, ao tatuar grafismos dessas culturas, podem estar praticando apropriação cultural e esvaziando o significado desses símbolos. O estilo de “tatuagem tribal”, que é um dos mais conhecidos, possui influência direta de grafismos utilizados pelos povos nativos em diferentes partes do mundo.  

“Para mim e para o meu povo, a pintura é espiritualidade, proteção, e agora, mais do que tudo, é resistência”, declarou Îasy Almeida, indígena Tamoio, no Rio de Janeiro. Ela ainda explicou sobre como os grafismos de sua cultura são sempre ligados à espiritualidade e como, durante séculos, esses povos foram proibidos de assumir suas identidades, o que só torna mais frustrante o fato de que pessoas não-indígenas se apropriem desses símbolos.

Particularmente, eu acho muito desrespeitoso, nós, indígenas, temos as nossas culturas apropriadas o tempo todo, mas nós fomos proibidos de usar nossos grafismos e, ainda hoje, somos demonizados quando usamos.

tatuagens
Îasy Almeida. | Foto: Reprodução.

“Usar um símbolo indígena, com um significado histórico, como uma “homenagem” é desrespeitoso demais. Existem meios para apoiar nossa resistência e usar a nossa cultura não é um deles”, complementa a jovem.

Janaron também aponta sobre como essas referências não são positivas e como os indígenas necessitam, na realidade, de “reconhecimento perante nossas lutas, culturas, crenças, tradições e costumes. Queremos que nos respeitem como pessoas normais”.

Como tatuador, ele revelou que há uma procura muito grande por tatuar esses grafismos, inclusive por pessoas não-indígenas: “A galera faz suas pesquisas sobre as tatuagens que querem fazer. Então, para fazer esses traços indígenas, eles vão procurar o tatuador que já é especialista nesse estilo”.

Tatuagens tribais são uma forma de apropriação cultural

Diversas culturas indígenas, espalhadas pelo mundo, utilizam de elementos naturais para pintar o próprio corpo. Existem duas formas de se utilizar esses grafismos: a pintura corporal e as tatuagens. Alguns povos se utilizam desse segundo modo para marcar na pele sua história e povo, como os Inuit, que vivem na região ártica do Canadá, Alasca e Groelândia, utilizam das tatuagens faciais para demarcar o pertencimento a um determinado clã, por exemplo. Os Maori, nativos da Nova Zelândia, possuem o Tā moko, desenhos permanentes feito de maneira tradicional por esses povos sem utilizar agulhas. 

No Brasil, entretanto, as tatuagens não são comuns na maioria dos povos. Algumas culturas, como os Kayabi, que vivem no norte do estado de Mato Grosso, utilizam desses simbolismos tanto para demarcação de membros da aldeia quanto para rituais de iniciação. Cada grafismo possui seu significado e eles são utilizados em diferentes momentos e, por conta disso, é tão importante que ele não seja permanente, para algumas culturas.  

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Kayabi. | Foto: Reprodução.

“O grafismo é feito para mudar, para ocasiões específicas; é algo que sai com o tempo, por isso uma tatuagem não teria o mesmo efeito e sentido”, afirmou Îasy. Esses acontecimentos especiais também se mostram em outras culturas, através dessas simbologias. 

Benício Pitaguary, comunicador e artista plástico especialista em grafismos indígenas, contou, em uma entrevista ao canal do YouTube, Wariu, sobre como em sua cultura, em momentos de luto, os membros da aldeia pintam o corpo com jenipapo e acreditam que, conforme a tinta vai saindo, aquela tristeza também sai e, por isso, é tão importante que as marcas sejam momentâneas. Ele ainda fala sobre como tatuar símbolos que são desconhecidos pode ser prejudicial.

Se uma pessoa desavisada acaba pegando uma imagem no Google e tatua um símbolo de luto, em vez de um processo que seria um ciclo que terminaria, essa energia de luto vai permanecer pelo resto da vida. 

Cada povo possui seu próprio estilo de pintura, inclusive, há culturas em que o grafismo não é tão comum. A etnia Xavante, por exemplo, é mais conhecida pela utilização pelas pinturas de corpo todo, com a tinta vermelha extraído do fruto Urucum. Ainda assim, eles possuem alguns símbolos, que são específicos de cada clã. 

Dentro de convenções, marchas, protestos ou simplesmente entre viagens, é comum que membros de uma determinada etnia viagem para visitar outras aldeias. Nesse processo, eles acabam fazendo pinturas de outros povos, mas que ainda assim é preciso de cuidado. “Mesmo sendo também indígena, somos de povos diferentes e temos que ter total respeito com as pinturas de outra cultura, porque não sabemos o que elas significam”, afirmou Janaron.

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Por Gabriela Costa – Fala! PUC

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