Para quem está abismado com os acontecimentos políticos e sociais da atualidade, o livro Sobre o autoritarismo brasileiro, da antropóloga e professora Lilia Moritz Schwarcz, publicado pela editora Companhia das Letras, é uma ótima pedida.
A obra mostra a face do país que é conhecido por sua pluralidade de culturas, etnias, cores e crenças, mas que perpetua uma estrutura de segregação e exclusão de minorias, por meio da tentativa de mascarar sua realidade de preconceitos e desigualdades.
Desde a colonização, nunca existiu no Brasil uma sociedade verdadeiramente igualitária, porém, essa ideia de consonância foi propositalmente redigida, abraçada e vendida ao mundo, para que houvesse a manutenção das nossas iniquidades.
O livro foi publicado em março de 2019, com o intuito de reconhecer as raízes autoritárias brasileiras que têm se manifestado no tempo presente, mas que tiveram gênese no princípio da nossa História.
A obra, que foi escrita em oito capítulos muito didáticos e de fácil compreensão, explica o nosso autoritarismo através de um contexto histórico e atual, baseado em análises, estudos, documentos e dados. Ela trata de forma extenuante o passado colonial e o extenso período escravocrata brasileiro, que foi o último das américas a ser abolido.
A desigualdade social, que desemboca na violência. A corrupção que subtrai a confiança, trai a república e rouba os direitos sociais dos cidadãos. A desigualdade entre os gêneros. O mandonismo e o patrimonialismo, que nos legaram injustiças que permanecem inalteradas mesmo com o passar dos séculos, entre outras questões. O livro é muito esclarecedor a respeito da nossa própria realidade, pois a contemporaneidade carrega consigo o peso de um passado que embora pareça, não é tão distante assim.
Apesar de terem sustentado a verdade fajuta de um país harmonioso, as manifestações de intolerância que temos presenciado desde 2013, e que se potencializaram em 2018, derrubaram a “cordialidade”, defendida por Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil. Muitos se perguntaram o que houve com o país que vinha de anos de progressismo e certa estabilidade em suas instituições democráticas, mas que como de um dia para a noite passou a defender pautas reacionárias, totalmente avessas às liberdades individuais dos cidadãos.
Moritz revela que esses ódios sempre existiram, e mesmo que antes não fossem ditos, se manifestavam nas estatísticas de mortes e violações de Direitos Humanos de negros, pobres, LGBTQ+, mulheres e outros. A diferença é que se antes era velado, agora as pessoas fazem e aplaudem esses discursos, e embora estejamos todos pasmos diante de tal realidade, ela não deveria ser motivo de surpresa.
A obra também explica medidas autoritárias que são sempre reproduzidas em entradas de governos pouco republicanos, uma delas é a disputa pela melhor versão da História. É comum que líderes populistas tragam para o presente uma ideia nostálgica de um passado, que de glorioso não tem nada, para rememorar o que foi chamado pela autora de “os bons tempos de outrora”.
Na visão dele, as benevolências dessa época foram corrompidas com o tempo, mas agora devem ser recuperadas. Esses governos anulam ou amenizam os crimes e injustiças que foram cometidos pelo Estado no passado, como por exemplo, dizer que os negros se entregaram espontaneamente para serem escravizados ou que a Ditadura Civil-Militar não cometeu os crimes que estão documentados. Governantes com pré-disposição ditatorial costumam apresentar um passado que permita suas ações totalitárias do futuro.
Ao longo do livro, a autora correlacionou semelhanças de acontecimentos antigos, com os que ocorrem até os dias de hoje: quando uma nação passa por recessão econômica e crise política e moral, é terreno propício para o surgimento de salvadores da pátria, que prometem soluções fáceis e simplistas para problemas muito complexos. Esses homens autoritários utilizam a polarização para se auto afirmarem. O dualismo criado entre “nós” e “eles” é reforçado ainda mais quando a justificativa para tal perseguição está pautada no retorno dos valores da família e defesa da pátria.
“Nós somos justos, eles são corruptos. Nós queremos emancipação, eles querem comunismo. Nós queremos defender a família, eles são imorais. Nós estamos certos, eles estão errados. Nós devemos mudar tudo o que está aí, e as ideias deles devem deixar de existir”. A diplomacia que deve ser viva em uma república, padece.
O livro de Lilia Moritz Schwarcz facilita a compreensão dos acontecimentos dos últimos anos e mostra a importância de defender e preservar a nossa república, pois nenhuma democracia vem com garantia inacabável, e se as pessoas desconhecerem o contexto necessário para analisarem todos esses acontecimentos de forma crítica, ficará cada vez mais difícil manter a nossa soberania popular.
Nada do que está incidindo é novidade, ocorreu na Alemanha nazista, na Itália fascista e também nas ditaduras civis-militares. A História nos dá os sintomas de uma possível doença que pode ser evitada. Cabe à parcela da população ainda lúcida lutar pela devoção da nossa Carta Magna.
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Por Bianca Rafaela da Silva – Fala! Anhembi